quinta-feira, 26 de abril de 2012

CIDADES EM FLOR

            A população mundial passou de 2,5 biliões de habitantes para 7 biliões entre 1950 e 2011. No mesmo período, a população urbana passou de 730 milhões (29%) para 3,6 biliões de habitantes (51% da população total). Enquanto a população total cresceu 2,8 vezes, a população urbana cresceu 4,9 vezes, em seis décadas, segundo dados da divisão de população da ONU.
            As projeções para 2050 indicam uma população mundial de 9,3 biliões de habitantes, sendo que 6,3 biliões estarão no meio urbano, o que significará cerca de 70% da população mundial a viver em cidades. Ou seja, nas próximas quatro décadas, a população rural do mundo vai diminuir de 3,4 biliões de habitantes para 2,8 biliões, enquanto a população urbana vai absorver todo o contingente de pessoas que vão nascer (2,3 biliões) mais a migração líquida dos 600 biliões que vão sair do meio rural para o meio urbano. Assim sendo, a população urbana do mundo vai passar dos actuais 3,6 biliões para 6,3 bilhões de habitantes em 2050, um acréscimo de 2,7 biliões de pessoas nas cidades em apenas 40 anos.
            A urbanização é uma tendência que veio para ficar e que se vai expandir nas próximas décadas, como bem mostrou o demógrafo George Martine, no relatório do UNFPA de 2007. Assim sendo, neste cenário, a questão mais interessante que se pode colocar é como tornar as cidades mais sustentáveis e ecologicamente mais amigáveis.
            Em 2008, foi assinada a Declaração Comum das Cidades Europeias contra as Mudanças Climáticas, preparada pela Eurocities (rede europeia na qual participam também Lisboa e Porto), através da qual as cidades se comprometeram a desenvolver políticas em matéria de urbanismo, de energia e de transporte, para que o seu modo de desenvolvimento mude e as cidades possam reduzir, por exemplo, a emissão de gases com efeito de estufa e os problemas de poluição (as cidades desempenham um papel crucial na solução do desafio climático. Mais de 70% das emissões mundiais de CO2 vêm das cidades).
            Numa área urbana, ser ecológico é um desafio único. As cidades apresentam um grande volume de pessoas, muito tráfego, lixo e poluição atmosférica. Cerca de 75% da energia mundial é consumida nas cidades. As cidades ecológicas procuram encontrar um equilíbrio entre a gestão das suas necessidades actuais e o não comprometimento do futuro da cidade (e do meio ambiente).
            As cidades-modelo são classificadas em função de um conjunto de critérios, como o planeamento urbano, as estatísticas ambientais, as fontes de energia, os índices de consumo e as emissões, as opções de transporte, as áreas verdes, a disponibilidade de parques públicos, os empregos ecológicos, os edifícios sustentáveis, bem como perspectivas ecológicas, como a reciclagem.
            O site Grist elegeu as cidades que merecem destaque e reconhecimento, em função das suas práticas ecológicas e das suas inovações e liderança na defesa do meio ambiente. As oito cidades mais ecológicas do mundo são:


