A
temática adquire especial pujança nos dias actuais, à medida em que surgem constatações
diárias da realidade usualmente apelidada de "sociedade de risco
global", a propósito refere o Prof. T. Antunes que "de facto, nas
sociedades modernas altamente desenvolvidas e tecnologicamente sofisticadas, o
perigo espreita a cada esquina. E é também verdade que, à medidade que o raio
de acção humana se vai alargando a domínios como, por ex., a energia nuclear ou
a engenharia genética, esses perigos vão adquirindo uma escala e uma magnitude
assustadoras. Por outras palavras, vivemos rodeados de perigos, e esses perigos
são cada vez mais intensos. E, a somar aos perigos - que podemos adivinhar,
antecipar e eventualmente prevenir -, há ainda uma série de riscos
imprevisíveis - ou, pelo menos , improváveis - que apenas podemos recear".
Pelo exposto facilmente se intui a importância e a utilidade que derivaria da
admissão de um princípio geral de responsabilidade objectiva no domínio do
Direito Ambiental.
De
facto, importa analisar a questão faseadamente, apelando à metodologia
adoptada, principia-se por uma abordagem inicial à esfera da responsabilidade
subjectiva, seguidamente analisando a consagração atinente à responsabilidade
objectiva e, concluindo-se pela admissibilidade ou não da construção de um
princípio geral de responsabilidade objectiva no direito português.
No que concerne ao ponto primeiro da nossa análise metodológica é,
sob o signo da suficiência, à semelhança do defendido pelo Prof. Menezes
Cordeiro, que se circunscreve o raio de acção do o instituto da
responsabilidade subjectiva , sendo aceitável a afirmação de que este é de
grosso modo insuficiente para conferir resultados completos quanto ao dano.
Senão vejamos, relativamente à responsabilidade subjectiva é pressuposto a
existência de culpa do autor da lesão verificada, culpa essa que na esfera dos
danos causados ao ambiente se torna, não raras vezes, dificilmente
determinável, em grande parte devido à dificuldade de imputação da conduta lesiva
ao autor, o que sucede ususalmente devido à diluição do dano em vários planos,
à culpa acresce claro está, a prática de um facto voluntário pelo agente, a
ilicitude da conduta, o dano e o nexo de causalidade entre facto e dano. De
facto, é possível delimitar casos para os quais o domínio da responsabilização
subjectiva não seria o instrumento mais adequado, identificando-se para o
efeito dois tipos de danos, considera-se que na esfera das lesões severas
inflingidas ao sistema ecológico sem que seja possível identificar uma violação
dos direitos individuais, os apelidados danos sem lesado individual, não seria
adequado o recurso ao instituto da responsabilidade subjectiva, o mesmo destino
teriam os danos sem causador determinado, que poderiam ser produzidos por
fontes longínquas e não identificáveis para efeitos de imputação do dano.
Decorre que da análise de ambas as situações, facilmente se adivinha a
dificuldade da imputação de uma eventual conduta culposa necessária à
efectivação da responsabilidade subjectiva.
Ainda no plano da imputação do dano, ou melhor, da sua não rara
dificuldade importa mencionar o fenómeno da concausalidade, tal é usualmente
factor impeditivo da concretização da responsabilidade, uma vez que existem
inúmeras causas susceptiveis de gerar dano ambiental, derivadas da própria
Natureza e da diversidade de sistemas biológicos, químicos e fisiológicos
capazes de o produzir potencialmente. A tal quadro acresce, uma usual
dificuldade na verificação imediata do dano, que pode estar temporalmente muito
distante da sua fonte de origem, do exposto resulta a complexidade da
verificação do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano
produzido, dificuldade essa muitas vezes empolada pela índole complexa, difusa
e indirecta de muitos danos, que consubstanciam a necessidade de optar por uma
teoria de assente na causalidade.
Assente a questão no que concerne aos
meandros percorridos pela (in)suficiência
do espectro abarcado pela responsabilidade subjectiva, analisemos agora a
questão do ponto de vista da responsabilidade objectiva, que se diferencia da
subjectiva pela consagração de uma obrigação de indemnizar independente de
culpa. Ora, tal consagração vem positivada no sistema jurídico português, no
art.41º da LBA, que estabelece:
"
1 - Existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, sempre que o
agente tenha causado danos significativos no ambiente, em virtude de uma acção
especialmente perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável.
2
- O quantitativo de indemnização a fixar por danos causados no ambiente será
estabelecido em legislação complementar. "
Tal previsão tem subjacentes preocupações atinentes à
supramencionada "sociedade de risco global" onde proliferam hipóteses
de dano potencial, existindo uma crença por detrás desta concepção, de que quem
se aproveita de uma actividade perigosa deve suportar o dano independentemente
da existência de culpa.
