O princípio do desenvolvimento
sustentável, ou da sustentabilidade, é por si, um princípio transversal num
ordenamento jurídico (que se quer ainda mais) “verde”. O princípio da
sustentabilidade, surgira no seio da Declaração de Estocolmo de 1972 e da Carta
de Natureza de 1982, embora envolto numa lógica económica, servindo apenas como
nota de rodapé, mas nota de rodapé essa que se focava em chamar a atenção para
a conciliação da preservação do meio ambiente com o desenvolvimento
sócio-económico. Porém, essa nota foi explorada, tendo ganho o seu espaço e
importância nos demais ordenamentos e planos jurídicos (como se verá infra),
vincando já uma fundamentação ecológica das demais decisões jurídicas de
desenvolvimento económico, impondo a ponderação necessária dos efectivos
custos, face a determinados benefícios obtidos através de determinada actuação,
sendo as mesmas actuações/decisões insuportáveis, afastadas pela
impossibilidade de implementação ou manutenção. Tratar-se-á no presente texto
de expor o fundamental sobre o princípio em estudo.
“Produzir um quilo de leite exige 700 litros de
água. Um quilo de carne de porco 4600 litros. Um quilo de carne de vaca 13 mil
litros. “Se reflectirmos sobre estes números, teremos de fazer uma revisão
radical da nossa dieta”, introduziu Emídio Rui Vilar, presidente da Fundação
Calouste Gulbenkian, na passada sexta-feira (9 de Março), em Lisboa, no arranque do ciclo de
conferências sobre o futuro da alimentação” - in Jornal iOnline.
O trecho transcrito,
relaciona-se com uma notícia recente, referente à discussão (tímida) sobre a
sustentabilidade mundial daqui para o futuro. Isto é, com o crescer da
população mundial a um ritmo (ainda) exponencial, vários são os desafios a
serem encarados de frente, e um deles, é precisamente a escassez de água. Este
nosso bem fundamental, utilizado para tudo, essencial para tudo, é um dos
demais recursos preciosos para o nosso sustento que, de acordo com as recentes
estimativas, por volta do ano 2050, a população mundial atingirá o número de 9
mil milhões de habitantes. E neste nosso espaço global, os futuros 9 mil
milhões de habitantes não estarão (como não estão agora os actuais 7 mil milhões,
nunca estiveram) em plena situação de acesso a bens essenciais como o alimento,
como a água. Enquanto nos Estados Unidos da América e Europa, o consumo de
alimento e água tem-se mantido estável, o consumo de, por exemplo, carne na
China mais que quadruplicou num espaço de 40 anos. O que é de preocupar, se
pensarmos em constante crescimento, face ao transcrito supra.
Por onde
começar? Várias têm sido as ideias, desde impostos sobre alimentos calóricos,
desenvolvimento de técnicas de agricultura para (re)aproveitar o espaço
existente (em contraposição aos custos de uma expansão da área cultivável), ou
mesmo abraçar os alimentos transgénicos, apesar da desconfiança que paira sobre
o consumo dos mesmos. No fundo, visa-se implementar técnicas, politicas, meios
de sustentabilidade, para controlar o poder da população que sempre foi, citando
Thomas Malthus, “infinitamente maior que o poder da terra para produzir a
subsistência do homem”. Tal qual profeta, Malthus lançara o aviso à cerca de
100 anos atrás, quando se discutira sobre o mesmo tema: o “boom” humano, habitante global desta humilde casa redonda.
B. A transversalidade do princípio da sustentabilidade
B. A transversalidade do princípio da sustentabilidade
Autores como PETER
HABERLE, consideram que “é tempo de considerar a sustentabilidade como elemento
estrutural típico” do Estado Constitucional que hoje nos serve de base, e hoje,
enquadrados numa espécie de Estado Pós-Social, a preocupação com o ambiente vai
crescendo face à necessária tomada de consciência sobre as "várias bombas relógio prontas a explodir" se não surgir o tal ponto de
viragem, o tal momento de coragem e de dizer chega, é preciso mudar e
levar a temática a sério. Contudo, este princípio do desenvolvimento sustentável
não é, per se, bastante para operar, é necessário que o Estado o concretize
conforme enfrente as necessidades do dia de hoje (e do dia de amanha). Apesar
de algumas vozes virem considerar que este princípio, e o seu conteúdo jurídico
(apesar de difícil concretização, prima facies), serem mera “moda”, muitos
outros autores têm vindo a concretizá-lo, a optimiza-lo, à semelhança do que
princípios como o princípio do Estado de Direito têm vindo a obter. No fundo, a
génese deste princípio, está, sem qualquer margem de dúvida, na necessidade de
as pessoas, enquanto espécie habitante neste mundo global, pensarem em termos
solidários, em termos racionais, face aos recursos finitos do presente, do
futuro, face às pessoas e povos do presente, e do futuro.