·        Reykjavik, Islândia: todos os autocarros são movidos a hidrogénio e há uma rígida política de incentivo ao uso dos transportes públicos. Além da capital, todo o país é abastecido quase exclusivamente por fontes renováveis de energia e tem o compromisso de se tornar, até 2050, livre de combustíveis fosséis.
·        Portland, Oregon / USA: a Cidade das Rosas, como é conhecida, é um exemplo de planeamento urbano e uma das cidades mais verdes que há para viver. Foi a primeira cidade a aprovar um plano global para reduzir as emissões de CO2 e tem políticas agressivas para incentivar as construções ecologicamente correctas. Os meios de transportes públicos ajudam muito a retirar milhares de carros das ruas e a cidade orgulha-se dos 92.000 hectares de espaços verdes e mais de 120 quilómetros de ciclovias e caminhos de passeio.
·        Curitiba, Brasil: reduziu 70% dos desperdícios e construiu um sistema de trânsito com poucos gastos. O sistema integrado de transportes públicos foi aclamado como um dos melhores do mundo, apesar de estar a sofrer com o excesso de carros particulares nas ruas. Curitiba tem a impressionante marca de 180 m2 de área verde por habitante e, de acordo com pesquisas, 99% da sua população está contente com a cidade em que vive.
·        Malmö, Suécia: conhecida pelos seus extensos parques e áreas verdes, a cidade de Malmö, terceira maior cidade da Suécia, é um modelo de desenvolvimento urbano sustentável. Com o objectivo de tornar a cidade uma “ekostaden” (ecocidade), vários bairros já foram transformados, usando um design inovador com alternativas sustentáveis. O incentivo ao uso da bicicleta e o extenso sistema de transportes públicos tornam a cidade ainda mais verde. Malmö utiliza os resíduos dos moradores para os autocarros. A Suécia é líder em soluções de eletricidade verde – a maioria da eletricidade do país é gerada por energia nuclear e hidroeléctrica.
·        Vancouver, Canadá: situada entre as montanhas e o mar, a cidade de Vancouver é um paraíso para os amantes da natureza e foi escolhida pela revista Economist como a cidade mais habitável do mundo. Com 90% da sua energia proveniente de fontes renováveis (hidroeléctrica, eólica e solar), a cidade promete, em poucos anos, deixar de utilizar combustíveis fósseis. A área metropolitana possui 200 parques e mais de 18 km de rio e tem vindo a  desenvolver políticas sérias para alcançar o índice de cidade 100% sustentável. Além disso, como parte do seu programa de promoção da eficiência energética, Vancouver não hesita em adoptar tecnologias emergentes. Compactadores de lixo accionados por energia solar foram instalados em toda a cidade, cada um do tamanho de uma lata de lixo normal, mas capaz de reter cinco vezes mais detritos (o que reduz a presença de camiões de lixo nas ruas e as emissões por eles geradas).
·        Copenhaga, Dinamarca: com um grande parque eólico e uma imensa população que se desloca apenas em bicicletas, Copenhaga é um sonho verde. A cidade acaba de inaugurar um novo sistema de metro, que tornou o trânsito ainda mais eficiente, e ganhou recentemente o Prémio Europeu de Gestão Ambiental pela limpeza das suas vias aquáticas e pelo planeamento ambiental a longo prazo. Além disso, Copenhaga é famosa pelos seus moinhos de vento. Mais de 5,6 mil moinhos fornecem 10% da electricidade da Dinamarca e, em 2001, Copenhaga inaugurou o maior parque marítimo de moinhos. O parque tem capacidade para abastecer 32 mil residências na cidade e atender a cerca de 3% das suas necessidades de energia. Copenhaga está focada em reduzir ou até eliminar as emissões de gases com efeitos de estufa.
·        Londres, Inglaterra: desde o Plano de Ação para as Mudanças Climáticas, a capital de Inglaterra tem vindo a inovar e a tornar-se mais verde. De acordo com o plano, Londres vai mudar 25% da sua energia para fontes renováveis e cortar as emissões de CO2 em 60% nos próximos 20 anos. Há também um plano de incentivo para os habitantes renovarem e melhorarem a eficiência energética das suas casas. A cidade também já fixou elevados impostos sobre o transporte pessoal, para limitar congestionamentos na zona central da cidade, além de políticas de incentivo aos veículos eléctricos, híbridos e SUV’s.
·        São Francisco, Califórnia / USA: quase metade dos moradores de São Francisco andam diariamente de transportes públicos, a pé ou de bicicleta e mais de 17% da área total da cidade é reservada a parques e espaços verdes. São Francisco também é líder nas construções certificadas (LEED), com mais de 70 projectos registados. Em 2001, a cidade abriu uma grande linha de financiamento para a criação de painéis solares, turbinas eólicas e para a melhoria da eficiência energética. Foi a primeira cidade do mundo a proibir sacos de plástico não-recicláveis e brinquedos que contenham produtos químicos.

