O DL 147/2008 trata hoje da problemática da responsabilidade
ambiental.
Durante muitos anos, esta foi considerada na perspectiva dos
danos sofridos por determinada pessoa nos seus bens jurídicos de personalidade
ou bens patrimoniais como consequência da contaminação do ambiente. Com o
tempo, com a progressiva consciencialização de um Estado de direito ambiental,
foram-se auto limitando novos conceitos relacionados com os danos provocados à
natureza em si, e ao património natural.
Foram aparecendo
novos conceitos, nomeadamente, danos ecológicos (quando um bem jurídico
ecológico é perturbado, ou quando um determinado estado-dever de um componente
do ambiente é alterado negativamente), danos do ambiente (perturbação através
de componentes ambientais do direito a um ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado, art. 66º, nº1 da CRP), danos ambientais (danos de direitos
subjectivos resultantes da lesão do ambiente), danos a interesses individuais
colectivos, protegidos por interesses jurídico-ambientais, que são, por
exemplo, os danos a interesses dos agricultores ou pescadores.
O DL 147/2008, que transpôs para o ordenamento jurídico
nacional a Directiva 2004/35/CE do Parlamento e do Conselho, que aprovou com
base no principio do poluidor-pagador o regime relativo à responsabilidade
ambiental,aplicável à prevenção e reparação de danos ambientais, estabelece um
regime de responsabilidade civil objectiva e subjectiva, nos termos do qual os
operadores-poluidores ficam obrigados a indemnizar os indivíduos lesados por
danos sofridos por via de um componente ambiental. Por outro lado, é fixado um
regime de responsabilidade administrativa destinado a reparar os danos causados
ao ambiente perante toda a colectividade.
No que diz respeito à problemática do nexo de causalidade, o
art. 5º refere que a apreciação da prova do nexo de causalidade assenta num
critério de verosimilhança e de probabilidade de o facto danoso ser
apto a produzir a lesão verificada, tendo em conta as circunstâncias do caso
concreto e considerando, em especial, o grau de risco e de perigo e a
normalidade da acção lesiva, a possibilidade de prova cientifica do percurso
causal e o cumprimento, ou não, de deveres de protecção.
Para a imputação do dano deve atender-se à Teoria de Conexão
do Risco, pois outras, como a Teoria da Causalidade Adequada, ou a Teoria do Fim
da Norma, assentam na causalidade naturalística, cuja aplicação é
impossível no domínio ambiental.
A lei faz assentar a apreciação da prova num critério de
verosimilhança e probabilidade. Já anteriormente esta opção era reclamada pelo
Prof. Cunhal Sendim[1].
Mas, como distinguir os dois conceitos? Não terão o mesmo
significado?
O que é verosímil ou plausível é provável, mas com uma certa
margem de incerteza.
Se verosímil significar o mesmo que provável, a utilização
dos dois conceitos em cumulação será desnecessário, dificulta a sua
interpretação e complica desnecessariamente a redacção da lei. Já, pelo
contrário, se verosimilhança implicar um grau de convicção do juíz inferior à
probabilidade, isto é, se a lei aceitar uma imputação ao agente porque não
repugna acreditar que o facto é apto a produzir o dano, então este segmento do
art. 5º deve ser tido por inconstitucional por violar as garantias
constitucionais ao nível da imputação de danos, nomeadamente o princípio da
propriedade privada, art 62º da CRP. No entanto, o grau de probabilidade
variará consoante o caso concreto e a possibilidade de prova cientifica do percurso
causal.
Em suma, o art. 5º do DL 147/2008, reclama a probabilidade
de o facto lesivo ser apto a causar a lesão verificada. A aptidão para causar o
dano é a qualidade daquilo que comporta um risco, ou seja, a susceptibilidade
de ocorrência de um dano. O lesado tem de demonstrar a probabilidade de criação
do risco pelo agente, de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Esta
probabilidade abrange a criação ou aumento do risco mas já não abrange a
materialização do risco no resultado, o qual não é referido na norma.
Quid iuris então quanto à materialização do risco no
resultado?
Se basta ao lesado provar que é provável a criação/aumento
do risco para se afirmar o nexo causal, então é porque se presume a
materialização no resultado, apesar de a lei não o referir expressamente. Ao lesado
cabe provar que é provável a criação ou aumento do risco para a instalação.
Face a essa prova, presume-se que o risco se materializou no resultado. Do outro
lado, o agente pode contraprovar a probabilidade do risco, trazendo para o
processo elementos que permitam destruir a convicção do julgador acerca dessa
probabilidade ou pode também fazer prova negativa da materialização do risco no
resultado lesivo, podendo demonstrar que, apesar do risco ser provável, não foi
esse risco que se materializou no dano ocorrido.
