Deferimento tácito da licença ambiental
O novo regime da licença ambiental consagrado no
Decreto-Lei nº173/2008, de 26 de Agosto (diploma PCIP) estabeleceu várias
alterações face ao regime antecedente, Decreto-Lei nº194/2000, de 21 de Agosto.
Uma dessas alterações foi a introdução do art.º17º. Consagra-se, como regra, o deferimento tácito em
caso de silêncio da Administração após decorrido o prazo para a decisão.
Contudo, esta opção do legislador é passível de
inúmeras críticas.
Em Primeiro lugar esta consagração é contrário ao espírito da licença
ambiental, na medida em que se a sua finalidade é assegurar a intervenção
obrigatória e vinculativa de uma autoridade administrativa antes da permissão
de exploração de determinada actividade, com o deferimento tácito permite-se
que a decisão possa ser tomada sem que a entidade competente tenha
possibilidade de se pronunciar, tal situação equivale a privar o regime da sua
capacidade de prevenir e controlar de forma integrada as actividades poluentes.
Por outro lado, a constitucionalidade da referida opção é duvidosa, uma
vez que há uma clara violação do princípio constitucional da prevenção,
previsto no art.66.º n.º2, al. a) CRP, pois através desta consagração de
deferimento tácito falta a ponderação efectiva das consequências de uma
instalação para os níveis de poluição, essencial no princípio de prevenção.
Ora sendo a prevenção um dos pilares essenciais na protecção do
ambiente, uma vez que impõe á Administração na sua actuação um juizo prévio de antecipação de danos ambientais, não parece que o
deferimento tácito seja compatível com esse juízo de prognose.
No que concerne à Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87 de 7 de
Abril), esta opção legislativa entra em conflito com o art.27.º nº1 al. h), que
consagra o licenciamento prévio de todas as actividades potencial ou efectivamente
poluidoras, e com o art.33º n.º 1, que determina a sujeição a prévio
licenciamento da construção, ampliação, instalação e do funcionamento de
estabelecimentos e o exercício das actividades efectivamente poluidoras.
Esta solução atenta ainda contra os arts. 4.º, 8.º e
9.º da Directiva 2008/1/CE, que impõem a obrigatoriedade de adopção pelos EM
das medidas necessárias para que nenhuma instalação seja explorada sem uma
licença conformem à directiva, definindo-se aí o conceito de licença como um
«acto que inclua as condições específicas que garantam que a instalação
satisfaz os requisitos» da directiva.
A licença enquanto condição de início da exploração da instalação, é
como o próprio nome indica um instrumento de prevenção, que concretiza um
princípio de proibição sob reserva de permissão. Ao particular é negada a
possibilidade de emitir poluição proveniente da exploração de determinadas
actividades industriais para o ar, água e solo, sem se munir previamente de um
acto administrativo conformador dos limites desse desgaste. Logo, a licença não
é apenas um levantamento de obstáculo procedimental, mas integra, mesmo as
condições essenciais em que a actividade do operador deverá desenrolar-se. Há
uma clara necessidade de decisão expressa, de modo a fixar os parâmetros que
têm de ser respeitados para qua a exploração da actividade tenha lugar. Com o
deferimento tácito a administração nada diz, não há uma pré-avaliação dos danos
ambientais, nem o estabelecimento dos limites e condições em que a actividade
se pode desenrolar. Caso para dizer, Quem cala consente?
De acordo com a natureza do deferimento tácito o
que existe é uma ficção jurídica, a da atribuição ao silêncio da Administração
de um efeito pré-determiniado. Porém, ao exigir-se a presença de elementos
adicionais entra-se em contradição com a própria natureza do deferimento
tácito. Na situação de deferimento tácito não é apenas necessário o decurso do
prazo como também não se pode dar por verificada nenhuma das causas de
indeferimento previstas nas als. a) a e) do n.º6 do art.16.º, tal como prevê o art. 17.º/1 do DL 173/2008 que «decorrido o prazo
para a decisão do pedido de licença ambiental sem que esta tenha sido proferida
pela APA e não se verificando nenhuma das causas de indeferimento previstas nas
alíneas a) a e) do n.º 6 do artigo [16.º] considera-se tacitamente deferida a
pretensão do particular», dispondo o n.º 2 que a APA deve emitir e remeter ao
operador a certidão que comprove o decurso do prazo para emissão da licença
ambiental.
O deferimento tácito é então condicional, que
depende do preenchimento de requisitos substantivos que ninguém vai apreciar?
Esta questão pode revelar-se problemática, desde logo
porque a verificação do preenchimento das als. d) e e) exige uma interpretação
de normas jurídicas e, no último caso, mesmo a formulação de um juízo
integrável na margem de livre decisão da Administração, que sempre lhe
permitirá atacar a posição do particular.
A Professora Carla Amado Gomes sustenta nesta situação
a existência de um acto de «indeferimento implícito», o que pode ter consequências
bastante perniciosas para o particular.
Quando a Administração alegue não se ter produzido o
deferimento tácito em virtude do preenchimento de uma das alíneas a) a e) do
art. 16.º/6, poderá o particular propor uma acção de condenação à prática de
acto devido? É que, para o fazer, terá de demonstrar em juízo que o acto tácito
não se produziu, demonstrando, contra si mesmo, a verificação de uma causa de
indeferimento…
Pelo que foi exposto, parece que o legislador não foi
feliz na consagração deste regime. Então Porque esta opção legislativa?
A lógica que preside à existência de um requisito que
consiste na obtenção de uma licença ambiental será a de vedar o início de uma
actividade sem que exista um documento que titule esse desenvolvimento
regulando os efeitos que essa actividade possa ter no ambiente. Será isso que
justifica que a licença ambiental seja condição necessária de exploração (art.
2.º, i) RLA). Mas poderia ficar o particular esperando ad eternum o proferimento de uma decisão?
Em bom rigor, o particular nunca teria de ficar
eternamente a espera do proferimento de uma decisão, desde logo, porque
poderia, decorrido o prazo para a decisão, propor uma acção de condenação à
prática do acto administrativo legalmente devido, nos termos dos arts. 66.º e
seguintes do CPTA.
Pelo exposto parece de concluir que a opção
legislativa não era assim tão necessária. O caminho seguido pelo legislador não foi, de facto, o mais
correcto ou aconselhável em termos práticos, pois introduziu no regime uma
série de complicações que podem dificultar, tanto a tutela do ambiente, como o
desenvolvimento da actividade económica.
Sem comentários:
Enviar um comentário