Contudo, a análise do preceito não é neutra, passamos a analisar a
questão do ponto de vista doutrinário, para concluirmos a nossa posição. Num
campo que pugna pela negação da existência de tal princípio geral, encontramos
entre outros a Prof. Carla Amado Gomes, que considera não se retirar
inquívocamente desta disposição um princípio geral de responsabilidade
objectiva por danos causados ao meio ambiente. A posição sustentada pela A.,
funda-se no pressuposto de que aceitar a existência de tal princípio geral
plasmado no art.41º da LBA seria "(...) condená-lo à partida, em virtude
da amplitude dos termos utilizados" ancorando o seu juízo na ausência de
remissão para uma listagem de actividades potencialmente perigosas, o que se
consubstancia uma amplitude inaceitável do instituto, a A. refere ainda que
"(...) nem a lei alemã da responsabilidade por danos ambientais, que
assenta no princípio da responsabilidade objectiva, circunscreve as situações
possíveis a uma lista de actividades industriais que consta de um anexo com
descrições bastante minuciosas", apontando ainda uma série de óbices que considera
ser necessário ver esclarecidos via legislação complementar, sob pena de
inexiquibilidade, nomeadamente: "(...) os critérios de fixação do
quantitativo da indemnizatório, a eventual previsão de presunções de
causalidade, a forma de repartição da responsabilidade em caso de consurso de
presunções, a possibilidade de iludir essas presunções", tal óbice de inexiquibilidade é também
apontado por outros autores que
se movem no campo da negação da existência de tal princípio geral, sustentando
a necessidade de outros complementos na própria letra do preceito e, fazendo
alusão ao seu nº2.
Não obstante ser inegável a utilidade de um catálogo de
actividades susceptíveis de causar dano ambiental, por uma questão de virtude
inerente à densificação, que na opinião da referida autora assume o papel de
verdadeira condição de exequibilidade, tal catálogo de actividades poderia
surgir pela mão do legislador, assumindo a forme de "uma conexão com as
actividades sujeitas a avaliação de impacto ambiental (...) ". Contudo, tal
não será obstáculo insuperável para obstar à vigência de um princípio geral de
responsabilidade ambiental, tanto mais que como indica o Prof. Pereira da Silva
a remissão a que alude o nº2 do citado art.41º da LBA, poderá ter uma leitura
diferente da mera necessidade de outras concretizações sob a forma de listagem,
podendo ser essa concretização efectivada via remissão do mencionado nº2 para
art.510º CCiv, associando deste modo o quantum indemnizatório à limitação da
responsabilidade objectiva em situações de dano gerado por instalações de gás
ou de electricidade, sendo assim de admitir que o dano ambiental é
eminentemente pessoal, e tal é vísivel quando se afirma a dupla natureza do
direito do ambiente, como direito subjectivo e como estrutura objectiva da
colectividade.
Assume-se portanto em jeito de conclusão, que a densificação
embora desejável não é um óbice estanque à admissibilidade do princípio
enunciado, sendo que "sancionar" o enunciado do art.41º da LBA com a
inexequibilidade, faltando a legislação complementar, seria aparentemente levar
longe demais o caminho traçado para a fazer face a uma eventual necessidade de
densificação via legislação complementar, a que acresce o facto de tal norma
ter na sua concepção precisamente a virtude de acautelar as situações para as
quais se dificulta a imputação do dano, pelos motivos já supramencionados. Tal
entendimento, não obstante dotado de uma previsibilidade sempre desejável,
culmina no entanto por atentar contra a mesma, uma vez que aceitar que uma situação
que seria à partida subsumível à norma
do art. 41º LBA, não o é, por falta de legislação complementar, e tal culmina
por um lado, numa abstracção à unidade sistemática que possibilita no caso, a
resolução da questão com recurso ao mencionado art. 510º em conjugação com o
citado art. 509º CCiv. e, por outro lado na aceitação de espaços em branco,
cujo preenchimento seria sempre possível e preferível à opção por uma eventual
inexequibilidade.
Mesmo para aqueles que vejam o dano ambiental como um dano pessoal (direito subjectivo ao ambiente)- pois so assim se admite a adaptação do artigo 510ºCC ao caso acima descrito - como explicar outras questões sobre o artigo 41º LBA que não se prendam com a sua exequibilidade? por exemplo, sua articulação com o artigo 493ºCC?
ResponderEliminarE, por outro lado, a questão da exequibilidade do arigo 41º LBA ainda será de colocar, após o surgimento do DL 147/2008 de 29 de Julho que poderá ser entendido como lei especial?