Contudo,
a transposição feita pelo legislador nacional, não é isenta de discussões
doutrinárias. E isto porquê? Poder-se-ia pensar, de forma abstracta, aquando a
transposição, o legislador nacional teria cumprido a sua obrigação, o seu
dever, e introduzido um regime tal qual como dita a Directiva, contudo, não foi
isto que se passou. Podemos dizer que o legislador nacional foi além daquilo
que fora consagrado pela referida Directiva, querendo abranger o máximo possível e permitido a nível de tutela de
danos ao ambiente, o que leva a afirmar que, a Directiva 2004/35/CE consagrou
um regime mínimo, comum a todos os Estados-Membros, deixando-lhes, verdade seja
dita, margem de manobra para irem além-Directiva e foi simplesmente isso que o
legislador nacional fez. Isto é visível desde logo pelo facto de o legislador
comunitário, ter adoptado uma lógica de responsabilidade preventiva quanto à
ocorrência de danos com a respectiva reparação caso não seja possível o evitar
dos mesmos, enquanto que o legislador nacional optou por consagrar diferentes
formas de compensar os sujeitos lesados, adoptou um modelo assente na
indemnização de danos individuais, para além do constante na Directiva, isto
claro, permitido como expressa o art. 16 da Directiva 2004/35 CE.
Atendendo
ao conteúdo do preâmbulo do RJRDA, como bem refere TIAGO ANTUNES, podemos
retirar que temos um regime de dupla vertente (dois tipos de dano, dois
mecanismos paralelos de tutela) como se enunciou supra: “Assim, estabelece
-se, por um lado, um regime de responsabilidade civil subjectiva e objectiva
nos termos do qual os operadores -poluidores ficam obrigados a indemnizar os
indivíduos lesados pelos danos sofridos por via de um componente ambiental. Por
outro, fixa -se um regime de responsabilidade administrativa destinado a
reparar os danos causados ao ambiente perante toda a colectividade, transpondo
desta forma para o ordenamento jurídico nacional a Directiva n.º 2004/35/CE […]”
(6º parágrafo). Se nós atendermos aos Capítulos II e III do referido diploma,
de facto, temos dois mecanismos diferentes, no primeiro, cabe a tutela de
lesados directos por uma outra entidade/particular, no segundo, uma lógica de
responsabilidade prevencionista e de reparação, que se impõem ao causador da
ameaça, devendo o cumprimento ser assegurado pela Administração. A aceitação
desta responsabilidade, destes mecanismos, com este conteúdo é controversa, o
que se tentará expor nas próximas linhas.
A. Que dizer
quanto aos danos ambientais abrangidos por ambos os diplomas?
Começando
pela Directiva. Se nós olharmos quer ao considerando 14, quer ao art. 3 nº3,
temos que a Directiva consagra um regime em que não atribui qualquer
compensação por danos ambientais aos particulares, ou seja, afasta-se do
conceito clássico de responsabilidade nos termos em que o lesado, deveria ser
indemnizado, compensado, por um dano sofrido na sua esfera jurídica. Ou seja,
de acordo com o conceito de direito ambiental contido no art. 2 nº1 da
Directiva (que contem os danos à biodiversidade, os danos causados à água e ao
solo), vem a integrar apenas danos ecológicos puros, i.e., em que o bem
jurídico ambiente é objecto do dano e “não
o percurso causal” do mesmo dano, como ocorre nos danos ambientes, segundo
Cunhal Sendim.
Já
no RJRDA, o conteúdo é diferente, ou varia conforme o mecanismo a que se
recorre. Enquanto que no Capítulo III do DL 147/2008, temos a tutela de danos
ecológicos, no Capítulo II temos uma lógica ressarcitória de danos subjectivos,
que incidem sobre a esfera jurídica de um particular em concreto, ou melhor, os
danos ao ambiente são o “percurso causal” do dano que se quer ressarcir. Não se
tratará, neste Capítulo II, de restituir o que era antes do dano em termos
ambientais, mas sim compensar os danos resultantes de uma perturbação ao
ambiente. Isto, quanto a esta ultima parte, resulta de forma clara dos art. 7 a
9 do DL 147/2008, e que motivam uma natureza dúplice desta responsabilidade.
