A Repercussão do
Princípio do Poluidor Pagador no Direito do Ambiente: serão os poluidores os
verdadeiros pagadores?
Um dos pontos mais
polémicos do princípio do poluidor pagador e que constitui o cerne das críticas
movidas pelos mais cépticos relativamente à bondade jurídica do princípio é o de
saber se os poluidores serão sempre os verdadeiros pagadores.
Nesta vertente, as
críticas feitas a este princípio são de três ordens:
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Do setor da Ecologia critica-se o princípio do poluidor
pagador por este ser uma verdadeira “compra do direito a poluir”, cujo preço
nem sequer é pago pelos poluidores mas sim pelos consumidores;
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Do setor do Direito critica-se este princípio por
conduzir a situações de extrema injustiça, já que quem na realidade paga são os
consumidores e não os poluidores;
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Do setor Económico critica-se o fato deste princípio
ser gerador de inflação, devido ao fenómeno da repercussão.
O fenómeno da repercussão,
assente a todas estas críticas, é um fenómeno semelhante ao que no campo fiscal
se designa de repercussão do imposto. Trata-se de uma não coincidência entre o
sujeito sobre quem impende a obrigação de entregar o imposto (o sujeito
passivo) e quem efetivamente paga (o contribuinte) e decorre da possibilidade
que alguns agentes económicos têm de transferir para outrem os encargos a que
estão sujeitos.
Este fenómeno de
repercussão engloba o domínio das medidas de política do ambiente, nas quais
certos poluidores gozam da possibilidade de fazer os consumidores suportar, através
do aumento dos preços, de pagamentos que tiveram de efetuar. Isso acontece
quando os poluidores que pagam são produtores. Aqui a divergência verifica-se
entre quem efetivamente suporta os custos das medidas ambientais impostas pelo
Estado, e quem tem de efectuar o pagamento (quem “paga primeiro”).
A repercussão só não
acontece quando se verifiquem duas situações que, sendo exteriores à empresa,
condicionam determinantemente as suas decisões com a estrutura concorrencial ou
monopolista do mercado em que a empresa se insere, e a existência no mercado de
produtos sucedâneos do produto considerado.
A repercussão
distingue-se em repercussão externa e repercussão interna. A repercussão
externa ou em sentido próprio consiste na transferência de pagamentos efetuados
pelo poluidor para os seus clientes e opera-se pela inclusão dessas despesas,
como um custo, no preço final dos bens ou serviço onerado reflexamente o
respectivo adquirente. Já a repercussão interna engloba as situações em que não
seja praticável uma repercussão externa. Nestes casos, os custos acrescidos são
transferidos, não para os consumidores através dos preços dos produtos, mas
dentro da própria empresa, através dos preços dos fatores de produção. A
repercussão interna processa-se através de alterações da remuneração relativa
dos diversos fatores de produção. Por exemplo, se há que suportar que uma nova
taxa ecológica e por algum motivo não é possível aumentar proporcionalmente os
preços dos produtos, como compensação, contraem-se as despesas com o fator
trabalho (reduzindo o número de trabalhadores ou o número de horas de trabalho
por trabalhador), com a matéria-prima (utilizando materiais mais baratos), com
o capital (não introduzindo nova maquinaria).
Como consequências da
repercussão, a própria OCDE tem uma posição de neutralidade face à
transferência dos custos dos poluidores para terceiros, afirmando que do ponto
de vista do Princípio do Poluidor Pagador, não interessa se o poluidor
transfere para os seus preços parte de todos os custos ambientais ou se os
absorve.
Como consequências económicas e ecológicas,
é inegável que, aplicando aos produtores o Princípio do Poluidor Pagador, pode
ter por efeito a subida dos preços, devido à probabilidade de repercussão
externa. Todavia, da ponderação deste inconveniente económico e das restantes
vantagens económicas ecológicas, resulta que a aplicação do princípio é
largamente compensatória. Não se trata, na realidade, de uma subida de preços
“inútil”, na medida em que a repercussão externa tem consequências económicas
vantajosas, mesmo que uma política de proteção do ambiente muito rigorosa leve
as empresas à rutura financeira, inibindo assim a instalação da crise económica
no setor considerado.
Por outro lado, a
repercussão não é, em si mesma, contrária à “filosofia” do Princípio do
Poluidor Pagador, pois tem benéficos efeitos ecológicos, já que o aumento dos
preços provavelmente provocará uma desejável contracção da procura de um produto
que é, em si mesmo, poluente ou cuja produção ou consumo são geradoras de
poluição. De fato, um preço mais elevado está mais próximo do preço ideal dos
recursos esgotáveis e tem uma vantagem de restringir o consumo desses bens aos
usos essenciais.
Acresce que o fato de
o poluidor-que-paga (o produtor) não suportar, em último termo, o custo que lhe
é imposto, não significando que não se realize a pretendida internalização. O
produtor também “repercute” nos preços os custos dos tradicionais fatores de
produção (matéria-prima, trabalho e capital) e isso não significa que não sejam
verdadeiros custos ou que não os pague.
Por fim, este efeito
de subida dos preços dos produtos direta ou indiretamente poluentes, não pode,
rigorosamente, ser considerado “inflação”. A inflação é uma subida, contínua e
generalizada, dos preços, que afeta quase todos os produtos e serviços. Neste
caso, há apenas uma alteração relativa dos preços dos produtos e note-se que,
uma subida do preço dos produtos poluentes é equivalente a uma descida dos
produtos não poluentes.
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