quarta-feira, 25 de abril de 2012

A preservação do Alto Douro Vinhateiro

A Convenção para a protecção do Património Mundial, Cultural e Natural, iniciativa adoptada pela UNESCO em 1972, é um notável esforço para assegurar a preservação do património cultural e natural, vítima da evolução social e económica numa perspectiva global, que reflecte a consciência do impacto que a degradação/desaparecimento de um bem do Património Mundial acarreta para toda uma civilização.
Ratificada por 186 países em todos os continentes, em Dezembro de 2001 foi a vez da UNESCO elevar o Alto Douro Vinhateiro (ADV) a Património da Humanidade, sendo considerado paisagem cultural evolutiva viva.
 À classificação como património cultural subjaz o critério ‘valor excepcional’. De cariz indeterminado, a UNESCO procedeu à definição do conceito nas Operational Guidelines for the Implementation of the World Heritage Convention. Os locais classificados deverão corresponder a um dos dez critérios estabelecidos em especial ligação com três aspectos: unicidade, autenticidade histórica e integridade.
Como consequências positivas desta atribuição destacam-se a sua protecção específica e a atenção prestada pelo público em geral, decisores públicos, eventuais mecenas e empresas privadas.
Todavia os impactos negativos estão presentes:
     No processo de selecção dos locais que se baseia mais em pareceres de peritos em história e arte e menos em estudos económicos, essenciais e de papel importantíssimo uma vez que a determinação do valor do bem e seus custos de preservação implicam a afectação de recursos financeiros, com o surgimento de externalidades negativas e free-riding próprios dos bens públicos;
     No aumento de locais classificados pela UNESCO como Património Mundial, sinal de valorização cultural e ambiental mas numa lógica de utilidade marginal, diminuição do ‘valor’ atribuído aos bens com risco de vulgarização;
    Em feitos colaterais de menor atenção por parte dos agentes políticos e económicos aos bens culturais e naturais não classificados;
    Na degradação provocada pelo aumento de popularidade e consequentemente de turistas.
No caso do Alto Douro Vinhateiro, deparamo-nos com a coexistência entre elementos naturais, patrimoniais e históricos e a competitividade associada a um mercado desenvolvido e globalizado, em que a vitivinicultura é o principal suporte económico da região. Fazendo parte da Região Demarcada do Douro (RDD), a mais antiga região vitícola demarcada e regulamentada do mundo em que as primeiras demarcações ocorreram entre 1757 e 1761, o ADV representa a área de maior qualidade e beleza natural da região, apresentando um bom estado de conservação.
No ADV estão presentes três traços fundamentais: obra humana, paisagem cultural evolutiva viva e elementos culturais na paisagem.
Obra humana pois o Alto Douro Vinhateiro surge como paisagem moldada por actividades do Homem. Além da vinha, que representa 38% do uso do solo, destaca-se aindo o olival (13,3%). No seu total, as culturas selecionadas pelo Homem representam hoje mais de 55% do solo. A forma de ocupação do solo demonstra o mosaico como a sua característica principal.
Paisagem cultural evolutiva viva pois nesta são visíveis diversas técnicas de produção da vinha, desde as vinhas em terraços pré-filoxera, os terraços pós-filoxera e as formas mais modernas a partir da década de 70, isto é, vinhas em patamares, vinhas ao alto e vinhas plantadas sem armação de terreno. No início da última década, predominavam no ADV a vinha em terraços pós-filoxera (50%), seguidos da vinha em patamares (35%). As formas mais modernas ocupam 12% do solo e a vinha em terraços pré-filoxera apenas 2%.
Relativamente aos elementos culturais na paisagem, são de destacar os muros em xisto, autênticos suportes para amparar os terraços ou socalcos produzidos para plantar vinha nas encostas. Além destes são ainda marcantes como característicos da região os aglomerados populacionais, a acessibilidade que reflecte o modo de viver da população e os elementos religiosos.
Após a consagração da UNESCO, o ADV passou a ser regulado por planos e organismos específicos de uso do território: o Plano Intermunicipal de Ordenamento do Território do Alto Douro Vinhateiro (Resolução do Conselho de Ministros nº 150/2003), a Estrutura de Missão para a RDD (Resolução do Conselho de Ministros nº 116/2006) e a Liga dos Amigos do Douro Património da Humanidade (iniciativa da sociedade civil datada de Dezembro de 2002).
A maioria das explorações agrícolas pertencem, na sua grande parte, a um elevado número de pequenos vinicultores. As quintas, de maior dimensão, pertencem a famílias residentes na zona ou a grupos empresariais dedicados ao comércio do Vinho do Porto. Outros elementos do património cultural como as capelas e os miradouros são geridos pela igreja ou pela Junta de freguesia. A gestão do território é da responsabilidade dos municípios. Apesar da maioria dos direitos de propriedade pertencerem a pessoas singulares e colectivas de Direito Privado, a paisagem cultura do Alto Douro Vinhateiro é um bem de apropriação colectiva. Desta modo existe alguma ambiguidade no que toca a quem são afinal os que beneficiam dela, os que suportam os custos e os quem tomam as decisões. No ADV distinguem-se três grupos de beneficiários: residentes, turistas e não visitantes (que retiram benefícios públicos da preservação do ADV, designadamente de não uso). Os que suportam os custos de preservação são por sua vez os proprietários. Quanto à tomada de decisões esta cabe aos Municípios e por exemplo á Estrutura de Missão.
Assim, é evidente o papel do turismo no desenvolvimento e manutenção desta região, tendo as decisões políticas de saberem dar uma resposta à crescente procura. Um programa de preservação do ADV de acordo com as preferências dos seus visitantes/turistas e opiniões dos peritos permitiria além de um desenvolvimento sustentável da região, um encontro entre a oferta e a procura na região com todas as suas potencialidades.
Após um estudo realizado que envolveu pré-testes, discussões públicas e encontros com peritos, chegou-se à conclusão que os elementos a integrar um programa de preservação do Alto Douro Vinhateiro seriam: vinha em socalcos amparados com muros de xisto; mosaico paisagístico; aglomerados; preço. Para todos os atributos (excepto o preço) chegou-se à conclusão que ou o atributo é salvaguardado ou acabará por desaparecer.
Urge assim fazer nascer um programa de gestão e preservação de forma a colmatar falhas e permitir a interacção entre a história e património do Alto Douro Vinhateiro e o desenvolvimento sustentável numa óptica intergeracional de uma zona que é o berço de um dos maiores nichos de mercado da exportação em Portugal.

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