Mas há mais…
B. Referiu-se em momento anterior que
quer a Directiva, quer o RJRDA, consagram mecanismos preventivos e reparadores.
Porém, cabe atentar o que se passa, concretamente, em cada instrumento.
A
responsabilidade pensada pela Directiva, baseia-se no facto “prevenção”, i.e.,
no art. 5 da referida Directiva, temos determinados deveres específicos
dirigidos a determinadas entidades, que, numa lógica preventiva, devem adoptar
medidas pensando na eventual lesão decorrente de determinada prática, ou seja,
a prevenção aqui é utilizada como um “desincentivo genérico à prática de actos
danosos” que necessitam das entidades estaduais para darem resposta aos
objectivos a que a Directiva se propõe. Também na Directiva, em especial, no
art. 2 nº11 (que remete para o Anexo II), temos uma lógica reparadora face às
lesões eventuais. Atendendo ao Anexo II, nos vários tipos de reparação aí
previstos (primária, complementar e compensatória) temos uma lógica de
reparação in natura, ou seja, uma
reparação que consiste na reposição do estado ecológico anterior ou, se tal não
for possível, por equivalente. O que se pretende com isto, apesar de em alguns
pontos do referido anexo se fazer alusão a equivalência monetárias (que são
necessárias para determinar reparações complementares ou compensatórias), o que
se objectiva é à restauração dos componentes lesados, mesmo que de forma
parcial, e não à indemnização por danos sofridos pelos particulares. Com isto,
autores como TIAGO ANTUNES entendem que estamos perante uma responsabilidade
sui generis que visa responsabilizar os operadores poluentes pelo facto de não
terem adoptado medidas de prevenção/reparação por danos ao ambiente, tendo em
conta o que fora dito.
E
o que consta do RJRDA? Mais uma vez, o Capítulo III segue a lógica da
Directiva, porém, o mesmo não se passa com o Capitulo II, pelo facto de o art.
10 nº1 do RJRDA consagrar “direitos indemnizatórios” aos lesados e o constante
do Anexo V não se aplicar ao Capitulo II, ou seja, admite-se indemnizações por
danos individuais. Isto é, e atendendo ao art. 48 da LBA, é preferível uma
reparação in natura, porém, bastando não ser o interesse do lesado ou sendo
excessivamente onerosa para o mesmo, admite-se a indemnização.
No
que toca à indemnização, cabe ver quer o considerando 29, quer o art. 16 nº2 da
Directiva. E porquê? Porque aí se prevê que, tendo ocorrido ou vindo a ocorrer
um dano ambiental, deverão os Estados-Membros evitar que exista uma dupla
cobrança pelo mesmo, cobrança essa imposta pela autoridade administrativa (de
que se falará infra) competente pelo
controlo de determinadas actividades, ou mesmo pelo particular que tenha
sofrido uma determinada lesão decorrente de determinada actividade agressora.
No que toca ao RJRDA, vem tratado no art. 10 nº1, que impede que os lesados de
determinado dano exijam indemnização pelo dano sofrido se, já que remete para o
Capitulo III, se consiga uma reparação in
natura. Isto dito assim, daria a entender que o Capitulo II fosse
subsidiário do Capitulo III e, de certa forma, iria ao encontro do entendimento
sufragado por CARLA AMADO GOMES que discorda do consagrado neste DL 147/2008,
defendendo ser de excluir qualquer indemnização a particulares, preservando e
dando maior enfâse às reparações in
natura, isto numa lógica pro ambiente. Porém, acompanhando TIAGO ANTUNES e
MENEZES LEITÃO, isto talvez não seja bem assim, pois como bem refere, os art.
