segunda-feira, 19 de março de 2012

O princípio da prevenção e precaução enquanto princípios complementares



Numa sociedade em que são crescentes os factores de risco para a Natureza, a Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) estabelece um conjunto de princípios fundamentais em matéria de Ambiente – como sejam o da prevenção, o do desenvolvimento sustentável, o do aproveitamento racional dos recursos naturais, o do poluidor-pagador – apesar de ainda se encontrarem numa fase de maturação jurídica alguns deles surgem da necessidade do seu tratamento e aprofundamento científico ao nível do Direito do Ambiente.

A consciência hoje generalizada da escassez dos recursos naturais torna necessário que o Direito do Ambiente esteja conectado a um princípio de prevenção.

Comummente, os danos ambientais são irreversíveis e irreparáveis, pois não há como retornar à situação anterior que se apresentava no momento do dano ambiental. Por outro lado, após a ocorrência, os custos da reconstituição ambiental são mais onerosos quando comparados com os da antecipação do dano.

O princípio da prevenção encontra-se referido na al. a) do nº 2 do 66º CRP, assim como na alínea a) do 3º da Lei de Bases do Ambiente e tem como objectivo evitar lesões do meio ambiente visando a protecção do mesmo numa lógica de evitar a ocorrência de danos antes da reparação dos mesmos, o que implica um juízo de prognose (lógica ex ante) quanto às situações potencialmente perigosas (capacidade de antecipação face a essas situações). Ainda que a prevenção se possa associar à repressão, o que está em causa num primeiro momento é a adopção e imposição de medidas destinadas a evitar a produção de efeitos danosos para o Ambiente e não a reacção a essas eventuais lesões.

A tendência da Doutrina, nos últimos tempos, tem sido a de restringir o princípio da prevenção a um conteúdo mais cingido e autonomizar um princípio de precaução, este de conteúdo mais amplo. Esta tendência, encontra inclusive expressão legislativa a nível do Tratado Constitutivo da União Europeia no seu art. 174º nº2.

No entendimento de VASCO PEREIRA DA SILVA é “preferível à separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autónomos é a construção de uma noção ampla de prevenção, adequada a resolver os problemas com que se defronta o jurista do ambiente.”. O conjunto de razões apresentadas permite-nos a concordância com a regência da cadeira, ora vejamos:
Em termos linguísticos, a distinção entre a prevenção e a precaução parece assentar numa diferenciação aparente, ou seja, uma mera distinção vocabular, pelo que deve-se pensar numa dimensão que abarca acontecimentos naturais como condutas humanas susceptíveis de lesar o meio ambiente, sejam elas actuais ou futuras. Seguindo razões de conteúdo material, não faz sentido distingui-los uma vez que nas sociedades desenvolvidas os factos naturais muitas vezes são um resultado de determinados comportamentos humanos. Em razão disso faz sentido avaliar o impacto ambiental tanto a nível natural como humano. Do ponto de vista jurídico, o princípio da prevenção tem consagração constitucional (art. 66º CRP) com as respectivas consequências o que justifica adoptar uma noção mais ampla desse princípio constitucional em nome do reforço dos valores e tutela Ambiental. 

Daqui depreendemos que sendo estes princípios complementares, por essas e outras razões, justifica adoptar um conteúdo mais amplo do princípio da prevenção de modo a abarcar nela os perigos naturais, os riscos humanos, a previsão das lesões ambientais ao invés de proceder a autonomização do princípio da precaução.

Diferentemente, no princípio da precaução em que exige uma actuação anterior ao princípio da prevenção, pois ele actua antes de os possíveis impactos danosos acontecerem, incidindo antes da formação do nexo causal entre o possível efeito do dano com a comprovação científica absoluta da sua existência, no princípio da prevenção os perigos ao meio ambiente são concretos e são conhecidas as suas causas e por isso devem ser eliminados ou minorados. Daí que, o princípio da precaução seja adoptado quando ainda existe incerteza sobre os efeitos nocivos à saúde humana ou ambiental.

Quanto ao grau de incerteza necessário para accionar a precaução mesmo que avancemos com uma versão mais estrita de precaução, não se prescinde de uma razão para crer na superveniência de um efeito lesivo, o que esbate a linha separatória entre perigo e risco.

Sendo assim, na prática, a prevenção actuaria no sentido de obstar que uma actividade perigosa viesse a produzir os efeitos indesejáveis ou seja, procuraria evitar o risco de um dano potencial. Enquanto que o princípio da precaução actuaria para inibir o risco de perigo potencial, ou seja, o risco de determinado comportamento ou actividade perigosos abstractamente.

Assim, no princípio da precaução, o perigo que se quer prevenir é potencial, enquanto que, no da prevenção o perigo deixa de ser potencial para passar a ser certo (a actividade é efectivamente perigosa), de modo que, não se pode procurar a prevenção contra um perigo que deixou de ser simplesmente potencial mas real e actual. Na prevenção, a configuração do risco abandona a qualidade de risco de perigo e assume a forma de risco de produção dos efeitos perigosos.

Cabe, por fim, ter em conta o entendimento de CARLA AMADO GOMES, quando estabelece que a precaução, por irrazoável que é, deve ser vista como uma vertente do princípio da prevenção, que seria limitada pelo princípio da proporcionalidade, devendo antes entender-se como uma prevenção alargada, uma vez que, um princípio deve sempre possuir um significado jurídico.

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