quarta-feira, 11 de abril de 2012


Avaliação de Impacto Ambiental – A questão do deferimento tácito - Acórdão do Tribunal de Justiça de 14/06/2001


        O Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 14/06/2001 foi proferido no âmbito de uma acção por incumprimento, proposta pela Comissão contra a Bélgica. Nesta acção, o que estava em causa era a não adopção pelo Reino da Bélgica das medidas necessárias para a transposição integral de algumas Directivas em matéria ambiental, entre as quais a Directiva 85/337/CEE, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente. Deste modo, estaríamos perante um incumprimento do art. 189º do Tratado da CE (actual art. 288º TFUE).

      Neste caso, destinadas a transpor as directivas, as regulamentações das regiões da Flandres e da Valónia previam um regime de concessão e de recusa tácitas das autorizações, que funcionava do seguinte modo: se a autoridade competente não se pronunciasse em primeira instância, acerca do pedido de autorização, considerava-se que esta era recusada. Pelo contrário, em segunda instância, no silêncio da autoridade competente no prazo previsto, considerava-se que a autorização era concedida. Ou seja, o regime belga de concessão de autorizações tácitas funcionava apenas em “2ª instância”, isto é em caso de ausência de resposta a um recurso administrativo relativo a um indeferimento da autorização.

        A Comissão considerava este mecanismo de autorização tácita incompatível com as disposições das directivas em causa e, para tal, recordou que o objectivo essencial da Directiva 85/ 337 é que “ antes da concessão da aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensão ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos”. Recordou, ainda, que o TJ já tinha declarado que um sistema de autorizações tácitas era incompatível com as exigências da Directiva 80/68, em matéria de ambiente (Ac. TJ 28/02/91) e que, por isso, essa jurisprudência seria igualmente aplicável à Directiva 85/337.

O TJ julgou esta acção procedente.

        Feita esta análise ao referido acórdão, importa agora olhar para o nosso regime jurídico da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA).

        A transposição da Directiva nº 85/337/ CEE, de 27 de Junho, foi levada a cabo, entre nós, pelo DL nº 69/2000, de 3 de Maio que estabelece o regime jurídico da AIA.
        À semelhança do que aconteceu na Bélgica, também o legislador português veio prever a possibilidade de o silêncio da Administração vir dar origem a um deferimento tácito. Assim, poderá questionar-se da conformidade do art. 19º do DL nº 69/2000 com o Direito Comunitário. Será que, em face do referido acórdão, idêntico problema não se coloca em relação a Portugal?

Pela mesma lógica, parece que o Estado Português também estaria em incumprimento das exigências decorrentes da directiva e da sua obrigação de transposição da mesma, visto que este regime vem possibilitar a aprovação de um projecto, sem que este tenha sido efectivamente avaliado.

        Mais gravoso, no caso português, o regime de deferimento tácito funciona logo em 1ª instância e não apenas em sede de recurso de uma primeira decisão sobre a AIA, como acontece no regime belga.

        Do art. 19º/1 do DL nº 69/2000 resulta que se nada for comunicado à entidade licenciadora ou competente para a autorização no prazo de 140 ou 120 dias contados a partir da recepção da entrega da documentação apresentada pelo proponente, então, considera-se que a DIA é favorável. O que temos aqui? Temos nada mais do que uma omissão, uma ausência de actuação da Administração a equivaler ao deferimento tácito da AIA.

        Esta é talvez a norma do regime da AIA que mais críticas suscita por parte da doutrina, e outra reacção não podia deixar de se esperar. Atente-se em primeiro lugar na finalidade e, também, na complexidade do procedimento de AIA.

O procedimento administrativo de AIA destina-se a verificar as consequências ecológicas de um determinado projecto, procedendo à ponderação das respectivas vantagens e desvantagens para o ambiente. Como refere VASCO PEREIRA DA SILVA, a AIA é um instrumento de realização dos princípios ambientais como o princípio da prevenção, uma vez que permite evitar ou acautelar possíveis lesões futuras ao meio-ambiente, e do princípio do desenvolvimento sustentável, obrigando a uma ponderação entre vantagens económicas e os prejuízos para o ambiente.

        Seria suposto o procedimento de AIA terminar com a DIA, que é da competência do Ministro do Ambiente (art. 18º). A DIA é um acto administrativo que é pressuposto de um futuro acto licenciador e consiste numa verdadeira decisão jurídica de ponderação de interesses, que procede a uma análise custos/ benefícios de determinada actividade tendo em conta critérios ambientais. 

        Deste modo, numa DIA ficcionada favorável não verificamos qualquer ponderação de interesses, pois se não houve nenhum acto de avaliação por parte da Administração, isso significa que não foi avaliada, nem ponderada a dimensão ambiental de determinado projecto. Daqui resulta, que o deferimento tácito é completamente contraditório com a teleologia do DL 69/2000 e desrespeitador os princípios fundamentais de direito do Ambiente, já acima referidos.

        De acordo com o art. 20º, a DIA desfavorável passa a ser vinculativa, na medida em que apenas esta decisão impossibilitará uma decisão positiva por parte da entidade licenciadora ou autorizadora.

 A vinculatividade da DIA negativa reforça a ideia de que, para o licenciamento de um projecto, passa ser conditio sine quo non a sua não incompatibilidade ambiental. E o desrespeito destas normas é cominado com a sanção mais gravosa da nulidade – 20º/3.
        O facto de a decisão desfavorável ser vinculativa reforça ainda mais o desenquadramento do deferimento tácito em todo o regime da AIA.
        A própria ficção legal de acto administrativo permite à administração praticar o acto licenciador (art. 20º/1 e3). Porém, será que o deferimento tácito do acto avaliação significa que a Administração pode aprovar, sem mais, o pedido de licenciamento do projecto, sem ter em consideração ou questionar os impactos ambientais do mesmo?

        A resposta tem de ser negativa. VASCO PEREIRA DA SILVA entende que nestas situações, o juízo de ponderação sobre a dimensão ambiental de uma actividade proposta deve ser feito, obrigatoriamente, pela entidade competente para licenciamento ou autorização, que deve ter em consideração o EIA apresentado pelo proponente (art. 19º/2). Desta forma, a entidade licenciadora tem obrigação de ponderar os valores e interesses ecológicos no acto de licenciamento, “sob pena de nulidade, como resulta da interpretação conforme à constituição da regra do art. 20º/3 do DL 69/2000, pois o que estaria em causa nesta situação é a violação dos princípios constitucionais em matéria do ambiente.”

A meu ver, a conclusão deve ser esta: não tendo havido um acto expresso favorável, a entidade licenciadora deve, de certo modo, terminar o que não foi finalizado no procedimento de AIA. Este procedimento não cumpriu a sua finalidade, de apreciar as consequências ecológicas de uma decisão, pelo que terá de ser a entidade licenciadora a fazê-lo, questionando e fundamentando a viabilidade do projecto em termos ambientais. Ou seja, passa a ser esta entidade a encarregue de ter em conta na sua decisão o "factor ambiente", fazendo um juízo de prognose sobre suas consequências ecológicas. Se chegar à conclusão da inviabilidade ambiental do projecto, tem o dever de indeferir o seu pedido.

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