quarta-feira, 4 de abril de 2012

A Água e a sua tutela jurídica


Comemorando-se no passado dia 22 de Março o Dia Mundial da Água, e no seguimento das notícias que publiquei para assinalar esta data, é agora importante fazer uma breve exposição sobre este componente ambiental natural e também sobre a sua tutela comunitária e pelo ordenamento jurídico português.
A água é utilizada em várias actividades do Homem e utilizada com fins bastante diversos, nomeadamente: uso doméstico, uso agrícola e industrial, produção de energia eléctrica, uso público, entre outros.
Actualmente, a água é um bem escasso, devendo-se esta escassez à antiga convicção da população de que a água era um bem inesgotável. Esta crença aliada aos preços baixos que se praticavam, originaram um grande desperdício de água. A consequência de tal atitude evidentemente manifestou-se na dificuldade crescente de satisfazer a procura, tanto devido ao esgotamento e difícil regeneração das respectivas fontes, bem como devido à poluição hídrica. Foi então este conjunto de factores que despertou um consciencializar diferente, de que efectivamente os recursos hídricos deveriam ser preservados e utilizados de forma racional.
A Declaração de Dublin da Conferência Internacional da Água e do Ambiente, de 1992, constituiu um avanço bastante significativo no que toca ao atribuir de um valor económico à Água, mas reconheceu ainda que um uso desregulado e irracional deste bem seria uma ameaça para o desenvolvimento sustentável e para a protecção do ambiente.
Outro passo importante para o reconhecimento da importância deste bem aconteceu em 22 de Março de 1992, em que a ONU criou o “Dia Mundial da Água” e publicou a “Declaração Universal dos Direitos da Água”. A efeméride que então se comemorou já perfez 20 anos de existência.
Mais tarde, e com bastante relevo para a tutela deste bem, entrou em vigor a Directiva 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2000, mais conhecida como Directiva-Quadro da Água (DQA), concretizando assim o previsto no 5.º do Programa de Acção Comunitário em matéria de ambiente. Esta DQA entrou em vigor no dia 22 de Dezembro de 2000, formalizou, a nível comunitário, o reconhecimento do valor económico da água e tinha como principal objectivo alcançar o bom estado de todos os recursos hídricos até 2015.
As principais preconizações da DQA passavam, entre outras pretensões, pela difusão da informação e incentivo da participação pública; supressão da poluição proveniente do uso de substâncias nocivas; avaliação da qualidade das águas; promoção da utilização sustentável da água. Esta última medida enunciada, a utilização sustentável da água, concretiza-se sobretudo pela valorização económica da água, ou seja, a DQA estabeleceu princípios relativos à transmissão do valor da água, para que o preço pago pelos consumidores seja um reflexo dos custos financeiros ambientais e da escassez provocada por cada sector. Em consequência, no seguimento desta Directiva os Estados Membros tiveram que implementar, até ao ano de 2009, uma política de preços de incentivo para uma utilização hídrica sustentável.

Agora analisemos o enquadramento normativo nacional. A nível constitucional, a água é tutelada não de forma individualizada, mas sim na medida em que é um dos componentes naturais do Ambiente, surgindo este último como direito fundamental (artigo 66.º CRP) e como tarefa estadual (artigo 9.º, alínea d) e e) CRP).
A individualização da tutela da água, foi conseguida pela Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87, de 7 de Abril), e manifesta-se particularmente nos artigos 6.º/c) e 10.º LBA, mas vários outros aspectos desta matéria são regulados de forma geral noutros artigos.
Temporalmente, seguiu-se a publicação da Lei da Titularidade dos Recursos Hídricos (Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro), que reuniu num único diploma toda a regulamentação da titularidade dos recursos hídricos, definindo os elementos constituintes do domínio hídrico, as partes dos recursos hídricos pertencentes ao Estado, às RA e aos seus municípios e freguesias e as competências a nível administrativo.
Em 2005, a DQA foi transposta para o Direito Nacional pela Lei-Quadro da Água (Lei N.º 58/2005, de 29 de Dezembro) e pelo DL n.º 77/2006, de 30 de Março, que definiram as bases da gestão sustentável das águas. O Instituto da Água tem sido o instituto que se tem dedicado à correcta implementação da DQA e que tem acompanhado a Estratégia Comum Europeia, estabelecida em 2001.
Em 2007, o DL 226-A/2007, de 31 de Maio, aprovou o Regime Jurídico da Utilização dos Recursos Hídricos, que estabelece os tipos de utilizações dos recursos hídricos que deverão ser tributados.

