quarta-feira, 11 de abril de 2012

A criminalização de condutas lesivas do ambiente

Crimes ambientais naturais 

            A defesa do ambiente assumiu a dimensão de bem jurídico objectivo fundamental, alcançando estatuto constitucional, quer como direito fundamental, quer como princípio geral, apenas recentemente. E isso não foi diferente no que toca ao surgimento do Direito Penal do Ambiente, já que apenas há pouco mais de duas décadas tal questão começou a ganhar vida. Como sabemos, agora já não basta a protecção de bens jurídicos tradicionais, como a vida, a honra e o património. Neste momento é necessário caminhar-se para uma protecção mais ampla, sendo imprescindível a protecção de bens e interesses difusos e sociais. E é neste sentido que se entende a orientação criminalizadora dos factos lesivos do meio ambiente, porque este é considerado como um bem substancial e a consciência social assim o dita. Tal também não é de estranhar, já que esta se tem vindo mesmo a generalizar. Se em 1970 na Conferência Europeia sobre a Conservação da Natureza, o Conselho da Europa, propôs a elaboração de um protocolo à CEDH; em 1972, foram seguidos passos idênticos na Conferência de Estocolmo, quando a protecção do ambiente se torna num dos pilares na edificação de uma nova ordem mundial.
            Na verdade, o importante é garantir a cada um o direito a um ambiente são e não degradado. E isso tem sido concretizado. A consciência da relevância da qualidade do meio ambiente para a saúde e para o bem-estar dos cidadãos erigiu de facto, o ambiente num bem jurídico a exigir tutela criminal, porque é essencial para a qualidade da vida colectiva e individual. A razão da incriminação é a relevância dos bens protegidos e a gravidade das sanções aplicáveis aos infractores das normas é justificada pela gravidade do dano e pelas consequências indirectas para a vida e para a saúde das pessoas.
            Tendo em conta esta primeira abordagem sistemática, é igualmente de referir que o princípio da legalidade continua aqui a ser a pedra basilar da questão. Não se pode falar em crime sem prévia lei que discipline a conduta como antissocial Assim se estende também aos crimes contra o meio ambiente: devem estar expressamente previstos em lei, evitando-se a adopção de normas penais em branco. A par desta conjuntura, surge-nos igualmente o princípio da tipicidade, sendo este uma garantia penal do cidadão, o qual precisa saber exactamente o crime e a respectiva pena que lhe é imputada para melhor se poder defender. Neste sentido, será então feita uma observação aos crimes ambientais naturais, previstos nos artigos 278º, 279º e 280º do Código Penal. De advertir, contudo, que o ambiente não se refere apenas a estes crimes que protegem a natureza. Pelo contrário, pode ter um sentido mais amplo, como já foi visto anteriormente em aulas, aquando do estudo do disposto do artigo 66º da CRP.
            O meio ambiente constitui, sem dúvida nenhuma um interesse a legitimar a intervenção do direito penal para a sua tutela. Todavia, não há uma norma penal que tenha por objecto a protecção do bem jurídico ambiente. Pelo contrário, aquilo que encontramos traduz-se numa tutela específica de alguns dos seus elementos componentes. O próprio artigo 6º da Lei de Bases do Ambiente nos faz a indicação dos componentes naturais do mesmo, em contraposição com os componentes ambientais humanos, que se encontram definidos no artigo 17º da mesma Lei. Contudo, nesta investigação, o que releva são os primeiros. Nesse sentido, surge-nos ainda como complemento desta ideia o Principio dois da Conferência de Estocolmo que refere que os recursos naturais devem então ser preservados em benefício das gerações actuais e futuras. Gerações, essas, que merecem desfrutar do melhor ambiente possível, dai ser imprescindível que certas condutas sejam hoje consideradas reprováveis, originando mesmo a aplicação de uma pena privativa de liberdade.
            O artigo 278º do Código Penal tem como fim específico a tutela da fauna, da flora e dos recursos do subsolo e o artigo 279º da água, do solo, do ar e do ambiente sonoro. Contudo, se repararmos o artigo 280º já não protege de forma directa o ambiente. Pelo contrário, o que temos é uma protecção indirecta, visto que o fim imediato se traduz numa protecção em primeira linha de outros bens jurídicos, nomeadamente a vida, a integridade física e os bens patrimoniais de valor elevado. Deste modo, temos então um crime de perigo comum, sendo os elementos constitutivos do ambiente o objecto da acção incriminada. Parece que este quis na verdade utilizar a poluição como mero instrumento de criação do perigo, não se fazendo dele um tipo qualificado em que se acrescentou depois esta mesma realidade.
