quarta-feira, 4 de abril de 2012

Contratos de adaptação ambiental

     1)  Os contratos de adaptação ambiental regulados pelo DL nº74/90, de 7 de Março 

     A partir da segunda metade da década de 90, a Administração Pública celebrou contratos de adaptação ambiental com as associações representativas de diversos sectores económicos. Estes contratos tinham como objecto conceder às empresas poluidoras aderentes um prazo para se adaptarem à legislação ambiental vigente, ficando estas autorizadas a desenvolver níveis de poluição que ultrapassavam os limites estabelecidos durante um determinado período.  Em contrapartida, as empresas  aderentes obrigavam-se a dar cumprimento às prescrições estabelecidas e aos prazos indicados no plano de adaptação ambiental acordado e ainda a adaptarem os seus processos produtivos às normas ambientais até ao termo da vigência do contrato.
     Nos termos do 40º/3, al. b) do Decreto-Lei 74/90, seria o Director-Geral da Qualidade Ambiental que tinha competência para, relativamente às empresas já instaladas à data da sua entrada em vigor, fixar por despacho um prazo de adaptação às normas de descarga de àguas residuais. Resulta daqui que a competência atribuída à Administração é a de determinar uma entrada em vigor diferida e faseada para determinados destinatários das novas normas de descarga e não a de derrogar as normas imperativas de polícia ambiental. 
     Na prática, a Administração veio através dos contratos de adaptação ambiental regular por via contratual, em alternativa à emanação do referido despacho do Director-Geral.  Em princípio, nada impediria que assim fosse, uma vez que o 179º do CPA confere a possibilidade de celebração de contratos administrativos sempre que o desejar para exercício das competências materiais que lhe sejam atribuídas por lei. Todavia, a doutrina discutiu se esta solução transitória constituia base normativa suficiente para a celebração de contratos de adaptação ambiental ou se, pelo contrário, esta implicaria uma violação do princípio da tipicidade das formas legais previsto no 112º/6 da CRP, uma vez que a produção dos efeitos das normas em causa ficariam dependentes da prática de um acto administrativo ou da celebração de um contrato administrativo.
     Uma parte da doutrina defendeu que tratar-se-ia de um caso de reenvio normativo da lei para a Administração no sentido desta executar ou adaptar ao caso concreto os seus preceitos e, nesta medida, o acto administrativo que determina o prazo de adaptação ambiental e, consequentemente, o momento do início da vigência da lei manteria a sua natureza e hierarquia administrativa, porque estaria apenas a assegurar a operatividade da lei. Outra parte da doutrina, designadamente GOMES CANOTILHO, entendeu que se tratava de um caso de elevação do acto administrativo ao escalão legislativo, implicando a incorporação do conteúdo do acto da Administração no âmbito da própria lei, tratando-se de uma inconstitucionalidade  material por violação do 112º/6 da CRP.
     Ora, a determinação do momento do início da vigência de uma lei faz ainda parte do conteúdo dessa lei, porque está directamente relacionada com aspectos essenciais relativos aos seus efeitos, pelo que a previsão de que a sua entrada em vigor depende de um acto infra-legal representa uma delegação no poder administrativo de completar o conteúdo do acto legislativo. Para além disso, este tipo de normas transitórias não se confunde com aquelas que fazem depender o início de vigência da lei de regulamentação complementar, pois nestas últimas a lei é inexequível por si mesma, carecendo de uma actividade concretizadora ao nível administrativo para se tornar operacional, enquanto que a norma transitória em discussão tem um efeito constitutivo, já que a lei era exequível por si só, mas por efeito do 40º/3 passa a ser a Administração a ter o poder de determinar o momento em que aquela começa a produzir os seus efeitos. 
     Apesar do exposto, esta norma transitória nunca foi questionada quanto à sua possível inconstitucionalidade e constituiu a base para a maior experiência de contratualização ambiental desenvolvida em Portugal até ao presente. 

2)   Os novos contratos de adaptação ambiental, previstos no 78º do DL nº236/98, de 1 de Fevereiro