12 nº2 e 13 nº2 do RJRDA, dizem-nos que a reparação de danos para efeitos do
Capitulo III não invalidará a responsabilidade que seja devida para efeitos do
Capitulo II. Ou seja, a pergunta que se deve colocar é: temos aqui danos
autónomos ou incidem sobre o mesmo? Entende o referido autor que o Capitulo II
não é subsidiário em face do Capitulo III, pois, o que é de apreciar é se os
lesados ficam ou não acautelados pela lógica do mecanismo presente no Capitulo
III, e se não for o caso, então sim, ao abrigo dos art. 7 ou 8 do RJRDA, podem
ser ressarcidos pelos danos sofridos, já que a reparação in natura não resolve totalmente a situação criada pelo dano.
E caso o
mecanismo da responsabilidade por danos subjectivos do Capitulo II vier a ser
requerida antes do disposto no Capitulo III? TIAGO ANTUNES entende que, se os
danos subjectivos forem reparados numa lógica in natura, o constante do
Capitulo III estará verificado, ainda que por esta via, contudo, se não for o
caso, a Autoridade Portuguesa do Ambiente (APA) poderá exigir medidas de
reparação dos bens afectados, não valendo aqui o constante no art. 10 nº1 do
RJRDA.
C. Pode-se dizer que, no RJRDA, temos
um Capítulo III (que segue a Directiva) que institui um regime
jurídico-publico, e um Capitulo II que institui um regime tipicamente privado.
E isto porquê? Se nós atentarmos ao Capitulo III, encontramos algumas disposições que estatuem alguns deveres e poderes à APA, como a possibilidade de aplicação do art. 26 do RJRDA, que visam que esta controle determinado tipo de actividades eventualmente lesivas do bem jurídico ambiente, e se repararmos bem, estas disposições mostram-se fundamentais, não só no que toca à efectivação da responsabilidade do agente poluidor, mas também, vem dar cumprimento à tarefa fundamental do Estado de proteger o ambiente, como demonstra o constante no art. 9 al. e) da Constituição da República Portuguesa. Já no que toca ao Capitulo II, o regime se afigura diferente, desde logo, por não intervir nenhuma entidade administrativa como a APA. Aí, tudo se move em termos obrigacionais, i.e., do art. 7 ao art. 10 do Capitulo II, relacionando o lesante e o lesado, muito próximo da figura constante no art. 483 e seguintes do CC. Contudo, podemos concluir este ponto dizendo, em ambos os casos temos regimes de responsabilidade civil, embora, regulados conforme a “fragrância” mais publicista ou mais privatista, tendo em conta os casos que ambos os Capítulos regem.
E isto porquê? Se nós atentarmos ao Capitulo III, encontramos algumas disposições que estatuem alguns deveres e poderes à APA, como a possibilidade de aplicação do art. 26 do RJRDA, que visam que esta controle determinado tipo de actividades eventualmente lesivas do bem jurídico ambiente, e se repararmos bem, estas disposições mostram-se fundamentais, não só no que toca à efectivação da responsabilidade do agente poluidor, mas também, vem dar cumprimento à tarefa fundamental do Estado de proteger o ambiente, como demonstra o constante no art. 9 al. e) da Constituição da República Portuguesa. Já no que toca ao Capitulo II, o regime se afigura diferente, desde logo, por não intervir nenhuma entidade administrativa como a APA. Aí, tudo se move em termos obrigacionais, i.e., do art. 7 ao art. 10 do Capitulo II, relacionando o lesante e o lesado, muito próximo da figura constante no art. 483 e seguintes do CC. Contudo, podemos concluir este ponto dizendo, em ambos os casos temos regimes de responsabilidade civil, embora, regulados conforme a “fragrância” mais publicista ou mais privatista, tendo em conta os casos que ambos os Capítulos regem.
D. O que dizer sobre a natureza
subjectiva ou objectiva do que já fora dito?
