segunda-feira, 16 de abril de 2012

"Um princípio geral de responsabilidade objectiva na tutela ambiental portuguesa?" (comentário, reflexões e tomada de posição))


Pretendemos tomar uma sumária (tanto quanto possível) sobre um tema já antes trazido por um artigo ora publicado atinente a " Um princípio geral de responsabilidade objectiva na tutela ambiental portuguesa?". Para tal, realizaremos uma análise sob dois momentos temporais diversos: antes, e depois do Decreto-Lei 147/2008 de 29 de Julho (doravante, RJRDA).
            

Antes do Decreto-Lei 147/2008 de 29 de Julho

     Propomo-nos primeiramente a realizar uma breve análise dos argumentos enunciados para, de seguida, tomarmos a nossa posição. Desta forma, segue: a favor de um principio geral de responsabilidade objectiva, foram apontados como elementares:

          1. pela insuficiência face à responsabilidade subjectiva, no que toca a áreas sensíveis como a culpa do agente ou os próprios danos visados (ambientais, não ecológicos).
          2. Concausalidade.
          Quanto a estes dois primeiros argumentos, subscrevemos na totalidade. De facto (não fossem duas razões decisivas que marcam as vantagens do surgimento do Decreto-Lei relativo à responsabilidade por danos ambientais - DL 147/2008 de 19/Julho, pela leitura do seu preâmbulo), tratam-se desde logo de dois dos problemas que o próprio professor CUNHAL SENDIM equaciona quando procura averiguar em que medida os prejuízos ecológicos são ressarcíveis através do sistema da responsabilidade civil.
      Relativamente à primeira, é de notar que, por um lado, sendo a maioria das actividades poluentes exercida mediante autorização administrativa e sendo a culpa desta igualmente difícil de provar, restaria a consequência da imputação de danos ambientais através da responsabilidade pelo risco; por outro lado, nao é por acaso que esta se torna uma das grandes reticências quanto à autonomização do princípio da precaução: quanto mais remoto é o nexo de causalidade, mais dificil se torna aceitar os presupostos de responsabilidade subjectiva (nomeadamente a culpa) e mais se justifica avançar para soluções de objctivização da responsabildade (isto porque, mesmo no caso de defesa pela inversão do ónus da prova - como propugna CARLA AMADO GOMES, tanto para o princípio da precaução como, por maioria de razão, para o de prevenção, conduziria, à mesma, a uma diabolica probatio.)
     Relativamente à segunda, não há dúvidas: pensemos nas chuvas ácidas - quando o prejuízo ambiental resulte de vários actos dissociados (no tempo e no espaço), mas a actividade individual de um só não seja suficientemente prejudicial, como proceder? é certo que os artigos 497º/1 e 490º CC delimitam a responsabiliadade pela medida da culpa, mas como poderia esta ser apurada? (felizmente, poderemos actualmente responder, como iremos ver, por via do art. 4º DL 147/2008 que institui o regime da solidariedade, presumindo-se a repartição da responsabilidade em partes iguais).

     3. concretização do 41º/2 efectivada pelo 510º/1 CC.
     Este trata-se, de facto, do ponto mais sensível, que poderia facilmente ser resolvido pela definição em abstracto complementada por listagens, ou pela consagração de uma clausula geral (MANUEL TOMÉ, MANUELA FLORES) - atende-se no exemplo das actividades sujeitas a AIA nos seus anexos I e II do DL 69/2000 -. A nosso ver, pode ser perspectivado de duas maneiras distintas:
  
  A) ou admitimos ver no dano ambiental um dano pessoal (VASCO PEREIRA DA SILVA; FREITAS DO AMARAL - «Na parte em que fixa os pressupostos de imputação, o 41º é directamente aplicável pois a remissão refere-se apenas ao montante da indemnização pecuniária, admitindo-se que ela seja fixada pelos tribunais com recurso às regras do 509º e 510º CC.»)
- este entendimento tem a vantagem de superarmos as posições que rejeitam a imputação pelo instituto da responsabilidade civil (como CUNHAL SENDIM) por não o verem como funcionalmente dirigido à tutela de interesses económicos individuais e, portanto, insusceptível de aplicação a danos colectivos públicos.De facto, os danos ecologicos não parecem ser, à partida, directamente indemnizáveis por estruturas de imputação juridico-civis enquanto não estiver esse bem ecológico associado a um objecto de direito patrimonial, na medida em que se o requerente (igualmente lesado na sua esfera privada) optasse por exigir uma indemnização pecuniária, já não se efectuaria a reparação do prejuízo ecológico;
- aqueles que o subscrevam, naturalmente que conseguirão adaptar o 510º CC, por verem a responsabilidade por danos ambientais como danos ao próprio lesado, no seguimento de um direito subjectivo retirado do art. 66º/1 CRP;
- a boa noticia, tal como adiantaremos à frente: com o advento do DL 147/2008 (embora ainda subsistam dúvidas que se decidirão consoante a corrente adoptada pelo interprete: ecocêntrica ou antropocêntrica), tentou superar-se a indefinição quanto à amplitude de 'danos ambientais';
    