Apesar
da “moda”, GOMES CANOTILHO distingue entre sustentabilidade em sentido
ecológico (restrito) e sustentabilidade em sentido amplo. Quanto ao sentido
restrito, a lógica prende-se com a protecção a longo prazo dos recursos
disponíveis, através de políticas, técnicas que apontem à sustentabilidade ecológica,
v.g., no confronto entre taxas de consumo de recursos não renováveis e as taxa
de regeneração dos mesmos, a primeira não deve superar a segunda, ou a
necessidade de os recursos serem utilizados de forma racional em prol da
sustentabilidade intergeracional (seguindo a ratio do principio da
solidariedade). Já o sentido amplo, prende-se com a sustentabilidade a três níveis:
ecológica, económica e social. Aqui, encontramos um tipo de “conceito federador” que serve de guia
quanto aos pressupostos necessários para a prossecução da evolução sustentável,
evolução essa, que tem sido implementada a nível institucional, uma bandeira política
que resultou em Convenções várias como a sobre as mudanças climáticas.
A necessidade
de estimular a comunidade política, social e mesmo a jurídica, para um sistema
mais sustentável, tem vindo a conformar nos demais textos normativos a
necessidade de protecção ambiental. No que toca ao princípio da
sustentabilidade, a nível dos Tratados da União Europeia, temos várias
disposições que apontam à premissa do referido princípio, vinculativos para os
Estados-Membros, como por exemplo: art. 191 do Tratado sobre o Funcionamento da
União Europeia, ou o art. 37 da Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia, tendo agora, pelo art. 6 do Tratado da União Europeia, o mesmo valor
vinculativo que os Tratados. Porém, de acordo com o dito atrás, este princípio
não descura o apoio dos restantes princípios “verdes”, democráticos.
Olhando
à nossa Constituição da República Portuguesa (CRP), o princípio da
sustentabilidade está plasmado em várias disposições normativas da mesma,
surgindo à cabeça o nosso art. 66 nº 1 da CRP, consagrando o direito
fundamental a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado. O
rol estende-se a outras disposições que se enunciam de seguida: como uma das
principais tarefas do Estado, art. 9 al. e); como dever fundamental do Estado e
das próprias pessoas, art. 66 n.º2; como princípio fundamental de organização
económica, art. 80 al. d); como incumbência prioritária do Estado português em
determinadas matérias, art. 81 als. a), m), n); entre outras. Isto resulta, no
fundo, na abertura da nossa Lei Fundamental a novas ideologias, a novos mecanismos
institucionais de cooperação e controlo de metas objectivas a favor do ambiente
(v.g., dentro de uma lógica de good green
governance, temos o Protocolo de Quioto que entrou em vigor em 16 de
Fevereiro de 2005). A juntar ao escrito, refira-se ainda a nossa Lei de Bases
do Ambiente (LBA) que, junto com a nossa Lei Fundamental, forma uma base
robusta da qual emana a inspiração suficiente para a progressão da protecção
subjectiva e objectiva do bem jurídico ambiente.
Quanto ao
tratamento da matéria relativa à protecção subjectiva e objectiva do direito
fundamental ao ambiente, breves notas cabem quanto à sua juridicidade. GOMES
CANOTILHO refere quatro dimensões essenciais quanto à juridicidade ambiental:
- Dimensão garantistico-defensiva – cabendo a previsão de mecanismos de defesa dos particulares face intervenções do Poder Publico no núcleo do bem jurídico ambiente;
- Dimensão positivo-prestacional – cabendo ao Poder Publico organizar e promover a realização do direito do ambiente;
- Dimensão jurídica irradiante (“Drittwirkung”) – vinculação horizontal e vertical do direito ao ambiente;
- Dimensão jurídico-participativa – chamando os cidadãos, a sociedade, ao palco para desempenhar um papel essencial na defesa do ambiente, mesmo numa vertente de dever fundamental que podemos retirar do art. 66 da CRP.
Contudo,
a força normativa da CRP dependerá da concretização por parte do Estado, força
normativa essa que emana do texto constitucional, v.g., o art. 9 al. d) e e), o
art. 66 nº2 nas suas alíneas, e mesmo da própria LBA, veja-se o art. 3 al. f). Esta concretização, chama à colação o tema da
responsabilidade de longa duração, de necessidade de o Estado garantir um mínimo
de existência ecológico, equilibrando o progresso humano com as necessárias
alternativas ambientais, com as necessárias políticas e mecanismos amigos do
ambiente.
