Tradicionalmente a ordem jurídica faz uso de dois sistemas
de normas em ordem a reagir às agressões dirigidas ao meio ambiente: o direito
penal clássico associado à aplicação de penas de prisão ou multa, e o direito
de mera ordenação social associado à aplicação de coimas e sanções acessórias
particularmente adequadas à punição das pessoas colectivas ou equiparadas. Haverá que fazer intervir meios jurídicos não
penais no esforço de contenção e domínio dos riscos globais, nos quadros
daquilo que se vai chamando o «Estado-prevenção». A ideia subjacente a esta tese nutre-se do
reconhecimento de que a função do Direito de criador de normas de orientação
social e de comportamento individual é indispensável à conservação e
desenvolvimento de qualquer sociedade, do presente ou do futuro, e que para ela
não existe alternativa.
O direito penal
apenas tutela os valores fundamentais de uma colectvidade, e como já estudámos,
o ambiente reúne estas características. Tudo o que vá para além disto
ultrapassa o fundamento legitimador da intervenção penal neste domínio. Para
uma defesa global da humanidade perante os mega-riscos que a ameaçam, o direito
penal constituiria à partida um meio (nas palavras de Jorge Figueiredo Dias)
“democraticamente ilegítimo e, ademais, inadequado e disfuncional”. Por outro
lado, o direito penal é um ramo subsidiário, isto é, deve constituir a última ratio da intervenção estadual na tutela
dos valores e interesses fundamentais uma vez que recorre a sanções
particularmente gravosas. Obriga, desde logo, a que a sua intervenção seja
legítima apenas quando o interesse fundamental qualificado como bem jurídico é
atingido de forma relevante, não se punindo a ameaça remota de lesão de escassa
importância. A grande parte dos atentados ao ambiente, considerados
isoladamente, são pouco lesivos, e apenas a reiteração da sua conduta é capaz
de conduzir à lesão efectiva do ambiente com repercussões nos bens individuais,
vida, e saúde das pessoas. Não pode ser propósito da intervenção penal alcançar
uma protecção dos riscos globais em si mesmos e como um todo, nem, ainda menos,
lograr a «resolução» do problema da subsistência da vida planetária. Não é nada
este o problema da intervenção penal, antes sim um
problema de ordenação (e de defesa) social, concretamente, o de oferecer o seu
contributo para que os riscos globais se mantenham dentro de limites ainda
comunitariamente suportáveis e, em definitivo, não ponham em causa os
fundamentos naturais da vida. Assim sendo, há que conferir a outros ramos de
direito a tarefa de oferecer às gerações vindouras hipóteses acrescidas de
subsistência e de progresso. Logo ao direito civil, muito mais indulgente que o
direito penal na aferição da responsabilidade e muito menos exigente na sua
individualização, e de resto, como direito privado, particularmente adequado ao
tratamento de questões que, na sua grande maioria, emergem do «mercado» e têm
nele a sua origem. Mas sobretudo ao direito administrativo, porventura
intensificado na sua vertente sancionatória a quem cabe por excelência, dada a
sua natureza de braço executivo da própria Administração, a ponderação de
milhares e milhares de situações conflituantes entre os interesses mais vitais
da sociedade e os legítimos interesses dos administrados; e que por isso estará
em posição inigualável para levar a cabo uma política de prevenção dos riscos
globais. Como defende o Professor Vasco Pereira da Silva, “a via mais indicada
para a tutela sancionatória do ambiente não dispensa a criminalização das
condutas mais graves de lesão do ambiente, já que a defesa do ambiente é parte
integrante dos valores fundamentais das sociedades em que vivemos e corresponde
a (renovadas) exigências de realização da dignidade da pessoa humana, mas sem
que isso signifique a banalização do Direito Penal do Ambiente, pois o modo normal
de reacção contra delitos ambientais deve ser antes o das sanções
administrativas ou contra-ordenações.”
No direito
Português podemos salientar o Capítulo III do Título IV, nos artigos 272.º ss
do Código Penal , bem como sanções administrativas na modalidade de
contra-ordenações no DL 422/82 de 27 Outubro, sendo que daí resulta a conhecida
“acessoriedade administrativa do Direito Penal do Ambiente”. Conjuga-se assim a tutela penal com a contra-ordenacional
do ambiente, abrindo caminho para uma “reacção sancionatória plena, adequada e
efectiva da ordem jurídica contra comportamentos delituosos lesivos do ambiente”.
Por estes motivos e outros mais específicos em matéria
penal, a transposição das Directivas Comunitátias relativas ao ambiente para o
direito interno foi feita estabelecendo sanções de natureza administrativa para
a sua violação, através nomeadamente de reformas ao nível do direito das
contra-ordenações. A Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais publicada em
finais de Agosto de 2006 modifica e aumenta o valor das coimas que podem
atingir os 2,5 milhões de euros, e associa o seu regime primariamente a um
quadro próprio de contra-ordenações ambientais e apenas subsidiariamente ao
regime geral das contra-ordenações (art. 2.º/1 Lei n.º 89/2009 de 31 de Agosto).
O art.1.º/2 Lei
n.º 50/2006 de 29 de Agosto (Alterada por Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto,
rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 70/2009, de 1 de Outubro) qualifica como contra-ordenação
ambiental “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente
à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que
consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima.”
Torna-se, como
diz Jorge Figueiredo Dias, “indispensável pois, neste tempo pós-moderno, uma
nova ética, uma nova racionalidade, uma nova política. Porque em causa está a
própria subsistência da vida no planeta e é preciso, se quisermos oferecer uma
chance razoável às gerações vindouras, que a humanidade se torne em sujeito
comum da responsabilidade pela vida.”
Sem comentários:
Enviar um comentário