Quanto à imputação subjectiva, cabe ver os art. 8 no Capitulo II e art. 13 do Capitulo III. Aqui, ficarão obrigados ao ressarcimento de danos (que surjam com culpa ou negligencia) que venham ocorrer os particulares que prossigam actividades não constantes no Anexo III do RJRDA. Quanto à imputação objectiva, quer o Capitulo II, quer o Capitulo III, nos art. 7 e 12, respectivamente, do RJRDA, que remetem para o Anexo III do referido diploma, contêm esta responsabilização objectiva, i.e., independentemente de haver culpa, o facto de determinados particulares prosseguirem as actividades referidas no Anexo III, responderão pelos danos daí decorrentes. Também aqui temos uma realidade bicéfala, ou seja, tanto temos mecanismos de imputação subjectiva (que exige culpa do agente) como de imputação objectiva (dispensando o requisito da culpa do agente).
Quanto à imputação subjectiva, cabe ver os art. 8 no Capitulo II e art. 13 do Capitulo III. Aqui, ficarão obrigados ao ressarcimento de danos (que surjam com culpa ou negligencia) que venham ocorrer os particulares que prossigam actividades não constantes no Anexo III do RJRDA. Quanto à imputação objectiva, quer o Capitulo II, quer o Capitulo III, nos art. 7 e 12, respectivamente, do RJRDA, que remetem para o Anexo III do referido diploma, contêm esta responsabilização objectiva, i.e., independentemente de haver culpa, o facto de determinados particulares prosseguirem as actividades referidas no Anexo III, responderão pelos danos daí decorrentes. Também aqui temos uma realidade bicéfala, ou seja, tanto temos mecanismos de imputação subjectiva (que exige culpa do agente) como de imputação objectiva (dispensando o requisito da culpa do agente).
E. Chegados ao fim deste breve excurso, será que podemos
dizer que, fez bem o legislador ao constituir um regime de dupla vertente?
Se nós atendermos à necessidade e actualidade dos valores que compõem o Direito do Ambiente, dir-se-á que, quanto mais amplos forem as “armas de combate” a lesões a esta realidade comunitária, mais “aconchegado” estarão os vários componentes naturais. Contudo, também é de reconhecer, que essa mesma amplitude pode levar a conflitos e conjugações difíceis de resolver, isto mesmo numa lógica intra-sistemática, dentro do próprio regime (in casu) do D.L. 147/2008. Mas, apesar do que fora consagrado pelo legislador neste diploma, creio que estamos perante um regime sólido com capacidade de ir mais além, nomeadamente, no que toca a alguns bens não tutelados pelo Capitulo III do referido Decreto-Lei. E convém acentuar que, mais uma vez, o Direito da União Europeia em termos de Direito do Ambiente se afigura como uma importante fonte no que toca à defesa deste bem jurídico comunitário.
Bibliografia consultada:
Se nós atendermos à necessidade e actualidade dos valores que compõem o Direito do Ambiente, dir-se-á que, quanto mais amplos forem as “armas de combate” a lesões a esta realidade comunitária, mais “aconchegado” estarão os vários componentes naturais. Contudo, também é de reconhecer, que essa mesma amplitude pode levar a conflitos e conjugações difíceis de resolver, isto mesmo numa lógica intra-sistemática, dentro do próprio regime (in casu) do D.L. 147/2008. Mas, apesar do que fora consagrado pelo legislador neste diploma, creio que estamos perante um regime sólido com capacidade de ir mais além, nomeadamente, no que toca a alguns bens não tutelados pelo Capitulo III do referido Decreto-Lei. E convém acentuar que, mais uma vez, o Direito da União Europeia em termos de Direito do Ambiente se afigura como uma importante fonte no que toca à defesa deste bem jurídico comunitário.
Bibliografia consultada:
- ANTUNES, Tiago, "Da natureza juridica da responsabilidade ambiental" in A responsabilidade civil por dano ambiental: Actas do colóquio, coord. Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, ICJP, 2009;
- LEITÃO, Menezes, "A responsabilidade civil por danos causados ao ambiente" in A responsabilidade civil por dano ambiental: Actas do colóquio / coord. Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, ICJP, 2009;
- SILVA, Vasco Pereira da, “Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente”, Almedina, 2ª Reimpressão da Edição de 2002.
Sem comentários:
Enviar um comentário