     B)
ou recusamos o dano ambiental como dano pessoal (CARLA AMADO GOMES) - se repararmos, esta vertente naturalmente que surgirá para todos aqueles que, como a autora enunciada, se recusam a ver no art. 66º/1 CRP um direito subjectivo ao ambiente (neste sentido, paralelamente, JORGE MIRANDA).
- para CARLA AMADO GOMES, está antes em causa um dever de preservar, sendo o ambiente um bem público, imaterial e inapropriável, não configurando um direito subjectivo público por a sua dimensão colectiva não poder ser perdida de vista;
- como consequências: não se afigura estranho que a mesma autora venha, também, não só propugnar  pela aplicação do RJRDA exclusivamente em sede de prevenção e reparação do dano ecológico, como rejeitar a autonomia do princípio da precaução (no seguimento de uma diabolica probatio resultante da inversão do ónus da prova na responsabilidade subjectiva - naturalmente, aquiliana , pois seria
fácil ao agente conseguir demonstrar que, tendo em conta os dados científicos conhecidos na altura da eclosão do dano, este não seria previsível, pelo que nunca ninguém seria responsabilizado; não é então  legitimo exigir prova da inocuidade de uma intervenção quando a ciência não é sequer capaz de comprovar a existência de um risco).

     Cabe tomar posição quanto a este ponto 3.
     A nosso ver, não subscrevemos este entendimento de CARLA AMADO GOMES, mas, também, propomos outra solução que não a seguida pela adaptação do art. 510º CC. Não subscrevemos o entendimento acima, por duas razões: por um lado, este "dever ao Ambiente" defendido pela autora não impede um direito - aliás, até o impõe, na medida em que direitos e deveres dependem de uma relação juridica. Ainda que se pense que, no âmbito de Direitos Reais, existem direitos sobre coisas e, no entanto, só podem existir "relações jurídicas" entre pessoas, seguimos VASCO PEREIRA DA SILVA: pela teoria da norma de protecção, afirmar um dever da administração implica afirmar um direito do particular. Mesmo sendo o ambiente um bem colectivo, nada impede que se estabeleçam relações jurídicas concretas entre particulares; por outro lado, também no seguimento da regência, não consideramos que faça sentido distinguir direitos subjectivos de interesses difusos: sem querer entrar numa posição exaustiva sobre a existência ou não de um "direito fundamental ao ambiente" (bastante interessante, mas apenas muito indirectamente tratamos dessa abordagem neste tema), atente-se na grosseira (perdoe-se-me a expressão, mas não há outro nome para expressar  modo como está construído) redacção do art. 22º da LAP, que aplica a responsabilidade civil subjectiva para os alegados interesses difusos.
     Não obstante podermos admitir a existência de um "direito fundamental ao ambiente", propomos outra solução de legislação complementar do artigo 41º/2 LBA: a aplicação do artigo 566º/3 CC, em que quando não puder ser fixado o montante exacto dos danos, o Tribunal julgue equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, admitindo assim claramente a fixação da indemnização segundo critérios judiciais, dentro de limites alargados.
     Independentemente da solução a conferir a esta "legislação complementar", ponto indiscutível é que, tratando-se deste artigo 41º de uma disposição integrada em Lei de Bases, ele carece de algum modo de densificação. Estamos perante uma categoria legal com principios genéricos, que traçam opções politicas primárias e fundamentais de um regime jurídico, cuja disciplina carece de ser desenvolvida e concretizada por legislação subordinada de caracter comum (atente-se no artigo 198º/1/c) CRP); e,  embora possamos considerar que algumas disposições da LBA configurem autênticas “regras de pormenor”, de tal forma auto-aplicativas que se figurem como insusceptiveis de serem desenvolvidas por outras leis (vide, p.ex, o 42º LBA), é o próprio artigo 41º  que, na sua redacção, trata de fazer uma remissão directa.
     Neste prisma, quando o artigo paralelo da aluna sob análise refere que «a densificação embora desejável não é um óbice estanque à admissibilidade do princípio enunciado», concordamos, pois está em causa uma Lei de Bases que nao se destina a dar exequibilidade a uma norma constitucional não exequível por si mesma (como, por exemplo, seria o artigo 63º/2 CRP); mas é por isso mesmo que não pode tratar-se a carência de legislação complementar como um caso de inconstitucionalidade por omissão (283º CRP) nem, tão-pouco, se coloca qualquer problema quanto à validade da LBA se o legislador de abstém de emitir actos legislativos complementares. É, precisamente, neste ponto que caberia perguntar: "até quando poderia, então, ir esta indefinição do legislador, se a mesma não é sancionada?". Daí discordarmos com a aluna quando igualmente refere «...sendo que "sancionar" o enunciado do art.41º da LBA com a inexequibilidade...», pois a questão, do meu ponto de vista, não seria sancionar o fim para o qual a norma foi predisposta, mas antes pressionar o legislador a emitir legislação complementar na medida em que que a inconstitucionalidade por omissão nem sequer é sancionavel por si só no nosso ordenamento.
          
