Avaliação de Impacto Ambiental – A questão do deferimento tácito - Acórdão do Tribunal de Justiça de 14/06/2001
O
Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 14/06/2001 foi proferido
no âmbito de uma acção por incumprimento, proposta pela Comissão contra a
Bélgica. Nesta acção, o que estava em causa era a não adopção pelo Reino da
Bélgica das medidas necessárias para a transposição integral de algumas
Directivas em matéria ambiental, entre as quais a Directiva 85/337/CEE,
relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados
no ambiente. Deste modo, estaríamos perante um incumprimento do art. 189º do
Tratado da CE (actual art. 288º TFUE).
Neste
caso, destinadas a transpor as directivas, as regulamentações das regiões da
Flandres e da Valónia previam um regime de concessão e de recusa tácitas das autorizações,
que funcionava do seguinte modo: se a autoridade competente não se pronunciasse
em primeira instância, acerca do pedido de autorização, considerava-se que esta
era recusada. Pelo contrário, em segunda instância, no silêncio da autoridade
competente no prazo previsto, considerava-se que a autorização era concedida.
Ou seja, o regime belga de concessão de autorizações tácitas funcionava apenas
em “2ª instância”, isto é em caso de ausência de resposta a um recurso
administrativo relativo a um indeferimento da autorização.
A
Comissão considerava este mecanismo de autorização tácita incompatível com as disposições
das directivas em causa e, para tal, recordou que o objectivo essencial da
Directiva 85/ 337 é que “ antes da concessão da aprovação, os projectos que
possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua
natureza, dimensão ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus
efeitos”. Recordou, ainda, que o TJ já tinha declarado que um sistema de autorizações
tácitas era incompatível com as exigências da Directiva 80/68, em matéria de
ambiente (Ac. TJ 28/02/91) e que, por isso, essa jurisprudência seria igualmente aplicável
à Directiva 85/337.
O TJ julgou esta acção
procedente.
Feita
esta análise ao referido acórdão, importa agora olhar para o nosso regime jurídico
da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA).
A
transposição da Directiva nº 85/337/ CEE, de 27 de Junho, foi levada a cabo,
entre nós, pelo DL nº 69/2000, de 3 de Maio que estabelece o regime jurídico da
AIA.
À
semelhança do que aconteceu na Bélgica, também o legislador português veio
prever a possibilidade de o silêncio da Administração vir dar origem a um
deferimento tácito. Assim, poderá questionar-se da conformidade do art. 19º do
DL nº 69/2000 com o Direito Comunitário. Será que, em face do referido acórdão,
idêntico problema não se coloca em relação a Portugal?
Pela mesma lógica, parece
que o Estado Português também estaria em incumprimento das exigências
decorrentes da directiva e da sua obrigação de transposição da mesma, visto que
este regime vem possibilitar a aprovação de um projecto, sem que este tenha
sido efectivamente avaliado.
Mais
gravoso, no caso português, o regime de deferimento tácito funciona logo em 1ª instância
e não apenas em sede de recurso de uma primeira decisão sobre a AIA, como
acontece no regime belga.
Do
art. 19º/1 do DL nº 69/2000 resulta que se nada for comunicado à entidade licenciadora
ou competente para a autorização no prazo de 140 ou 120 dias contados a partir da
recepção da entrega da documentação apresentada pelo proponente, então,
considera-se que a DIA é favorável. O que temos aqui? Temos nada mais do que
uma omissão, uma ausência de actuação da Administração a equivaler ao
deferimento tácito da AIA.
Esta
é talvez a norma do regime da AIA que mais críticas suscita por parte da
doutrina, e outra reacção não podia deixar de se esperar. Atente-se em primeiro
lugar na finalidade e, também, na complexidade do procedimento de AIA.
O procedimento
administrativo de AIA destina-se a verificar as consequências ecológicas de um
determinado projecto, procedendo à ponderação das respectivas vantagens e
desvantagens para o ambiente. Como refere VASCO PEREIRA DA SILVA, a AIA é um
instrumento de realização dos princípios ambientais como o princípio da prevenção,
uma vez que permite evitar ou acautelar possíveis lesões futuras ao meio-ambiente,
e do princípio do desenvolvimento sustentável, obrigando a uma ponderação
entre vantagens económicas e os prejuízos para o ambiente.
Seria
suposto o procedimento de AIA terminar com a DIA, que é da competência do
Ministro do Ambiente (art. 18º). A DIA é um acto administrativo que é
pressuposto de um futuro acto licenciador e consiste numa verdadeira decisão jurídica
de ponderação de interesses, que procede a uma análise custos/ benefícios de
determinada actividade tendo em conta critérios ambientais.
Deste
modo, numa DIA ficcionada favorável não verificamos qualquer ponderação de
interesses, pois se não houve nenhum acto de avaliação por parte da Administração,
isso significa que não foi avaliada, nem ponderada a dimensão ambiental de determinado
projecto. Daqui resulta, que o deferimento tácito é completamente contraditório
com a teleologia do DL 69/2000 e desrespeitador os princípios fundamentais de
direito do Ambiente, já acima referidos.
De
acordo com o art. 20º, a DIA desfavorável passa a ser vinculativa, na medida em
que apenas esta decisão impossibilitará uma decisão positiva por parte da
entidade licenciadora ou autorizadora.
A vinculatividade da DIA negativa reforça a
ideia de que, para o licenciamento de um projecto, passa ser conditio sine quo non a sua não incompatibilidade ambiental. E o
desrespeito destas normas é cominado com a sanção mais gravosa da nulidade –
20º/3.
O
facto de a decisão desfavorável ser vinculativa reforça ainda mais o
desenquadramento do deferimento tácito em todo o regime da AIA.
A
própria ficção legal de acto administrativo permite à administração praticar o
acto licenciador (art. 20º/1 e3). Porém, será que o deferimento tácito do acto
avaliação significa que a Administração pode aprovar, sem mais, o pedido de
licenciamento do projecto, sem ter em consideração ou questionar os impactos
ambientais do mesmo?
A
resposta tem de ser negativa. VASCO PEREIRA DA SILVA entende que nestas situações,
o juízo de ponderação sobre a dimensão ambiental de uma actividade proposta
deve ser feito, obrigatoriamente, pela entidade competente para licenciamento
ou autorização, que deve ter em consideração o EIA apresentado pelo proponente
(art. 19º/2). Desta forma, a entidade licenciadora tem obrigação de ponderar os valores
e interesses ecológicos no acto de licenciamento, “sob pena de nulidade, como
resulta da interpretação conforme à constituição da regra do art. 20º/3 do DL
69/2000, pois o que estaria em causa nesta situação é a violação dos princípios
constitucionais em matéria do ambiente.”
A meu ver, a conclusão deve
ser esta: não tendo havido um acto expresso favorável, a entidade licenciadora
deve, de certo modo, terminar o que não foi finalizado no procedimento de AIA.
Este procedimento não cumpriu a sua finalidade, de apreciar as consequências
ecológicas de uma decisão, pelo que terá de ser a entidade licenciadora a fazê-lo,
questionando e fundamentando a viabilidade do projecto em termos ambientais. Ou
seja, passa a ser esta entidade a encarregue de ter em conta na sua decisão o
"factor ambiente", fazendo um juízo de prognose sobre suas consequências ecológicas.
Se chegar à conclusão da inviabilidade ambiental do projecto, tem o dever de
indeferir o seu pedido.
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