Alguns
autores como GOMES CANOTILHO, entendem ser de reconhecer uma ecologização da
ordem jurídica portuguesa. Em que medida? Primus, o direito do
ambiente, tendo em conta a sua relevância no texto constitucional, leva a que
os vários órgãos decisores no plano interno, adoptem decisões mais conformes
com a protecção do bem jurídico ambiente, ou seja, temos quase que uma reserva
constitucional do bem ambiente. Secundus, a liberdade que cabe ao legislador
quanto ao tratamento e adopção de comandos que envolvam a matéria ambiental é
reduzida, isto na medida em que lhe é imposto a proibição do retrocesso, fazendo retroagir
posições jurídico-ambientais enraizadas na cultural social. Tertius,
a omissão do respeito pelos valores constitucionais do ambiente, gerando omissão
constitucional (quer num plano interno, quer num plano europeu, v.g.), levará à
responsabilização do Estado. Quartus, o Poder Publico, assim como
os privados, devem agir ou deixar de praticar actos potencialmente lesivos ao
bem jurídico ambiente.
Quanto ao último
ponto, cabe retomar, num trecho breve, alguns apontamentos sobre a dita
responsabilidade de longa duração. Esta envolve, necessariamente, quatro princípios
fundamentais:
- O princípio do desenvolvimento sustentável, art. 66 nº2 da CRP;
- O princípio do aproveitamento racional dos recursos, art. 66 nº2 al. b) da CRP;
- O princípio da salvaguarda da capacidade de renovação e estabilidade ecológica de recursos, art. 66 nº2 al. d);
- O princípio da solidariedade entre gerações, art. 66 nº2 al. d) da CRP.
Em 1992,
resultado da Conferência do Rio de Janeiro, o tema da responsabilidade ganhou
força graças ao debate sobre o princípio do desenvolvimento sustentável. Em que
sentido? No sentido de os Estados repensarem, aquando a tomada de medidas, a
mais protectora e mais conforme com a protecção de valores biológicos, não exclusivos
da espécie humana, pensando nos futuros habitantes do planeta que se verão
confrontados com o produto do nosso presente, que receberão o planeta conforme
o temos deixado, de rastos. Daí que, verdadeira medidas protectoras e de prevenção
serão todas, em termos de precaução, as que limitam ou neutralizam os danos
ambientais, cujos efeitos nefastos poderão ser irreversíveis, criando mais um
facto de desequilíbrio na sustentabilidade de gerações futuras, mas sem
descurar o equilíbrio necessário dos demais ecossistemas naturais. No fundo, a
medida mais amiga será aquela que pense na ponderação entre o antropocentrismo
e o ecocentrismo, em prol do óptimo protector.
Este conceito
de responsabilidade de longa duração envolve o dever de o Estado adoptar
medidas adequadas à protecção do ambiente, porém, quanto à densidade dessa protecção,
a Constituição dispõe no sentido da obtenção e protecção de um núcleo essencial
de um direito fundamental ao ambiente, isto ligado com o principio da proibição
de retrocesso numa lógica fazer observar o mínimo, e partindo do mínimo,
promover a melhoria do nível de protecção alcançado atendendo ao disposto na própria
Constituição e nos Tratados, quer europeus, quer internacionais.
C. Ponto de chegada
C. Ponto de chegada
Apesar
de ser um tratamento breve, é possível aquilatar a importância deste princípio
que é transversal a todo o ordenamento, a todas as matérias que envolvam o
Direito do Ambiente. Pode-se dizer que este princípio serve de pilar base a
qualquer disposição normativa nova, a qualquer actuação política actual, a
qualquer actuação do Poder Público ou de privados, pois, a sustentabilidade
exige um esforço de todos. De todos na medida em que o bem jurídico ambiente é
uma realidade social e intergeracional, que deve ser pensada e defendida na
individualidade, mas também, pensada, defendida e garantida para o futuro, sem
nunca esquecer, o nível de protecção abrangente, pois na Terra, a pluralidade
de espécies, de ecossistemas é vasta, e se o passo não for global, intenso e
expressivo, continuará o crescimento sem sustentabilidade, pondo em causa a vida neste rochedo, por agora, habitável.
Bibliografia:
Bibliografia:
- GOMES CANOTILHO, José Joaquim, "O Princípio da sustentabilidade como Princípio estruturante do Direito Constitucional", Revista Tékhne, 2010, Vol VIII, nº13;
- GOMES CANOTILHO, José Joaquim, "Introdução ao Direito do Ambiente", Universidade Aberta, 1998;
- PEREIRA DA SILVA, Vasco, "Verde, Cor de Direito. Lições de Direito do Ambiente", Almedina, 2002.
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