São
hoje bem conhecidas as consequências das emissões de gases com efeito de estufa,
ao nível do aquecimento global e das alterações climatéricas. Entre estes
gases, os mais significativos são o dióxido de carbono, o óxido nitroso e o
metano, sendo de destacar o primeiro como o que tem merecido as maiores
preocupações. O aumento das concentrações de dióxido de carbono na atmosfera
tem sido apontado como o factor primário responsável pelo buraco da camada do
ozono e, por conseguinte, pelo aquecimento global. Na verdade, as alterações
climáticas no planeta terra constituem um dos maiores desafios do século XXI,
com consideráveis efeitos negativos a nível mundial, não só a nível ambiental,
mas também a nível económico, social e geopolítico. Sumariando os principais
efeitos deste fenómeno, já visíveis, verificamos o aumento progressivo da
temperatura mundial, que deverá continuar a sua trajectória ascendente durante
este século; o degelo das calotes polares, com a consequente subida do nível
das águas; e a deslocação de grupos populacionais em massa, em determinadas
regiões do globo, em resultado de efeitos negativos das alterações climáticas.
Como tal, tem sido reconhecida a premência da tomada de medidas adequadas para
reduzir a emissão de gases com efeito de estufa, sob pena de um aumento cada
vez maior dos impactos negativos para a agricultura, recursos hídricos,
florestas, pescas, saúde pública e economia.
Foi
precisamente com o intuito de reduzir a emissão daqueles gases que foi
assinada, em 1992, a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações
Climáticas. No seu seguimento, foi adoptado o Protocolo de Quioto em 1997. No
âmbito deste Protocolo, a União Europeia obrigou-se, como um todo, a reduzir as
suas emissões de dióxido de carbono em 8% (tomando como base o ano de 1990).
Esta percentagem foi repartida por todos os Estados Membros, nos termos do
compromisso comunitário de partilha de responsabilidades, no qual Portugal
assumiu o compromisso de limitar o aumento das suas emissões de gases em 27% no
período de 2008 a 2012, relativamente aos valores do ano base. Posto
isto, Portugal tem adoptado variados instrumentos de política ambiental, tendo
em vista o cumprimento dos objectivos consagrados no Protocolo de Quioto.
Destacam-se o Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC), o Plano
Nacional de Atribuição de Licenças de Emissão (PLALE) e o Fundo Português de
Carbono.
Por
sua vez, a União Europeia tem publicado vastíssima legislação no domínio da
regulação das emissões de gases nos veículos automóveis, tendo em conta a
grande fatia ocupada pelo sector dos transportes no total das emissões de
dióxido de carbono. O sector dos transportes, em particular o transporte
rodoviário individual, é responsável por um conjunto de problemas ambientais,
sendo de destacar as emissões de dióxido de carbono para a atmosfera, as
emissões de diversos poluentes causadores directos e indirectos de problemas de
poluição do ar (com efeitos nos ecossistemas e principalmente para a saúde
humana) e ainda a elevada produção de resíduos, alguns deles perigosos.
Indo mais além, a União Europeia tem
incentivado os Estados Membros a desenvolverem esforços no sentido de
introduzirem a componente ambiental nos impostos que incidem sobre os
automóveis. Neste particular, pode dizer-se que Portugal foi pioneiro na
tributação directa das emissões de dióxido de carbono nos veículos ligeiros de
passageiros e mistos, sendo o país onde aquelas emissões assumem maior peso no
imposto a pagar e onde as taxas aplicáveis assumem uma maior progressividade,
em função do grau poluidor do automóvel.
Posto
isto, cumpre fazer um ponto da situação. Afinal, qual o relevo da tributação
automóvel? De um modo sintético, podemos dizer que se trata de uma feliz
interacção entre política fiscal e política ambiental.
Historicamente,
a política fiscal tem como principal objectivo a arrecadação de receitas,
consistindo os impostos no maior e quase exclusivo meio de financiamento do
Estado. Contudo, as diversas políticas públicas não podem ser consideradas
isoladamente, face à complexidade dos objectivos a atingir, devendo funcionar,
antes, em regime de complementaridade. Só desta forma se garante a optimização
dos resultados a atingir. A fiscalidade automóvel, baseada na tributação das
emissões de dióxido de carbono, constitui um bom exemplo desta
complementaridade entre a política fiscal e a política ambiental. Como
principais objectivos deste ramo da tributação, podemos apontar:
-
A cobrança de receitas estaduais, fim primordial dos impostos;
-
A internalização dos custos externos provocados pelo automóvel à sociedade;
-
A influência sobre os preços dos automóveis, com reflexos nas escolhas dos
consumidores.
