terça-feira, 13 de março de 2012

Um princípio geral de responsabilidade objectiva na tutela ambiental portuguesa?


A temática adquire especial pujança nos dias actuais, à medida em que surgem constatações diárias da realidade usualmente apelidada de "sociedade de risco global", a propósito refere o Prof. T. Antunes que "de facto, nas sociedades modernas altamente desenvolvidas e tecnologicamente sofisticadas, o perigo espreita a cada esquina. E é também verdade que, à medidade que o raio de acção humana se vai alargando a domínios como, por ex., a energia nuclear ou a engenharia genética, esses perigos vão adquirindo uma escala e uma magnitude assustadoras. Por outras palavras, vivemos rodeados de perigos, e esses perigos são cada vez mais intensos. E, a somar aos perigos - que podemos adivinhar, antecipar e eventualmente prevenir -, há ainda uma série de riscos imprevisíveis - ou, pelo menos , improváveis - que apenas podemos recear". Pelo exposto facilmente se intui a importância e a utilidade que derivaria da admissão de um princípio geral de responsabilidade objectiva no domínio do Direito Ambiental.
De facto, importa analisar a questão faseadamente, apelando à metodologia adoptada, principia-se por uma abordagem inicial à esfera da responsabilidade subjectiva, seguidamente analisando a consagração atinente à responsabilidade objectiva e, concluindo-se pela admissibilidade ou não da construção de um princípio geral de responsabilidade objectiva no direito português.
No que concerne ao ponto primeiro da nossa análise metodológica é, sob o signo da suficiência, à semelhança do defendido pelo Prof. Menezes Cordeiro, que se circunscreve o raio de acção do o instituto da responsabilidade subjectiva , sendo aceitável a afirmação de que este é de grosso modo insuficiente para conferir resultados completos quanto ao dano. Senão vejamos, relativamente à responsabilidade subjectiva é pressuposto a existência de culpa do autor da lesão verificada, culpa essa que na esfera dos danos causados ao ambiente se torna, não raras vezes, dificilmente determinável, em grande parte devido à dificuldade de imputação da conduta lesiva ao autor, o que sucede ususalmente devido à diluição do dano em vários planos, à culpa acresce claro está, a prática de um facto voluntário pelo agente, a ilicitude da conduta, o dano e o nexo de causalidade entre facto e dano. De facto, é possível delimitar casos para os quais o domínio da responsabilização subjectiva não seria o instrumento mais adequado, identificando-se para o efeito dois tipos de danos, considera-se que na esfera das lesões severas inflingidas ao sistema ecológico sem que seja possível identificar uma violação dos direitos individuais, os apelidados danos sem lesado individual, não seria adequado o recurso ao instituto da responsabilidade subjectiva, o mesmo destino teriam os danos sem causador determinado, que poderiam ser produzidos por fontes longínquas e não identificáveis para efeitos de imputação do dano. Decorre que da análise de ambas as situações, facilmente se adivinha a dificuldade da imputação de uma eventual conduta culposa necessária à efectivação da responsabilidade subjectiva.
Ainda no plano da imputação do dano, ou melhor, da sua não rara dificuldade importa mencionar o fenómeno da concausalidade, tal é usualmente factor impeditivo da concretização da responsabilidade, uma vez que existem inúmeras causas susceptiveis de gerar dano ambiental, derivadas da própria Natureza e da diversidade de sistemas biológicos, químicos e fisiológicos capazes de o produzir potencialmente. A tal quadro acresce, uma usual dificuldade na verificação imediata do dano, que pode estar temporalmente muito distante da sua fonte de origem, do exposto resulta a complexidade da verificação do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano produzido, dificuldade essa muitas vezes empolada pela índole complexa, difusa e indirecta de muitos danos, que consubstanciam a necessidade de optar por uma teoria de assente na causalidade.
            Assente a questão no que concerne aos meandros percorridos pela  (in)suficiência do espectro abarcado pela responsabilidade subjectiva, analisemos agora a questão do ponto de vista da responsabilidade objectiva, que se diferencia da subjectiva pela consagração de uma obrigação de indemnizar independente de culpa. Ora, tal consagração vem positivada no sistema jurídico português, no art.41º da LBA, que estabelece:

" 1 - Existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos no ambiente, em virtude de uma acção especialmente perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável.
2 - O quantitativo de indemnização a fixar por danos causados no ambiente será estabelecido em legislação complementar. "

