quarta-feira, 4 de abril de 2012

Ambiente e Desporto


O Direito ao Ambiente, como já todos sabemos, está consagrado constitucionalmente através de uma dupla dimensão: Uma dimensão objetiva – em que é visto como uma função fundamental do Estado (art. 9º alinhas d) e e)) – e uma dimensão subjetiva – que prevê uma tutela dos valores ambientais (art. 66º da CRP).

Ora considerando que o Homem é um ser sofisticadamente natural, este busca frequentemente maneiras de expandir a sua personalidade, encontrando na prática desportiva uma ótima manifestação da sua individualidade e carácter.

As razões que levam ao aumento da prática desportiva podem estar relacionadas com o culto do corpo, com a moda, ou mesmo com a busca de hábitos saudáveis, tendo o Estado o dever fundamental de a promover. A Constituição portuguesa prevê-o em dois artigos – 79º nº2 e 70º nº1 al. d) e nº2 – tendo obtido também concretização legal na Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro, a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto (doravante LBD) – artigos 6º a 8º.

O Desporto, além de direito fundamental social, está também associado ao direito ao livre desenvolvimento da personalidade e ao direito à saúde.

Sendo a maior parte das atividades desportivas praticadas ao ar livre e em contato com a natureza e tratando-se de um veículo de sensibilização dos praticantes para a necessidade de proteger o meio natural, o Desporto e o Ambiente são dois conceitos que se encontram estreitamente ligados.

Dado que a LBD atual não nos fornece nenhum conceito de Desporto, há que remeter a 1992, ano da adoção da Carta Europeia do Desporto, cujo art. 2º nº1 al. a) o definia como “qualquer forma de atividade física que, através de uma participação organizada ou não, têm por objetivo a expressão ou o melhoramento da condição física e psíquica, o desenvolvimento das relações sociais ou a obtenção de resultados na competição a todos os níveis”.

Foi também concretizada na legislação, uma lista a título exemplificativo das atividades qualificadas como Desportos de Natureza, no artigo 3º nº3 do Decreto Regulamentar n.º 18/99, de 27 de Agosto:

 “a) O pedestrianismo;
b) O montanhismo;
c) A orientação;
d) A escalada;
e) O rapel;
f) A espeleologia;
g) O balonismo;
h) O pára-pente;
i) A asa delta sem motor;
j) A bicicleta todo o terreno (BTT);
l) O hipismo;
m) A canoagem;
n) O remo;
o) A vela;
p) O surf;
q) O windsurf;
r) O mergulho;
s) O rafting;
t) O hidrospeed;
u) Outros desportos e atividades de lazer cuja prática não se mostre nociva para a conservação da natureza”.


Mas a verdade é que estas duas realidades – Ambiente e Desporto – são susceptíveis de entrar em confronto: Certo desporto pode determinar o desgaste do meio biológico em que se desenvolve, principalmente se possuir carácter periódico, for um desporto de competição, que “mova multidões” e obrigue à instalação de grandes infraestruturas, gerando emissões de gases poluentes. Segundo a expressão utilizada pela profª Carla Amado Gomes, existe “uma relação de amor-odio entre o ambiente e o desporto”.

Busca-se uma estabilidade entre essas duas realidades através do artigo 31º da LBD, com a epígrafe “Desporto na natureza”:
1 - A atividade física e a prática desportiva em espaços naturais devem reger-se pelos princípios do respeito pela natureza e da preservação dos seus recursos, bem como pela observância das normas dos instrumentos de gestão territorial vigentes, nomeadamente das que respeitam às áreas classificadas, de forma a assegurar a conservação da diversidade biológica, a proteção dos ecossistemas e a gestão dos recursos, dos resíduos e da preservação do património natural e cultural.
2 - As atividades mencionadas no número anterior devem contribuir para a divulgação e interpretação do património natural e cultural, a sensibilização e educação ambientais e a promoção do turismo de natureza.”

A sua relação pode ser vista, através de duas perspetivas:
·         Sentido Positivo – proporciona ao praticante o contacto com a natureza e a oportunidade privilegiada de valorizar-se para além do desporto, aproximando-se do património natural e cultural (nº2).
·         Sentido Negativo – a prática desportiva encerra perigos para a natureza por via dos diferentes e múltiplos impactes que pode acarretar.

Impõe-se então, o controlo prévio sobre essas atividades que possam provocar impactos negativos e significativos no meio ambiente, de forma a salvaguardar os recursos frágeis e de interesse coletivo.

Este artigo 31º constitui o ponto-de-partida de um conjunto de medidas tendentes a prevenir e a minorar os efeitos negativos da prática desportiva e a valorizar os benefícios dessa prática no que toca à educação ambiental dos agentes desportivos.

O Estado tem então um papel fundamental no âmbito legislativo de forma a limitar a ingerência das autoridades administrativas com competência em sede ambiental. Daí ser imperativa a definição de critérios de planificação territorial ecologicamente conformados das estruturas aptas a receber eventos desportivos, bem como de criação de espaços verdes em centros urbanos, que seduzam as pessoas para práticas desportivas saudáveis e de proximidade. A Administração deve também ser dotada de competências autorizativas e de fiscalização de eventos desportivos no meio natural.

A massificação do desporto, quer por força de fatores extrínsecos, como o aumento do número de espectadores graças aos media e ao aproveitamento publicitário destes, quer por fatores intrínsecos, como o aumento do número de modalidades e de praticantes devido à consciencialização dos benefícios para a saúde e dos enormes dividendos financeiros associados à prática profissional de determinados desportos (p.e., o futebol), originou a responsabilidade pela divulgação e adoção de princípios de sã convivência entre desporto e ambiente, pelas respetivas federações desportivas.

A importância deste tema atingiu enormes proporções, tendo -se dele ocupado algumas organizações internacionais, como o Conselho da Europa, destacando-se, no entanto, o Comité Olímpico Internacional, um dos mais empenhados ativistas da causa ambiental.

Esta instituição tem como estandartes a promoção e o apoio da consciencialização quanto às questões ambientais e a promoção do desenvolvimento sustentável no desporto.

Tendo isso em vista, definiu o Ambiente como uma terceira dimensão do movimento olímpico – traduzida na realização de inúmeras conferências mundiais e regionais sobre o tema; na criação de uma comissão dedicada ao meio ambiente; na colaboração com o programa da ONU para o Ambiente; e finalmente, no estabelecimento de manuais de candidatura à organização dos Jogos Olímpicos, com restritos requisitos ambientais.

A sua primeira manifestação foram os Jogos Olímpicos de Sidney, em 2000, seguidos do Campeonato do Mundo de Futebol de 2006, na Alemanha, considerado o primeiro grande evento desportivo climaticamente neutro, e mais recentemente, os Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim.



BIBLIOGRAFIA:

Ø  GOMES, Carla Amado, Ambiente e Desporto: Ligações Perigosas, in Separata de Desporto & Direito – Revista Jurídica do Desporto, Ano VI – nº 17 – Janeiro/Abril 2009, Coimbra Editora

Ø  MEIRIM, José Manuel, Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto – Estudos, Notas e Comentários, 1ª Edição, 2007, Coimbra Editora

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