A
este propósito, é de salientar a aplicação do princípio do Poluidor-Pagador,
que encontramos artigo 66º nº2 h) da Constituição, nos termos do qual para assegurar o direito ao ambiente, no
quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado (…) assegurar que a
política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e
qualidade de vida. De um modo geral, pode dizer-se que a máxima do
Poluidor-Pagador assume três funções primordiais: a de internalização/redistribuição,
a de reparação e a de prevenção dos custos ambientais. Ora, numa concepção
tradicional, este princípio consiste na repercussão dos custos originados por
um determinado comportamento, lesivo do ambiente, no agente que o praticou
(internalização das externalidades negativas). Assim, há uma ideia de
compensação da comunidade pela utilização, em proveito próprio, de um bem ambiental.
Mas não só. Há também uma ideia de correcção e eliminação das fontes
potencialmente lesivas para o ambiente, através da dissuasão de certos comportamentos
e incentivo de outros.
Posto
isto, e retomando o artigo 66º nº2 h) da Constituição, podemos afirmar que o
princípio ora em análise pressupõe uma actuação do Estado, nomeadamente através
de políticas públicas. E aqui assume a maior importância a política fiscal
adoptada em cada momento, por um lado como forma de penalizar e dissuadir
certas condutas lesivas para o ambiente (através dos impostos e taxas), por
outro como instrumento de incentivo de boas práticas ambientais (através dos
benefícios fiscais, por exemplo).
Em
Portugal, a tributação automóvel é actualmente integrada por dois impostos,
designadamente o Imposto sobre Veículos (ISV) e o Imposto Único de Circulação
(IUC), ambos introduzidos pela Lei nº 22-A/2007 de 29 de Junho, que, como
consta do seu preâmbulo, procedeu à
reforma global da tributação automóvel, aprovando o Código do Imposto sobre
Veículos e o Código do Imposto Único de Circulação e abolindo, em simultâneo, o
imposto automóvel, o imposto municipal sobre veículos, o imposto de circulação
e o imposto de camionagem.
Nos
termos do artigo 3º nº1 do CISV, são sujeitos passivos do ISV os operadores
registados, os operadores reconhecidos e os particulares, tal como definidos
pelo presente código, que procedam à introdução no consumo dos veículos
tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida
a declaração aduaneira de veículos ou a declaração complementar de veículos,
sendo ainda sujeitos passivos do imposto, de acordo com o nº2, as pessoas que,
de modo irregular, introduzam no consumo os veículos tributáveis. O facto
gerador deste imposto é, nos termos do artigo 5º nº1 do CISV, o fabrico, a montagem,
a admissão ou a importação dos veículos tributáveis em território nacional, que
estejam obrigados à matrícula em Portugal. Posto isto, trata-se de um imposto
de obrigação única, exigível, nos termos do artigo 6º nº1 do CISV, aquando da
introdução de veículo no consumo. Os veículos que integram a incidência
objectiva deste imposto são, nos termos do artigo 2º nº1 do CISV, os automóveis
ligeiros de passageiros, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto
até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor,
que se destinem ao transporte de pessoas; os automóveis ligeiros de utilização
mista, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3500 kg e com
lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, que se destinem
ao transporte, alternado ou simultâneo, de pessoas e carga; os automóveis
ligeiros de mercadorias, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto
até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, que se destinem ao
transporte de carga, de caixa aberta, fechada ou sem caixa; os automóveis de
passageiros com mais de 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo
o do condutor; as auto-caravanas, considerando-se como tais os automóveis
construídos de modo a incluir um espaço residencial que contenha, pelo menos,
bancos e mesa, espaço para dormir, que possa ser convertido a partir dos
bancos, equipamento de cozinha e instalações para acondicionamento de víveres; e
os motociclos, triciclos e quadriciclos, tal como estes veículos são definidos
pelo Código da Estrada. Por sua vez, excluem-se da incidência objectiva do
imposto, nos termos do nº2 do preceito, os veículos não motorizados, bem como
os veículos exclusivamente eléctricos ou movidos a energias renováveis não
combustíveis; as ambulâncias, considerando-se como tais os automóveis
destinados ao transporte de pessoas doentes ou feridas dotados de equipamentos
especiais para tal fim; e os automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa
aberta ou sem caixa, com peso bruto de 3500 kg, sem tracção às quatro rodas. Feita
a apresentação sumária deste tributo, cumpre salientar as preocupações
ambientais que lhe estão subjacentes, expressas desde logo no artigo 1º do
CISV, que consagra o Princípio da Equivalência. Dita este princípio que deve o
imposto onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos
domínios do ambiente, infra-estruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em
concretização de uma regra geral de igualdade tributária. Assim, o CISV abre
com a assunção de funções ambientais, em concretização do Princípio do
Poluidor-Pagador. E tal manifesta-se, como supra
referi, especialmente a nível das taxas praticadas, mais elevadas quanto
maiores a cilindrada e o impacto ambiental causado pelos veículos, nos termos
dos 7º e seguintes do CISV.