     Este novo diploma veio estabelecer “normas, critérios e objectivos de qualidade com a finalidade de proteger o meio aquático e melhorar a qualidade das águas em função dos seus principais usos”, revogando o DL nº 74/90 e, em consequência, a execução dos contratos de adaptação celebrados ao abrigo do antigo diploma findou em 31 de Dezembro de 1999.
     Nos termos do 78º/1, o contrato de adaptação ambiental tem como finalidade a adaptação à legislaçao ambiental em vigor (...) e à redução da poluição causada pela descarga de águas residuais no meio aquático e no solo. 
     Nos termos do mesmo número, os sujeitos contratuais são as associações representativas dos sectores industriais e agro-alimentares e o Ministério do Ambiente e o Ministério responsável pelo sector da actividade económica. No entanto, os ministérios não são sujeitos de direito, pois não são pessoas colectivas nem órgãos, mas simples serviços do Estado. Do 78º/5 parece resultar que a Direcção-regional do Ambiente é o órgão geralmente competente em matéria de descargas poluentes, pelo que deve ser também ela a celebrar os referidos contratos, ao abrigo do 179º do CPA que estabelece que os órgãos competentes podem optar entre a prática de actos administrativos e a celebração de contratos, na prossecução das atribuições da pessoa colectiva em que se integram. 
     Uma vez celebrado o contrato de adaptação, podem aderir quaisquer empresas de um determinado sector da actividade económica, independentemente de estarem ou não representadas pela associação que celebrou o acordo. Daí que, para assegurar a possibilidade de adesão ao contrato de todas as empresas que o pretendam, se estabeleçam regras destinadas a garantir a necessária publicidade, nomeadamente o 78º/11. 
     Por último, relativamente à fiscalização e sanções, nos termos do 78º/6  os respectivos plano e calendário passam a ser aceites como referência para a fiscalização da actividade das instalações das empresas aderentes no que respeita ao cumprimento das suas obrigações ambientais. E em caso de desrespeito do acordo será notificada a empresa para correcção das faltas cometidas, sob pena da cominação de sanções que podem levar à exclusão do contrato por decisão fundamentada do Director-Geral do Ambiente (78º/7 e 8).
     O 78º regula o regime jurídico deste tipo contratual numa tentativa de passar para a letra da lei aquilo que já resultava da prática administrativa, numa tentativa de sanar a deficiente base legal que os contratos originais apresentavam. No entanto, do que será exposto de seguida será facil perceber que foi uma tentativa falhada.
     Em primeiro lugar, parece decorrer do 78º/1 e 3 que se pode isentar as empresas aderentes, por via contratual, durante o período de adaptação, do cumprimento de quaisquer normas ambientais imperativas que estejam em vigor. No entanto, a doutrina tem adoptado uma interpretação restritiva da norma, limitando o seu âmbito de aplicação aos processos de adaptação das empresas já instaladas à nova legislação introduzida pelo novo diploma, pois de outra forma estar-se-ia a violar o princípio da tipicidade das formas de lei. 
     Em segundo lugar, a solução consagrada no 78º/3 é mais censurável que a estabelecida no 40º/3 do antigo diploma. Enquanto que neste último as normas ambientais não chegavam a entrar em vigor, porque o referido preceito fazia depender o seu início de vigência de um acto administrativo a praticar pelo Director-Geral da Qualidade Ambiental, na nova solução as normas do diploma entram plenamente em vigor findo o prazo de vacatio legis, vindo o 78º/3 habilitar a Administração a suspender os efeitos das normas deste diploma, violando directamente o 112º/6 da CRP. 
     Entre a doutrina será de destacar a opinião de MARK KIRKBY, que defende que o contrato de adaptação ambiental no quadro do ordenamento jurídico constitucional português terá sempre que ser analisado como marginal ou residual, relativamente a outros instrumentos de actuação administrativa ambiental. Enumera ainda três situações em que a utilização de contratos administrativos no domínio do ambiente será sempre lícita, nomeadamente:
  • Contratos de adaptação a normas legais que estabelecem limites imperativos de poluição, mas cuja previsão ou estatuição comporte uma determinada margem de abertura;
  • Contratos de adaptação a normas de natureza regulamentar, isto é, contratos substitutivos de actos administrativos praticados no exercício de poderes administrativos de polícia ambiental do tipo preventivo;
  • Contratos de promoção ambiental, ou seja, contratos através dos quais as unidades poluentes se comprometem a melhorar as suas prestações ambientais minímas definidas por lei imperativa.
     Igualmente VASCO PEREIRA DA SILVA, entende que apesar de não ser admissível a existência de contratos administrativos violadores dos príncipios constitucionais da legalidade e da tipicidade dos actos normativos, tal não significa o afastamento da celebração de contratos de adaptação ambiental, em razão de valores que estes também prosseguem, como a eficácia, participação e tutela da confiança. 
     Este autor entende que, para além da admissibilidade de celebração de contratos de adaptação ambiental no domínio correspondente à margem de apreciação ou de decisão por parte de Administração, elencadas acima por MARK KIRBY, considera ainda  admíssivel os contratos de adaptação ambiental que se afastem de limites legais, a título excepcional, desde que isso seja possível encontrar cabimento na previsão legislativa, não corresponda a uma situação de fraude à CRP ou fraude à lei e não ponha em causa os princípios fundamentais da actuação administrativa, nomedamente os princípios da igualdade, proporcionalidade e imparcialidade. Tendo em conta que o 112º/6 da CRP tem como finalidade evitar fugas à hierarquia dos actos normativos, se os contratos de adaptação ambiental não configurarem uma situaçao de fraude, mas antes um mecanismo concertado e gradual de aplicação à lei, nos termos em que ela própria estabelece, não existirá violação da disposição constitucional.
     Ainda ficaria todavia dependente de mais duas condições,  nomeadamente a de que fosse razoável considerar que a lei fixadora de limites consagrava dois regimes jurídicos, o geral, imediatamente aplicável; e o especial, apenas parcialmente determinados pela lei e cuja aplicação ficaria dependente da celebração de um contrato administrativo; e que esse regime especial apesar da margem de decisão conferida à Administração, estaria sempre limitado pelas regras de competência, de fim e pelos princípios fundamentais da actividade administrativa. 
     Desde que verificadas estas condições, VASCO PEREIRA DA SILVA considera admissível os contratos de adaptação ambiental no ordenamento jurídico português.  

     Bibliografia:
  • KIRKBY, Mark Bobela-Mota, “Os contratos de adaptação ambiental: a concentração entre a Administração Pública e os particulares na aplicação de normas de polícia administrativa”, FDL, 2000;
  • SILVA, Duarte Bernardo Rodrigues, “Os contratos de adaptação ambiental”, FDL, 2001
  • SILVA, Vasco Pereira da,  "Verde, Cor de Direito. Lições de Direito do Ambiente", Almedina, 2002.


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