O art.5º manda-nos ter em consideração alguns factores:
-circunstâncias do caso concreto
A lei deixa claro com esta referência que, o que está em
causa é a aptidão concreta para causar o dano, ou seja, o risco em concreto e
não em abstracto.
A lei não indica quais as circunstâncias do caso concreto
relevantes, no entanto, à semelhança de outros ordenamentos jurídicos, deveria
te-lo feito[2]. No caso
alemão a lei ainda deixa alguma margem de liberdade ao estabelecer
«outras condições especiais».
O juíz deverá atender a elementos internos da própria
instalação, nomeadamente, ao seu modo de funcionamento ou à situação da empresa, a
elementos externos à mesma, como as condições meteorológicas ou a natureza do dano, e a outros factores
que apontem ou não para a causação do dano, nomeadamente factores técnicos,
como o facto se saber se se tratam de instalações modernas com as melhores
técnicas disponíveis. A este propósito é relevante a possibilidade de intervenção
da autoridade competente, plasmado no art. 18º do DL 147/2008, quando haja
suspeita da ocorrência de danos ambientais ou ameaça iminente desses danos. Nos
termos do art. 14º e 15º quando haja a ameaça iminente da ocorrência desses
danos, o operador deve adoptar imediatamente as medidas de prevenção e reparação
adequadas, ou ocorrendo os mesmos, devem ser imediatamente tomadas todas as
medidas viáveis para controlar, conter, eliminar ou gerir os factores danosos,
de forma a limitar ou prevenir novos danos. A adopção destas medidas é
obrigatória.
- grau de risco e de perigo
Para além das circunstâncias do caso concreto, o art. 5º
impõe a consideração, em especial, do grau de risco e de perigo. É uma
formulação um pouco estranha, na medida em que, para provar a probabilidade do
risco, recorre-se ao grau... de risco.
-normalidade da acção lesiva
O que está aqui em causa é o problema de saber se é normal
ou não aquele tipo de instalação causar aquele tipo de dano, no sentido de ser
frequente causá-lo.
-possibilidade de prova cientifica do percurso causal
Este é um dos aspectos em que a lei portuguesa foi mais
infeliz. Se é possível a prova cientifica, exige-se, pura e simplesmente,do
lesado essa prova e a regra da probabilidade do art. 5º não intervém. Não se
compreenderia que a prova da probabilidade atendesse à possibilidade de prova
do percurso causal.
Concluindo, a possibilidade de prova cientifica não é um
factor que se deva atender quando se trata de determinar a probabilidade de a
instalação ser apta a causar o dano.
- cumprimento, ou não, de deveres de protecção
Tratam-se de deveres susceptíveis de evitar danos por terceiros em consequência do operar da
instalação e, concretamente, deveres de funcionamento impostos pelas
autoridades administrativas. Neste caso, porventura será útil no juízo sobre o
grau de probabilidade atender à observância ou não das melhores técnicas disponíveis, até por vezes exigidas em licenças administrativas, no sentido em
que será pouco provável que a instalação tenha causado o dano quando estas
técnicas tenham sido utilizadas.
Esta solução favorece e incentiva a constante actualização
tecnológica a favor do ambiente.
Em conclusão, a lei portuguesa apesar de optar pela via da
suficiência da mera justificação como medida de prova, foi mais longe e não
exigiu sequer a probabilidade de o facto
ser a causa do dano, mas apenas a probabilidade de poder ser a causa. A
administração assume o papel de garantir a tutela dos bens ambientais
afectados.
Por fim, em certas
circunstâncias, um regime de responsabilização atributivo de direitos dos
particulares constitui um mecanismo economicamente mais eficiente e
ambientalmente mais eficaz do que a tradicional abordagem.
Bibliografia:
-Silva, Vasco Pereira da, “Verde, Cor do Direito”.
-Dias, Jorge de Figueiredo, “Responsabilidade Ambiental”.
-Oliveira, Ana Perestrelo de, “ A prova do nexo de
causalidade na lei da responsabilidade ambiental”.
-Sendim, José de Sousa Cunhal, “Responsabilidade civil por
danos ecológicos”.
[1] O autor
falava em critérios de verosimilhança ou de probabilidade, atendendo às
circunstâncias do caso concreto. “Responsabilidade civil por danos
ecológicos-Da reparação do dano através de restauração natural”, 1998.
[2] É o caso
do ordenamento jurídico alemão que no parágrafo 6, I, da Umwelthaftungsgesetz
alemã refere, «se, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, uma
instalação for apta a causar o dano em causa, presume-se que o dano foi causado
por esta instalação. A aptidão para causar o dano num caso concreto
determina-se tendo em conta a situação da empresa, o seu modo de funcionamento,
a natureza e a concentração dos materiais utilizados e libertados, as condições
meteorológicas, o tempo e o lugar em que o dano ocorreu, a natureza do dano,
bem como outras condições especiais, que apontem para ou contra a causação do
dano ».
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