quinta-feira, 26 de abril de 2012

Acessoriedade administrativa no direito penal do ambiente


A ordem jurídica prevê dois mecanismos de reacção às agressões ao ambiente: o direito penal associado às penas de prisão e multa e o direito de mera ordenação social através das coimas e sanções acessórias. Relativamente ao direito civil, este apenas está direccionado para a indemnização dos danos.
A doutrina tem discutido qual será o melhor mecanismo a utilizar para esta questão, se criminalizar as condutas, ou ao invés apenas tratá-las como contra-ordenações.
A defesa do ambiente integra os valores essenciais comuns da sociedade tendo o estatuto de direito fundamental e princípio geral. A defesa do ambiente é uma tarefa fundamental do Estado art. 9/d, e CRP, que consubstancia as necessidades da realização da dignidade da pessoa humana.
Esta necessidade de preservar o bem ambiente fez surgir mecanismos de tutela do mesmo, nomeadamente através da criminalização de certas condutas. A grande questão que se tem debatido, prende-se com a aferição do mecanismo mais eficaz para a defesa deste direito fundamental, se a via contra-ordenacional se a criminalização.
O direito penal enquanto direito subsidiário deve constituir a última ratio da intervenção estadual na tutela dos valores e interesses fundamentais. Este ramo do direito pressupõe a natureza individual e pessoal da responsabilidade, o que impede a responsabilização das pessoas colectivas art. 11.ºCP.
A maioria dos danos e perigos para o ambiente decorrem da actividade de empresas. A única solução seria invocar o art.12.º, efectivando a responsabilidade dos gerentes e outros responsáveis o que se torna difícil dada a dificuldade em apurar a responsabilidade individual no seio das organizações.
Esta dificuldade fez surgir o direito penal secundário do ambiente DL 28/84 ficando no código penal apenas os crimes que implicassem perigo de lesão para bens individuais. O direito de mera ordenação social, enquanto direito administrativo é mais flexível, menos limitado pelo princípio da tipicidade, mais célere na sua aplicação e está mais perto dos potenciais infractores, sendo que além disso, prevê a responsabilidade das pessoas colectivas.
A lei-quadro das contra ordenações de 2006 veio aumentar o valor das coimas que podiam atingir os 2,5 milhões de euros. Metade das receitas das contra-ordenações deveriam ser reconduzidas para um Fundo de Intervenção Ambiental, destinadas a reparar danos resultantes das actividades lesivas do ambiente.
Criou-se assim um direito do ambiente autónomo de natureza administrativa. Desde 1995 que a nossa legislação penal consagra dois crimes puramente ecológicos art. 278.º e 279.º CP.
Relativamente à via penal, a doutrina tem apontado alguns argumentos em seu favor, enquanto outros apontam alguns em seu desfavor. Como vantagens da adopção deste mecanismo, temos as seguintes:

1)      A existência de crimes ambientais confere uma maior dignidade jurídica à defesa do ambiente;
2)      Permite que para além de sanções pecuniárias sejam também aplicadas penas privativas da liberdade;
3)      O processo penal confere mais garantias de defesa aos cidadãos, nomeadamente a presunção de inocência (art. 27.º a 32.º CRP) em compensação das sanções mais severas.

 Por seu turno, apresentam-se os seguintes inconvenientes:

1)      Direito do ambiente assenta essencialmente num princípio de prevenção, ao contrário do direito penal (no entender de alguns autores) que tem finalidades essencialmente repressivas, pelo que o direito penal não seria o mecanismo mais indicado para a tutela do ambiente;
2)      No direito penal, a responsabilidade pelo crime é imputada individualmente, não podendo a imputação ser sobre uma pessoa colectiva. Relativamente ao direito do ambiente existem enumeras situações danosas provocadas pela actuação de pessoas colectivas;
3)      A maior parte dos crimes ambientais resultam da violação das determinações das autoridades administrativas, pelo que criminalizando estas desobediências estaríamos a colocar o direito penal numa posição acessória face à actuação administrativa, dado que o direito penal não teria uma intervenção autónoma. Deste modo, poderíamos assistir a uma descaracterização do direito penal, visto que perderia a sua intervenção autónoma;
4)      A criminalização poderia ter o efeito contraproducente de deixar impunes os agressores do ambiente, devido à dificuldade em condenar os criminosos.

Relativamente à via administrativa, verificam-se também algumas vantagens e inconvenientes. Como vantagens, podem apontar-se as seguintes:

1)      A utilização da via administrativa confere uma maior agilidade no processo de punição, do agressor do ambiente, dada a simplicidade do procedimento;
2)      Ao invés do direito penal, a via administrativa permite a responsabilização das pessoas colectivas;
3)      Não se instrumentalizaria o direito penal em favor da administração.

Cabe-nos agora apontar os inconvenientes da adopção da via administrativa como forma de sancionar os comportamentos lesivos ao ambiente:

1)      Implica uma diminuição das garantias de defesa dos particulares, apesar de estar salvaguardado o acesso ao recurso;
2)      A não criminalização das condutas agressoras do ambiente pode ter um efeito de desvalorização das actuações;
3)      O simples pagamento de uma quantia pecuniária pode não ser suficientemente dissuasora, tendo em conta que o benefício económico obtido com a conduta pode ser muito superior ao valor a pagar pela coima.

O professor Vasco Pereira da Silva [1]defende que a via mais indicada será um meio termo entre as duas, isto é, devem criminalizar-se as condutas mais graves, não deixando de ser o meio mais adequado e privilegiado pelo ordenamento jurídico de reacção aos delitos ambientais.

O direito penal do ambiente encontra-se na dependência do direito administrativo. No fundo trata-se de uma acessoriedade do acto administrativo tendo em conta que a punibilidade do agente fica na dependência da inobservância das prescrições e limitações impostas pelos actos administrativos das autoridades competentes, ao invés de depender da inobservância directa de normas de direito administrativo[2].
O nosso ordenamento jurídico consagra crimes ambientais previstos nos artigos 272.º a 282.º CP, tal como várias sanções administrativas, havendo um número mais elevado destas últimas dispersas por vários diplomas, nomeadamente DL 173/2008 nos seus artigos 32.º, 33.º e 34.º e na lei de bases do ambiente, artigos 46.º e 47.
Deste modo, conclui-se que a forma de penalização pelas condutas violadoras do ambiente não segue forma única, isto é, as condutas ora são objecto de tutela penal ora de tutela contra-ordenacional. A nosso ver, este regime misto é o que melhor protege o direito fundamental ao ambiente e ao mesmo tempo respeita o princípio da subsidiariedade do direito penal face aos demais ramos do direito. A não adopção por um ou outro dos modelos de tutela apresentados garante uma harmonia no sistema e uma melhor tutela do ambiente.


[1] Silva, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito, Almedina 2002.
[2] Assim entende o professor Paulo Sousa Mendes. 

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