            No caso da China, que tinha 64 milhões de habitantes (12% do total) a viver nas cidades em 1950 e passou a ter 635 milhões em 2010 (47%), devendo ultrapassar 1 bilião de habitantes (73%) em 2050, a necessidade e as vantagens de construção de cidades ecológicas são evidentes.

            Exemplo disso é a cidade de Tianjin, que se pretende tornar na maior ecocidade do Mundo. É em terras salinas, entre uma zona industrial sombria e um mar poluído, que está a ser construído o futuro urbano da China. A primeira cidade chinesa construída com propósitos ecoamigáveis está a crescer a partir do zero a cerca de 150 km a leste de Pequim, esperando-se que, em 2020, 30 km2 alberguem 350 mil chineses ecoconscientes. Mas até que ponto é que Tianjin é especial? Certamente que não se revela tão revolucionária como a propaganda local reclama, mas os esforços são significativos. Para começar, deixarão de existir escritórios feitos de vidro como aqueles que se vêem ao longo da China e cujo consumo de energia é, geralmente, colossal. Todos os edifícios de Tianjin apresentam janelas mais pequenas com paredes grossas de modo a manter o calor no interior. Outro dos objectivos é reduzir a distância de condução entre casa e escritório e atrair negócios neutros em emissão de carbono. Foi para lá que se mudou a maior empresa de animação da China, que vende desenhos animados de kung fu para o Médio Oriente, Indonésia, Irão e Portugal. Tianjin pretende, ainda, inovar em termos de transporte coletivo, utilização da água, reciclagem de resíduos, construção de prédios ecológicos, uso de energias renováveis, baixa emissão de dióxido de carbono, etc. Os folhetos sobre a ecocidade descrevem apartamentos com as melhores máquinas de lavar, casas-de-banho e chuveiros ao nível da poupança (devido ao grande investimento no tratamento da água poluída, o preço da mesma duplicou na área durante o ano passado, pelo que os residentes vão fazer o possível para não desperdiçar uma gota que seja). “O nosso objectivo principal é produzir 20% de electricidade através de energia renovável, a par dos objectivos europeus para 2020”, diz Yan Xu, uma das “managers” da comunidade ecocidade. O governo local celebrou um contrato com o governo de Singapura (país 100% urbanizado e que tem um inovador sistema de tratamento de lixo e resíduos sólidos – aterro Pulau Semakau –, em parceria com o qual tem sido feita a construção de Tianjin) e empresas ocidentais para garantir as melhores energias verdes. Prevê-se que o projecto esteja concluído por volta de 2020 e pretende-se que tenha mais sucesso do que outros projetos de ecocidades, como Dongtan (perto de Xangai), Tangshan e Masdar (perto de Abu Dhabi).


            Em Portugal, desde 2008 que seis cidades transmontanas passaram a trabalhar em rede, numa estratégia de desenvolvimento assente no conceito "eco", que tem previsto um investimento de 15 milhões de euros em projectos comuns. Bragança, Chaves, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro, Mirandela e Valpaços decidiram aproveitar um instrumento comunitário que permite às cidades agruparem-se para trabalhar em conjunto e criaram a Rede de Cidades Ecológicas e Inovadoras de Trás-os-Montes. A ideia é adoptar um modelo de desenvolvimento comum em torno da sustentabilidade ambiental e do conceito "eco", nas vertentes da agro-indústria, da energia, do turismo e da construção, que será pioneiro no nosso país. O objectivo é desenvolver um sistema urbano integrado em torno das temáticas da ecoeficiência e da sustentabilidade ambiental, que valorize as complementaridades existentes e que estimule factores de diferenciação entre as cidades da rede.


            Resta saber se estas cidades ecológicas vão conseguir redireccionar o processo de urbanização. De fato, é cada vez mais urgente encontrar soluções que permitam conciliar as condições ecológicas com a crescente urbanização. Construir algumas cidades ecológicas até pode ser relativamente fácil, difícil vai ser tornar todas as demais cidades sustentáveis, com economia de baixo carbono e com baixo impacto ambiental.

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