sábado, 7 de abril de 2012

Tutela Penal e Contra-Ordenacional do Ambiente


   Tradicionalmente a ordem jurídica faz uso de dois sistemas de normas em ordem a reagir às agressões dirigidas ao meio ambiente: o direito penal clássico associado à aplicação de penas de prisão ou multa, e o direito de mera ordenação social associado à aplicação de coimas e sanções acessórias particularmente adequadas à punição das pessoas colectivas ou equiparadas. Haverá que fazer intervir meios jurídicos não penais no esforço de contenção e domínio dos riscos globais, nos quadros daquilo que se vai chamando o «Estado-prevenção».  A ideia subjacente a esta tese nutre-se do reconhecimento de que a função do Direito de criador de normas de orientação social e de comportamento individual é indispensável à conservação e desenvolvimento de qualquer sociedade, do presente ou do futuro, e que para ela não existe alternativa.

O direito penal apenas tutela os valores fundamentais de uma colectvidade, e como já estudámos, o ambiente reúne estas características. Tudo o que vá para além disto ultrapassa o fundamento legitimador da intervenção penal neste domínio. Para uma defesa global da humanidade perante os mega-riscos que a ameaçam, o direito penal constituiria à partida um meio (nas palavras de Jorge Figueiredo Dias) “democraticamente ilegítimo e, ademais, inadequado e disfuncional”. Por outro lado, o direito penal é um ramo subsidiário, isto é, deve constituir a última ratio da intervenção estadual na tutela dos valores e interesses fundamentais uma vez que recorre a sanções particularmente gravosas. Obriga, desde logo, a que a sua intervenção seja legítima apenas quando o interesse fundamental qualificado como bem jurídico é atingido de forma relevante, não se punindo a ameaça remota de lesão de escassa importância. A grande parte dos atentados ao ambiente, considerados isoladamente, são pouco lesivos, e apenas a reiteração da sua conduta é capaz de conduzir à lesão efectiva do ambiente com repercussões nos bens individuais, vida, e saúde das pessoas. Não pode ser propósito da intervenção penal alcançar uma protecção dos riscos globais em si mesmos e como um todo, nem, ainda menos, lograr a «resolução» do problema da subsistência da vida planetária. Não é nada este o problema da intervenção penal, antes sim um problema de ordenação (e de defesa) social, concretamente, o de oferecer o seu contributo para que os riscos globais se mantenham dentro de limites ainda comunitariamente suportáveis e, em definitivo, não ponham em causa os fundamentos naturais da vida. Assim sendo, há que conferir a outros ramos de direito a tarefa de oferecer às gerações vindouras hipóteses acrescidas de subsistência e de progresso. Logo ao direito civil, muito mais indulgente que o direito penal na aferição da responsabilidade e muito menos exigente na sua individualização, e de resto, como direito privado, particularmente adequado ao tratamento de questões que, na sua grande maioria, emergem do «mercado» e têm nele a sua origem. Mas sobretudo ao direito administrativo, porventura intensificado na sua vertente sancionatória a quem cabe por excelência, dada a sua natureza de braço executivo da própria Administração, a ponderação de milhares e milhares de situações conflituantes entre os interesses mais vitais da sociedade e os legítimos interesses dos administrados; e que por isso estará em posição inigualável para levar a cabo uma política de prevenção dos riscos globais. Como defende o Professor Vasco Pereira da Silva, “a via mais indicada para a tutela sancionatória do ambiente não dispensa a criminalização das condutas mais graves de lesão do ambiente, já que a defesa do ambiente é parte integrante dos valores fundamentais das sociedades em que vivemos e corresponde a (renovadas) exigências de realização da dignidade da pessoa humana, mas sem que isso signifique a banalização do Direito Penal do Ambiente, pois o modo normal de reacção contra delitos ambientais deve ser antes o das sanções administrativas ou contra-ordenações.”

No direito Português podemos salientar o Capítulo III do Título IV, nos artigos 272.º ss do Código Penal , bem como sanções administrativas na modalidade de contra-ordenações no DL 422/82 de 27 Outubro, sendo que daí resulta a conhecida “acessoriedade administrativa do Direito Penal do Ambiente”.  Conjuga-se assim a tutela penal com a contra-ordenacional do ambiente, abrindo caminho para uma “reacção sancionatória plena, adequada e efectiva da ordem jurídica contra comportamentos delituosos lesivos do ambiente”.

Por estes motivos e outros mais específicos em matéria penal, a transposição das Directivas Comunitátias relativas ao ambiente para o direito interno foi feita estabelecendo sanções de natureza administrativa para a sua violação, através nomeadamente de reformas ao nível do direito das contra-ordenações. A Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais publicada em finais de Agosto de 2006 modifica e aumenta o valor das coimas que podem atingir os 2,5 milhões de euros, e associa o seu regime primariamente a um quadro próprio de contra-ordenações ambientais e apenas subsidiariamente ao regime geral das contra-ordenações (art. 2.º/1 Lei n.º 89/2009 de 31 de Agosto).
O art.1.º/2 Lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto (Alterada por Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 70/2009, de 1 de Outubro) qualifica como contra-ordenação ambiental “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima.”

Torna-se, como diz Jorge Figueiredo Dias, “indispensável pois, neste tempo pós-moderno, uma nova ética, uma nova racionalidade, uma nova política. Porque em causa está a própria subsistência da vida no planeta e é preciso, se quisermos oferecer uma chance razoável às gerações vindouras, que a humanidade se torne em sujeito comum da responsabilidade pela vida.”

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