Por
sua vez, são sujeitos passivos de IUC, nos termos do artigo 3º nº1 do CIUC, os
proprietários dos veículos objecto de incidência, considerando-se como tais as
pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das
quais os mesmos se encontrem registados, sendo equiparados a proprietários, de
acordo com o nº2 do preceito, os locatários financeiros, os adquirentes com
reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de
compra por força do contrato de locação. Objectivamente, imposto único de
circulação incide, nos termos do artigo 2º nº1 do CIUC, sobre os automóveis
ligeiros de passageiros e automóveis ligeiros de utilização mista com peso
bruto não superior a 2500 kg matriculados desde 1981 até à data da entrada em
vigor do presente código; os automóveis de passageiros referidos nas alíneas a)
e d) do nº 1 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre Veículos e automóveis
ligeiros de utilização mista com peso bruto não superior a 2500 kg,
matriculados em data posterior à da entrada em vigor do presente código; os automóveis
de mercadorias e automóveis de utilização mista com peso bruto superior a 2500
kg, afectos ao transporte particular de mercadorias, ao transporte por conta
própria, ou ao aluguer sem condutor que possua essas finalidades; os automóveis
de mercadorias e automóveis de utilização mista com peso bruto superior a 2500
kg, afectos ao transporte público de mercadorias, ao transporte por conta de
outrem, ou ao aluguer sem condutor que possua essas finalidades; os motociclos,
ciclomotores, triciclos e quadriciclos, tal como estes veículos são definidos
pelo Código da Estrada, matriculados desde 1992; as embarcações de
recreio de uso particular com potência motriz igual ou superior a 20 kW, registados
desde 1986; e as aeronaves de uso particular. O facto gerador do imposto é
constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou
registo em território nacional (artigo 6º nº1 do CIUC), bem como a permanência
em território nacional por período superior a 183 dias de veículos não sujeitos
a matrícula em Portugal e que não sejam veículos de mercadorias de peso bruto
igual ou superior a 12 toneladas (artigo 6º nº2 do CIUC), sendo o tributo de
periodicidade anual. Dita o nº1 do artigo 4º do CIUC que o imposto único de
circulação é devido por inteiro em cada ano a que respeita, correspondendo a
obrigação ao ano que se inicia com a data da matrícula ou ao ano de cada um dos
seus aniversários, nos termos do nº2, sendo que o tributo deixa de se vencer
aquando do cancelamento da matricula em virtude de abate (nº3 do mesmo artigo).
Posto isto, temos que o IUC é um imposto periódico que se basta com a mera
propriedade de certo tipo de veículos, ainda que os mesmos não circulem. Tal
prende-se com a vertente dissuasora do Princípio do Poluidor-Pagador,
influenciando os contribuintes à preterição de certo tipo de veículos mais
poluentes, que preferirão outros mais amigos do ambiente e, por conseguinte,
menos tributados, como os veículos não motorizados, exclusivamente eléctricos
ou movidos a energias renováveis não combustíveis, que estão mesmo isentos de
imposto (artigo 5º nº1 d) do CIUC). De facto, é evidente a vocação ambiental
deste tributo, declarada desde logo no artigo 1º do CIUC, que em moldes
semelhantes aos do artigo 1º do CISV, consagra um Princípio da Equivalência: O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência,
procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que
estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária. Esta vocação ambiental manifesta-se na
estrutura de todo o imposto, sendo de salientar o artigo 7º nº1 b) do CIUC, que
aponta o nível de emissão de dióxido de carbono como um dos elementos que
integram base tributável, a par dos artigos 8º a 15º, que estabelecem a regra
da progressividade das taxas de imposto em função do impacto ambiental de cada
veículo.
Feito o excurso pelos dois impostos que compõem a tributação automóvel, é
de concluir pela clara vocação ambiental que assumem, a par da tradicional função
orçamental de obtenção de receitas estaduais. Posto isto, creio que nos
encontramos aqui perante uma feliz
interacção entre política fiscal e política ambiental.
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