Tal previsão tem subjacentes preocupações atinentes à supramencionada "sociedade de risco global" onde proliferam hipóteses de dano potencial, existindo uma crença por detrás desta concepção, de que quem se aproveita de uma actividade perigosa deve suportar o dano independentemente da existência de culpa.
Contudo, a análise do preceito não é neutra, passamos a analisar a questão do ponto de vista doutrinário, para concluirmos a nossa posição. Num campo que pugna pela negação da existência de tal princípio geral, encontramos entre outros a Prof. Carla Amado Gomes, que considera não se retirar inquívocamente desta disposição um princípio geral de responsabilidade objectiva por danos causados ao meio ambiente. A posição sustentada pela A., funda-se no pressuposto de que aceitar a existência de tal princípio geral plasmado no art.41º da LBA seria "(...) condená-lo à partida, em virtude da amplitude dos termos utilizados" ancorando o seu juízo na ausência de remissão para uma listagem de actividades potencialmente perigosas, o que se consubstancia uma amplitude inaceitável do instituto, a A. refere ainda que "(...) nem a lei alemã da responsabilidade por danos ambientais, que assenta no princípio da responsabilidade objectiva, circunscreve as situações possíveis a uma lista de actividades industriais que consta de um anexo com descrições bastante minuciosas", apontando ainda uma série de óbices que considera ser necessário ver esclarecidos via legislação complementar, sob pena de inexiquibilidade, nomeadamente: "(...) os critérios de fixação do quantitativo da indemnizatório, a eventual previsão de presunções de causalidade, a forma de repartição da responsabilidade em caso de consurso de presunções, a possibilidade de iludir essas presunções",  tal óbice de inexiquibilidade é também apontado por outros autores  que se movem no campo da negação da existência de tal princípio geral, sustentando a necessidade de outros complementos na própria letra do preceito e, fazendo alusão ao seu nº2.
Não obstante ser inegável a utilidade de um catálogo de actividades susceptíveis de causar dano ambiental, por uma questão de virtude inerente à densificação, que na opinião da referida autora assume o papel de verdadeira condição de exequibilidade, tal catálogo de actividades poderia surgir pela mão do legislador, assumindo a forme de "uma conexão com as actividades sujeitas a avaliação de impacto ambiental (...) ". Contudo, tal não será obstáculo insuperável para obstar à vigência de um princípio geral de responsabilidade ambiental, tanto mais que como indica o Prof. Pereira da Silva a remissão a que alude o nº2 do citado art.41º da LBA, poderá ter uma leitura diferente da mera necessidade de outras concretizações sob a forma de listagem, podendo ser essa concretização efectivada via remissão do mencionado nº2 para art.510º CCiv, associando deste modo o quantum indemnizatório à limitação da responsabilidade objectiva em situações de dano gerado por instalações de gás ou de electricidade, sendo assim de admitir que o dano ambiental é eminentemente pessoal, e tal é vísivel quando se afirma a dupla natureza do direito do ambiente, como direito subjectivo e como estrutura objectiva da colectividade.
Assume-se portanto em jeito de conclusão, que a densificação embora desejável não é um óbice estanque à admissibilidade do princípio enunciado, sendo que "sancionar" o enunciado do art.41º da LBA com a inexequibilidade, faltando a legislação complementar, seria aparentemente levar longe demais o caminho traçado para a fazer face a uma eventual necessidade de densificação via legislação complementar, a que acresce o facto de tal norma ter na sua concepção precisamente a virtude de acautelar as situações para as quais se dificulta a imputação do dano, pelos motivos já supramencionados. Tal entendimento, não obstante dotado de uma previsibilidade sempre desejável, culmina no entanto por atentar contra a mesma, uma vez que aceitar que uma situação que seria à partida subsumível à  norma do art. 41º LBA, não o é, por falta de legislação complementar, e tal culmina por um lado, numa abstracção à unidade sistemática que possibilita no caso, a resolução da questão com recurso ao mencionado art. 510º em conjugação com o citado art. 509º CCiv. e, por outro lado na aceitação de espaços em branco, cujo preenchimento seria sempre possível e preferível à opção por uma eventual inexequibilidade.

1 comentário:

  1. Mesmo para aqueles que vejam o dano ambiental como um dano pessoal (direito subjectivo ao ambiente)- pois so assim se admite a adaptação do artigo 510ºCC ao caso acima descrito - como explicar outras questões sobre o artigo 41º LBA que não se prendam com a sua exequibilidade? por exemplo, sua articulação com o artigo 493ºCC?
    E, por outro lado, a questão da exequibilidade do arigo 41º LBA ainda será de colocar, após o surgimento do DL 147/2008 de 29 de Julho que poderá ser entendido como lei especial?

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