Em
tempo de seca meteorológica em território continental, a tutela apresenta um
Plano Nacional para o Uso Eficiente da Água, dando um novo fôlego a uma
estratégia que, apresentada há sete anos, nunca chegou a “sair da gaveta”. O
planeamento assume importância vital para a agricultura nacional: o sector que
consome a maioria de água e aquele que mais sofre diretamente com a falta de
chuva.
Olha-se para o céu e desespera-se. A
falta de chuva no horizonte tem levado à angústia os agricultores portugueses,
neste cenário de seca meteorológica.
O Ministério da Agricultura, Mar, do
Ambiente e do Ordenamento do Território (MAMOT) tem-se desdobrado em várias
frentes. Por um lado, o anunciado Plano Nacional de Uso Eficiente da Água, cuja
primeira versão encontra-se disponível desde o início de Abril. Por outro lado,
a criação da Comissão da Prevenção, Monotorização e Acompanhamento da Seca
(CPMAS), aprovada em Conselho de Ministros, a 15 de Março, e anteriormente, do
Grupo de Acompanhamento e Avaliação dos Impactes de Seca 2012.
A questão dos impactes das secas acaba
por estar bastante entrecruzada com o uso eficiente de água e,
consequentemente, com medidas de planeamento para os diferentes sectores. Neste
aspecto, a tradição portuguesa não é famosa. Em 2005, foi aprovado em Conselho
de Ministros o Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água, que, desde
então, nunca foi implantado. Desde 2001 que as 87 medidas contidas no plano
para poupar água na agricultura, indústria e abastecimento urbano estavam
definidas.
Um especialista da Universidade de Évora,
Mário de Carvalho, denuncia a falta crónica de antecipação e planeamento. “Para
minimizar os impactes da seca seria necessário um trabalho de planeamento que
nunca foi feito. É essencial uma política geral de uso eficiente da água e de
captações, algo que não temos”, afirma. “As lacunas de planeamento são
especialmente graves, tendo em conta que, em média, há um ano de seca em cada
dez”, lembra o docente e investigador. Mário de Carvalho foi um dos
coordenadores do Sistema de Previsão e Gestão de Seca, desenvolvido através de
uma parceria entre a Universidade de Évora e a Universidade do Porto, que
avalia os impactes socioeconómicos nos diferentes sectores.
Para dar um novo fôlego às questões do
planeamento, a tutela tem trabalhado no Plano Nacional para o Uso Eficiente da
Água. “Estamos a viver um período de seca, portanto é de todo apropriado e
premente um planeamento de uso de água”, explicou o secretário de Estado do
Ambiente, Pedro Afonso de Paulo. O responsável adianta que, para os vários
sectores “as métricas e as eficiências são diferentes, mas que os objectivos
sectoriais não serão compulsivos, mas indicativos”. A penalização do uso
ineficiente da água e o alinhamento de uma série de incentivos para
consumidores e entidades gestoras dos serviços urbanos serão um dos eixos
principais de atuação da tutela.
A Federação Nacional de Regantes de
Portugal (FENAREG) mostra alguma expectativa sobre este documento que há algum
tempo está a ser apresentado. Como prioridade, a FENAREG apela à adequabilidade
das medidas e à sustentação financeira do sector. “ O sector agrícola quer
produzir mais e melhor, utilizando o recurso água de forma equilibrada”, diz a
federação.
Sorvedouro
de água
Na estratégia comunitária para melhorar a
eficiência na utilização da água, a agricultura desempenha um papel crucial. Em
Março, a Agência Europeia do Ambiente (AEA) divulgou o relatório “Towards
eficiente use of water resources in Europe” (“Rumo ao uso eficiente dos
recursos hídricos na Europa”), o primeiro de uma série de documentos sobre a
temática, que serão apresentados em 2012. No relatório, a AEA expressa a sua
preocupação pela falta de eficiência no sector agrícola e lembra que, na média
europeia, a agricultura representa 33 por cento do consumo de água. Já nos
países de Sul, a média aumenta drasticamente para 80 por cento.
As medidas propostas pela agência
europeia vão desde melhorias tecnológicas na rega a políticas de preço que
incentivem a eficiência. No primeiro lado da questão, é sugerido que os
agricultores optem, cada vez mais, pela rega gota-a-gota, que é 90 por cento
mais eficiente do que pela rega por aspersão. Além disso, “para a água usada na
irrigação é necessária uma estrutura de preços que dê maiores incentivos para
eficiência de recursos e que permita maior transparência em comparação com
outros usos, para evitar a subsidiação cruzada de outras partes da sociedade”,
defende a AEA.
Porém, a componente política não se
esgota nos preços, estendendo-se também na integração entre sectores. No
documento faz-se o apelo à integração de políticas nas áreas de gestão de
recursos hídricos, agricultura, uso do solo e energias renováveis, tanto ao
nível comunitário, como nos patamares inferiores de decisão.
Em Portugal, a agricultura assume-se como
o principal consumidor sectorial de água, absorvendo cerca de 70 por cento das
disponibilidades hídricas existentes. Segundo o censo agrícola de 2009,
desenvolvido pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), o volume de água
consumido para esse ano foi de cerca de 3,5 mil milhões de metros cúbicos. Por
região, o Alentejo é a região com maior consumo de água (28 por cento), seguido
do Ribatejo e Oeste (23 por cento) e do Entre Douro e Minho (16 por cento).
Tendo em conta este cenário, os
especialistas não deixam de assinalar as melhorias no uso de água feitas pelo
sector agrícola. “Indiscutivelmente que melhorou”, assegura Francisco Avillez,
sócio-fundador da Agroges – Sociedade de Estudos e Projetos. O especialista,
que é também coordenador do Grupo de Peritos para a Reforma da Política
Agrícola Comum pós-2013, lembra a tendência de quebra do sector, que acaba
inevitavelmente por resultar numa redução de água regada e numa maior
concentração em áreas de maior rentabilidade. A juntar, a “melhoria
significativa dos sistemas de rega” veio contribuir para uma maior eficiência
no uso de água Muito embora “haja uma reconversão dos regadios públicos mais
lenta do que se quereria que fosse”.
A FENAREG partilha da mesma visão. “Em
Portugal, alguns sistemas de regadio têm registado evolução em termos de
reabilitação e modernização, respondendo atualmente a mais elevados padrões de
utilização de água, tempo e energia”, comenta a federação. Não obstante, a
Federação de Regantes aponta o regadio como o caminho para uma maior eficiência
no uso da água, aliada à garantia de competitividade da agricultura portuguesa.
“Nesse sentido, é vital a reabilitação e modernização dos regadios públicos
existentes, a construção de novos regadios e o apoio ao investimento dos
agricultores para a renovação e aquisição de equipamentos de rega.” A federação
sublinha ainda que Portugal está no mesmo patamar de eficiência no uso da água
do que outros países com idênticas condições mediterrâneas, como Espanha,
Grécia e Itália.
Somos da opinião que a questão do uso
eficiente da água na agricultura tem de se voltar para os preços. A água tem um
preço tão baixo que nem é contabilizada pelo agricultor como um custo de produção,
dando lugar a um uso despesista do recurso.
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