Crimes ambientais naturais
Na
verdade, o importante é garantir a cada um o direito a um ambiente são e não
degradado. E isso tem sido concretizado. A consciência da relevância da
qualidade do meio ambiente para a saúde e para o bem-estar dos cidadãos erigiu de
facto, o ambiente num bem jurídico a exigir tutela criminal, porque é essencial
para a qualidade da vida colectiva e individual. A razão da incriminação é a
relevância dos bens protegidos e a gravidade das sanções aplicáveis aos
infractores das normas é justificada pela gravidade do dano e pelas
consequências indirectas para a vida e para a saúde das pessoas.
Tendo
em conta esta primeira abordagem sistemática, é igualmente de referir que o princípio
da legalidade continua aqui a ser a pedra basilar da questão. Não se pode falar
em crime sem prévia lei que discipline a conduta como antissocial Assim se
estende também aos crimes contra o meio ambiente: devem estar expressamente
previstos em lei, evitando-se a adopção de normas penais em branco. A par desta
conjuntura, surge-nos igualmente o princípio da tipicidade, sendo este uma
garantia penal do cidadão, o qual precisa saber exactamente o crime e a
respectiva pena que lhe é imputada para melhor se poder defender. Neste sentido,
será então feita uma observação aos crimes ambientais naturais, previstos nos
artigos 278º, 279º e 280º do Código Penal. De advertir, contudo, que o ambiente
não se refere apenas a estes crimes que protegem a natureza. Pelo contrário,
pode ter um sentido mais amplo, como já foi visto anteriormente em aulas,
aquando do estudo do disposto do artigo 66º da CRP.
O
meio ambiente constitui, sem dúvida nenhuma um interesse a legitimar a
intervenção do direito penal para a sua tutela. Todavia, não há uma norma penal
que tenha por objecto a protecção do bem jurídico ambiente. Pelo contrário,
aquilo que encontramos traduz-se numa tutela específica de alguns dos seus
elementos componentes. O próprio artigo 6º da Lei de Bases do Ambiente nos faz
a indicação dos componentes naturais do mesmo, em contraposição com os
componentes ambientais humanos, que se encontram definidos no artigo 17º da
mesma Lei. Contudo, nesta investigação, o que releva são os primeiros. Nesse
sentido, surge-nos ainda como complemento desta ideia o Principio dois da
Conferência de Estocolmo que refere que os recursos naturais devem então ser
preservados em benefício das gerações actuais e futuras. Gerações, essas, que
merecem desfrutar do melhor ambiente possível, dai ser imprescindível que
certas condutas sejam hoje consideradas reprováveis, originando mesmo a
aplicação de uma pena privativa de liberdade.
O
artigo 278º do Código Penal tem como fim específico a tutela da fauna, da flora
e dos recursos do subsolo e o artigo 279º da água, do solo, do ar e do ambiente
sonoro. Contudo, se repararmos o artigo 280º já não protege de forma directa o
ambiente. Pelo contrário, o que temos é uma protecção indirecta, visto que o
fim imediato se traduz numa protecção em primeira linha de outros bens
jurídicos, nomeadamente a vida, a integridade física e os bens patrimoniais de
valor elevado. Deste modo, temos então um crime de perigo comum, sendo os
elementos constitutivos do ambiente o objecto da acção incriminada. Parece que
este quis na verdade utilizar a poluição como mero instrumento de criação do
perigo, não se fazendo dele um tipo qualificado em que se acrescentou depois
esta mesma realidade.
Quanto
aos dois crimes referidos primeiramente, estes traduzem-se nos denominados
crimes de danos, sendo que para a sua consumação importa a efectiva lesão do
elemento do meio ambiente natural considerado na norma incriminadora, não sendo
de todo punível a tentativa. Cabe agora concretizar: o artigo 278º do Código Penal (crime
de dano e de resultado) exige como elemento típico eliminar, destruir ou
afectar o objecto sobre que incide a acção e desse modo lesar gravemente os
elementos considerados do ambiente natural, fazendo-os desaparecer ou destruir.
