Num mundo “finito” como é o nosso, todo o espaço terrestre é
partilhado pelos Estados soberanos, que pretendem exercer sobre o seu
território competências plenas e exclusivas ao ponto de para as designar
falarmos de “soberania territorial”.
Entretanto, esta partilha do Planeta Terra entre os Estados não é
total: no que respeita às terras emersas, o seu solo e o seu subsolo, o espaço
aéreo subjacente e uma franja marítima adjacente que inclui o mar territorial e
se prolonga, para lá, pela zona económica exclusiva e plataforma continental. Para além disso, os espaços internacionais e os seus recursos são
insusceptíveis de apropriação nacional.
O meio ambiente não conhece fronteiras. Os limites
geográficos dos países advêm de critérios políticos e de um processo histórico
totalmente alheio à natureza. A grande maioria dos efeitos e danos ambientais
ultrapassam essas fronteiras físicas e muitas das vezes repercutem-se em locais
distantes de onde foram gerados, podendo mesmo atingir diversos Estados ao mesmo
tempo. A protecção do meio ambiente é um dever e obrigação de todos os países e
deve ser realizada de maneira global.
O objecto do Direito internacional do ambiente é, assim,
“transfronteiriço” por natureza. Certamente que existem poluições que podem
permanecer circunscritas ao território de um só Estado, todavia, regra geral,
todo o atentado ao ambiente que se produz num Estado tem repercussões sobre o
território de outros Estados e nos espaços internacionais.
Como proclamou a Carta Europeia
da Água em 1968 “a água não tem fronteiras” – e isso não é só verdade para os
rios unicamente internacionais. Os rios que desaguam no mar e as poluições de
origem terrestre fazem por vezes sentir os seus efeitos, longe, ao largo; o
Direito chamado a intervir, toma conta deste fenómeno (por exemplo, artigo 207º
da Convenção de Montego Bay sobre o direito do mar). Além disso, os mares do
Globo comunicam na maior parte uns com os outros, assim as poluições que se
produzem numa zona marítima podem atingir outros espaços marinhos, por vezes
muito afastados.
Do mesmo modo, a poluição
atmosférica não se confina às fronteiras terrestres do Estado, como o
testemunha de maneira particularmente dramática o acidente de Chernobil de 1986
que continua a fazer sentir os seus efeitos em numerosas partes da Europa. Ou
como o demonstra o fenómeno das “chuvas ácidas” que afecta sobretudo os países
industrializados. Aliás, é a poluição atmosférica que está na origem de um dos
primeiros processos contenciosos ecológicos em Direito internacional; o da
Fonderie de Trail, que opôs os Estados Unidos ao Canadá durante os anos 30
a propósito dos fumos nocivos produzidos por esta fábrica e lançados pelos
ventos sobre o território americano, e que terminou com uma célebre arbitragem
em 1941.
As competências do Estado sobre o seu território encontram-se
limitadas. Em conformidade com o princípio enunciado pelo Tribunal
Internacional de Justiça (TIJ) em 1949 num contexto diferente, todo o Estado
tem a “obrigação (…) de não deixar utilizar o seu território para fins
contrários aos direitos de outros Estados” (Estreito de Corfu). Em matéria de
ambiente, este princípio deu nascimento a um outro, mais preciso, muitas vezes
chamado “princípio da utilização não danosa do território”, que o Grupo de
trabalho que a Comissão de Direito Internacional (CDI) tinha constituído em
1996:
“A liberdade dos Estados
exercerem ou de permitirem que sejam exercidas actividades sobre o seu
território ou noutros lugares colocados sob a sua jurisdição ou o seu controlo
não é ilimitada. Ela está submetida à obrigação geral de prevenir ou de reduzir
ao mínimo o risco de causar um dano transfronteiriço significativo” (relatório
da CDI sobre a 48º sessão, 1996). Esta disposição exprime claramente os limites
que se impõem às competências territoriais dos Estados.