A DQA consagra essencialmente dois princípios: princípio da amortização dos custos dos serviços hídricos e princípio do poluidor-pagador. Estes princípios aliados aos consagrados pelo Regime Económico e Financeiro dos Recursos Hídricos - REFRH (princípio do valor social da água, princípio da dimensão ambiental da água e princípio do valor económico da água), concretizaram-se na criação de uma Taxa de Recursos Hídricos (TRH), prevista no artigo 78.º LQA. Segundo o disposto no artigo 3.º/1 do Anteprojecto do REFRH, esta TRH pretende “compensar o benefício que resulta da utilização privativa do domínio público hídrico, o custo ambiental inerente às actividades susceptíveis de causar um impacte adverso significativo nos recursos hídricos, bem como os custos administrativos inerentes ao planeamento, gestão, fiscalização e garantia da quantidade e qualidade das águas”. Esta taxa constitui, assim, um instrumento económico que consagra notoriamente o princípio da promoção da utilização sustentável dos recursos hídricos, bem como o princípio da amortização dos custos dos serviços hídricos (custos ambientais, custos de escassez e custos financeiros).

Em jeito de conclusão, a limitação dos recursos hídricos, as crescentes necessidades de água e a poluição hídrica são alguns dos motivos que demonstram a necessidade de adopção de medidas que permitam a gestão da utilização e do domínio da água em termos racionais e optimizado. As instituições internacionais têm-se preocupado com todos estes aspectos e os Estados têm aderido aos objectivos e princípios definidos por aquelas, de forma a que ocorra uma promoção do uso da água na óptica de um desenvolvimento sustentável.

Para mais informações sobre o assunto em análise poderá ainda consultar:
-Directiva-Quadro da Água (DQA): 
http://dqa.inag.pt/actu_2012/Ficheiros%20Site%20DQA/P%C3%A1g1%20-%20DQA/01%202000_60_CE%20-%20Directiva%20Quadro%20da%20%C3%81gua.pdf 
-Lei da Água – Lei N.º 58/2005, de 29 de Dezembro: 
http://dqa.inag.pt/actu_2012/Ficheiros%20Site%20DQA/P%C3%A1g2_4%20-%20Legisla%C3%A7%C3%A3o%20Nacional/01%20Lei%2058_2005%20Lei%20da%20%C3%81gua.pdf 
-Regime Económico e Financeiro dos Recursos Hídricos (REFRH): 
http://dre.pt/pdf1s/2008/06/11100/0339503403.pdf 
- http://www.unwater.org/worldwaterday/index.html 
- Associação Portuguesa de Recursos Hídricos: www.aprh.pt
- Instituto da Água: http://www.inag.pt


“Declaração Universal dos Direitos da Água”

1. A água faz parte do património do planeta. Cada continente, cada povo, cada região, cada cidade, cada cidadão é plenamente responsável aos olhos de todos.
2. A água é a seiva do nosso planeta. Ela é a condição essencial de vida de todo o ser vegetal, animal ou humano. Sem ela não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura. O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser humano: o direito à vida, tal qual é estipulado no Artº 30º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
3. Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo a água deve ser utilizada com racionalidade, preocupação e parcimónia.
4. O equilíbrio e o futuro do nosso planeta dependem da preservação da água e dos seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente, para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Este equilíbrio depende, em particular, da preservação dos mares e oceanos por onde os ciclos começam.
5. A água não é somente uma herança dos nossos predecessores, ela é sobretudo um empréstimo aos nossos sucessores. A sua protecção constitui uma necessidade vital, assim como uma obrigação moral do Homem para as gerações presentes e futuras.
6. A água não é uma doação gratuita da natureza, tem um valor económico: é preciso saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo.
7. A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral, a sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento, para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração de qualidade das reservas actualmente disponíveis.
8. A utilização da água implica o respeito da lei. A sua protecção constitui uma obrigação jurídica para todo o homem ou grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser ignorada nem pelo Homem nem pelo Estado.
9. A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos da sua protecção e as necessidades de ordem económica, sanitária e social.
10. O planeamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em função da sua distribuição desigual sobre a Terra.


BIBLIOGRAFIA.
-       CARVALHO, João Paulo de Sousa – O valor económico da água – fundamento jurídico dos tributos sobre a utilização dos recursos hídricos à luz da Directiva-Quadro da Água. Lisboa: Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, 2007. Tese de mestrado.
-       DIRECÇÃO GERAL DOS RECURSOS NATURAIS. Secretaria de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais. – A Água, a Terra e o Homem: Ciclo da Água. Lisboa: Gabinete Nacional da Campanha Educativa da Água, Junho de 1988.
-       LAUTENSCHLAGER, Lauren – A água como um bem jurídico universal frente à soberania do Estado: experiência na União Europeia. Lisboa: Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, 2010. Tese de mestrado.
-       SOUZA, Mariza Regina de – Diretiva Quadro da Água. Lisboa: Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, 2005/2006. Tese de mestrado.

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