O importante e aquilo que é visado é que não se esgote os recursos naturais.
Contudo, como o homem não subsistiria se não os usasse, o que realmente releva
são os termos em que se deve processar essa exploração. A ultrapassagem do
limite estipulado implica então uma reacção sancionatória, mas só a criação de
uma situação grave em termos de esgotamento de recursos autorizará a
criminalização.
Quanto
ao artigo 279º, o dano é a qualidade ambiental das águas, dos solos ou do ar e
é essa qualidade que o crime visa tutelar mediante a incriminação das condutas
que degradem efectivamente esses elementos da natureza. No fundo, o que se
exige é um certo grau de poluição, sendo este conceito definido no artigo 26º
da LBA. Poluir traduz-se então como introduzir
nas águas, no solo, no subsolo ou na atmosfera efluentes, resíduos radioactivos
e outros produtos que contenham substâncias ou micro-organismos que possam
alterar as características ou tornar impróprios para as suas aplicações aqueles
componentes ambientais e contribuam para a degradação do ambiente. A
ocorrência do crime exige assim, ocorrência de poluição grave, o que passa por
uma de três consequências: prejuízo duradouro do bem-estar das pessoas na
fruição da natureza; impedimento duradouro da utilização de recurso natural e
perigo de disseminação de micro-organismo ou substância prejudicial para o
corpo ou saúde das pessoas. A estrutura típica deste crime é claramente de um
tipo aberto, segundo Germano Marques da Silva. Tal pode ser claramente
comprovado pelo próprio artigo, já que o facto típico não é completamente
enumerado no tipo legal incriminador, antes tem de ser completado, por
limitações impostas pela autoridade competente. É igualmente um tipo modal,
pois não basta a produção do resultado típico. É sim preciso que haja lesões em
determinadas circunstâncias, ou seja, após as denominadas limitações. Tal é
compreensível, pois não é tecnicamente possível definir legalmente, pelo menos
de forma estável e duradoura, o grau de poluição das águas, dos solos ou do ar.
A moldura penal nos crimes previstos nos artigos 278º e 279º aponta para uma
pena prisão até três anos. Mas se o crime for de poluição com perigo comum, a
pena de prisão pode ir até oito anos. A par desta protecção, de referir ainda o
artigo 46º da LBA que considera crimes infracções que legislação complementar
ainda venha a qualificar.
Em jeito de conclusão, e sem já esta
matéria ser alvo de desenvolvimento neste texto, exponho apenas que quanto às infracções que não constituam crime, a
LBA, no disposto do artigo 47.º, considera-as como contra-ordenações puníveis
com coima, embora em termos a definir por legislação complementar, o que veio a
ter lugar no âmbito dos diplomas que ao longo dos anos desenvolveram os
instrumentos de política ambiental e os regimes sectoriais previstos na citada
lei. A importância da tutela
contra-ordenacional do ambiente veio a justificar a aprovação de uma Lei-Quadro
das Contra-Ordenações Ambientais (Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, alterada
pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, que a republicou, e pela Declaração de
Rectificação n.º 70/2009, de 1 de Outubro, que também a republicou), que, na
contemporaneidade, convive com o regime geral das contra-ordenações, aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro. Mas em matéria de crime, a
verdade é que a inclusão no Código Penal destes, veio de forma notória, reforçar
a importância do bem jurídico tutelado e apelar à consciência das pessoas do
significado da protecção dos recursos naturais. Estes crimes não são meras
infracções da ordem pública, mas verdadeiros crimes, puníveis até com a espécie
de pena mais grave: a pena de prisão. E se assim é parece que realmente se está
a perceber a importância do meio ambiente para todos nós, pois estamos a tomar
consciência que todas estas condutas puníveis podem mesmo empurrar a natureza
inevitavelmente para o abismo. E não é delas que o ambiente precisa. Pelo contrário,
o que necessita é de amigos e defensores que estejam determinados a protege-lo
e respeitá-lo… Caminha-se então nessa direccção…
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