O mesmo princípio foi proclamado
solenemente pelas conferências de Estocolmo (princípio 21) e do Rio, e ligado
por elas ao da soberania permanente dos Estados sobre os seus recursos
naturais, o qual atenua o carácter absoluto:
“Em conformidade com a Carta das
Nações Unidas e os princípios do Direito internacional, os Estados têm o
direito soberano de explorar os seus próprios recursos em conformidade com as
suas próprias políticas em matéria de ambiente e desenvolvimento e eles têm o
dever de velar para que as actividades que derivam da sua competência ou do seu
poder não ataquem o ambiente dos outros Estados ou zonas situadas para lá dos
limites da sua jurisdição nacional” (princípio 2 do Rio).
O Tribunal Internacional de Justiça confirmou a força
obrigatória do princípio no seu parecer consultivo de 1996 relativo à Licitude da ameaça ou do emprego de armas
nucleares: “A obrigação geral que têm os Estados de velar para que as
actividades exercidas nos limites da sua jurisdição ou sob o seu controlo
respeitem o ambiente dos outros Estados faz entretanto parte do corpo de regras
de Direito internacional do ambiente”.
Como que em gesto de conclusão e partindo do pressuposto de
que a soberania territorial não é mais um conceito absoluto (conceito atenuado
e enfraquecido pelos compromissos internacionais assumidos em matéria
ambiental), vamos agora olhar para a jurisprudência em matéria de danos
transfronteiriços.
Convém reforçar a ideia de que nos tempos actuais não se pode
defender, sob o manto de uma soberania una, suprema e indivisível, o uso
indiscriminado de recursos naturais sem qualquer respeito pelos Estados
vizinhos. A soberania dos Estados está submetida a restrições que acabam por
diminuir a liberdade de decidir e de agir dos Estados. A soberania estadual não
pode ser exercida de forma isolada. Como Oppenheim observou: “Ao Estado, apesar
da sua supremacia territorial, não é permitido alterar as condições naturais do
seu próprio território, em detrimento das condições naturais do território de
um Estado vizinho”.
Assim, a discricionariedade do Estado encontra-se limitada
por princípios como o da boa vizinhança (sic
utere tuo ut alienum non laedas) ou o princípio da responsabilidade do
Estado por acções que causem danos transfronteiriços. A observância destes
princípios em detrimento da soberania do Estado pode ser constatada em inúmeros
julgamentos internacionais.
É, aqui, de referir o caso Fonderie de Trail. Este é o caso
de uma fundição de zinco e chumbo situada na cidade de Trail, na costa oeste do
Canadá. Esta fundição lançava fumos tóxicos sobre os moradores de Newport, no
Estado de Washington, no extremo da região noroeste dos Estados Unidos.
Inicialmente, muitas foram as indemnizações pagas pela
fundição. Em 1925, foi criada uma associação de pessoas afectadas pelos fumos
provenientes da fundição e em 1927 o Governo Americano apresenta uma reclamação
directamente ao Estado do Canadá. No entanto para o caso nunca foi encontrada
uma solução definitiva.
Foi então que a controvérsia foi submetida Tribunal Arbitral
Internacional (TAI) em 1935. O Canadá ficou obrigado a reduzir a poluição
atmosférica no vale do Rio Columbia causada pelo dióxido de enxofre emitido
pela fundição a apenas sete milhas da fronteira EUA-Canadá. Em segundo lugar, o
TAI considerou o Canadá responsável pelos danos causados às culturas, árvores e
parques no Estado de Washington e fixou o montante da indemnização a ser pago.
Por último, o Tribunal concluiu que “de acordo com os princípios de direito
internacional, nenhum Estado tem o direito de usar ou de permitir o uso do seu
território de maneira que provoque danos no território de outro Estado”.
Esta proibição genérica de um Estado causar danos
significativos a outro Estado, bem como o dever de proteger os direitos dos
outros Estados, continuou a ser desenvolvida com base noutros casos. O processo Corfu
Channel que em 1949 opôs o Reino Unido e Albânia, o acidente do petroleiro
Amoco Cadiz e ainda o caso Ensaios Nucleares 1974 são bons exemplos disso.
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