            Quanto aos dois crimes referidos primeiramente, estes traduzem-se nos denominados crimes de danos, sendo que para a sua consumação importa a efectiva lesão do elemento do meio ambiente natural considerado na norma incriminadora, não sendo de todo punível a tentativa. Cabe agora concretizar: o artigo 278º do Código Penal (crime de dano e de resultado) exige como elemento típico eliminar, destruir ou afectar o objecto sobre que incide a acção e desse modo lesar gravemente os elementos considerados do ambiente natural, fazendo-os desaparecer ou destruir. O importante e aquilo que é visado é que não se esgote os recursos naturais. Contudo, como o homem não subsistiria se não os usasse, o que realmente releva são os termos em que se deve processar essa exploração. A ultrapassagem do limite estipulado implica então uma reacção sancionatória, mas só a criação de uma situação grave em termos de esgotamento de recursos autorizará a criminalização.
            Quanto ao artigo 279º, o dano é a qualidade ambiental das águas, dos solos ou do ar e é essa qualidade que o crime visa tutelar mediante a incriminação das condutas que degradem efectivamente esses elementos da natureza. No fundo, o que se exige é um certo grau de poluição, sendo este conceito definido no artigo 26º da LBA. Poluir traduz-se então como introduzir nas águas, no solo, no subsolo ou na atmosfera efluentes, resíduos radioactivos e outros produtos que contenham substâncias ou micro-organismos que possam alterar as características ou tornar impróprios para as suas aplicações aqueles componentes ambientais e contribuam para a degradação do ambiente. A ocorrência do crime exige assim, ocorrência de poluição grave, o que passa por uma de três consequências: prejuízo duradouro do bem-estar das pessoas na fruição da natureza; impedimento duradouro da utilização de recurso natural e perigo de disseminação de micro-organismo ou substância prejudicial para o corpo ou saúde das pessoas. A estrutura típica deste crime é claramente de um tipo aberto, segundo Germano Marques da Silva. Tal pode ser claramente comprovado pelo próprio artigo, já que o facto típico não é completamente enumerado no tipo legal incriminador, antes tem de ser completado, por limitações impostas pela autoridade competente. É igualmente um tipo modal, pois não basta a produção do resultado típico. É sim preciso que haja lesões em determinadas circunstâncias, ou seja, após as denominadas limitações. Tal é compreensível, pois não é tecnicamente possível definir legalmente, pelo menos de forma estável e duradoura, o grau de poluição das águas, dos solos ou do ar. A moldura penal nos crimes previstos nos artigos 278º e 279º aponta para uma pena prisão até três anos. Mas se o crime for de poluição com perigo comum, a pena de prisão pode ir até oito anos. A par desta protecção, de referir ainda o artigo 46º da LBA que considera crimes infracções que legislação complementar ainda venha a qualificar.
            Em jeito de conclusão, e sem já esta matéria ser alvo de desenvolvimento neste texto, exponho apenas que quanto às infracções que não constituam crime, a LBA, no disposto do artigo 47.º, considera-as como contra-ordenações puníveis com coima, embora em termos a definir por legislação complementar, o que veio a ter lugar no âmbito dos diplomas que ao longo dos anos desenvolveram os instrumentos de política ambiental e os regimes sectoriais previstos na citada lei. A importância da tutela contra-ordenacional do ambiente veio a justificar a aprovação de uma Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais (Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, alterada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, que a republicou, e pela Declaração de Rectificação n.º 70/2009, de 1 de Outubro, que também a republicou), que, na contemporaneidade, convive com o regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro. Mas em matéria de crime, a verdade é que a inclusão no Código Penal destes, veio de forma notória, reforçar a importância do bem jurídico tutelado e apelar à consciência das pessoas do significado da protecção dos recursos naturais. Estes crimes não são meras infracções da ordem pública, mas verdadeiros crimes, puníveis até com a espécie de pena mais grave: a pena de prisão. E se assim é parece que realmente se está a perceber a importância do meio ambiente para todos nós, pois estamos a tomar consciência que todas estas condutas puníveis podem mesmo empurrar a natureza inevitavelmente para o abismo. E não é delas que o ambiente precisa. Pelo contrário, o que necessita é de amigos e defensores que estejam determinados a protege-lo e respeitá-lo… Caminha-se então nessa direccção…

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