     Cabe avançar. Após analisamos os principais argumentos enunciados no artigo paralelo do qual partimos, cumpre frisar que não foram esses os únicos óbices com os quais nos deparámos ao analisar a possibilidade de enunciar um principio geral de responsabilidade objectiva por danos causados ao ambiente; de facto, persistem outros, que não apenas a exequibilidade (VASCO PEREIRA DA SILVA, FREITAS DO AMARAL)ou inexequibilidade (CARLA AMADO GOMES, MENEZES CORDEIRO, PEREIRA REIS, CUNHAL SENDIM, PEDRO GONÇALVES)  ou não do próprio art. 41º LBA, que se prendem:
           1) deficiente articulação do art. 41º/1 LBA com o 493º/2 CC - para isso, MENEZES LEITÃO propõe que, em caso de actividades perigosas o agente responde, excepto se mostrar que empregou todos os meios exigidos pelas circunstancias, com o fim de prevenir os danos (493º/2). Caso, porém, praticar "uma acção especialmente perigosa", fica-lhe vedada essa demonstração;
           2) persiste uma grande amplitude na utilização dos termos do 41º/1: sem qualquer preocupação de remeter para uma lista de actividades potencialmente perigosas, alarga-se excessivamente o âmbito do instituto
, tal resultando em faltas de balizas limitativas num instituto que, por natureza, deve ser excepcional;
          3) ficam por apurar especialidades do instituto:
- (salvo VASCO PEREIRA DA SILVA e FREITAS DO AMARAL) fixação do quantitativo indemnizatório (é o que leva MC a recusar a exequibilidade do artigo 41º LBA, pois num sistema de responsabilidade por danos ambientais independente de culpa, a fixação do quantitativo da indemnização é, de facto, um aspecto fundamental)
- previsão de presunções de causalidade (na impossibilidade de uma imputação, por exemplo, de danos difusos)
                - repartição de responsabilidade em caso de concurso de presunções

          4)    por último, o que nos faz passar ao ponto seguinte: não adianta mais analisarmos a possibilidade de existência de um princípio geral de responsabilidade objectiva por danos ambientais, primeiramente, À luz do artigo 41º LBA, pois -  tal como nota TIAGO ANTUNES - este deixou de se aplicar pela entrada em vigor do DL 147/2008 (lex specialis derogat generali): de facto, não revogou os artigos do CC, LAP ou LBA - os primeiros, pois eles não dizem especificamente respeito à responsabilidade ambiental; a segunda, pois a LBA são disposições genéricas, próprias de uma lei de bases que acabaram por ser concretizadas pelo RJRDA. Assim, RJRDA apresenta-se como um princípio da especialidade – e, portanto, as normas do CC e LAP deixaram de se aplicar à responsabilidade ambiental, permanecendo para a responsabilidade em geral, pelo que apenas a estas se recorre em caso de lacuna no RJRDA.


Depois do Decreto-Lei 147/2008 de 29 de Julho (RJRDA)
        
Como pudemos ver, vários problemas se acumularam em torno da aplicação do instituto da responsabilidade civil aos danos ambientais, desde Confluência de fontes com articulação deficiente – 41º, 43º e 48º LBA; 22º e 23º LAP; 483º ss CC –, discussão da aplicação directa do artigo 41º/2 LBA, confusão entre tutela de interesses individuais ou difusos (22º LAP), bem como indefinição quanto à amplitude de dano ambiental (atente-se, portanto, no Preâmbulo do RJRDA.
            Em Portugal não havia um sistema estruturado e uniforme de responsabilização por danos causados ao ambiente, sendo esta matéria regulada por um conjunto de normas dispersas e lacunares, cuja revisão era claramente exigida. Ora, não obstante as vantagens da emissão do DL, por um recurso recorrente a polissemias normativas, parece que o legislador conjugou realidades distintas apontadas em diversas direcções, ideal para que, face a  cada corrente (jus-publicista, jus-privatista, ecocêntrica ou antropocêntrica) o DL parece fornecer pelo menos um indício de base sustentável.
         É, precisamente, neste ponto que iremos posicionarmo-nos em publicação seguinte, no que toca a artigo paralelamente publicado no presente blog intitulado «A autonomização do dano ambiental com o Decreto-Lei nº147/2008 de 29 de Julho», face ao qual nos iremos posicionar por tratar do mesmo tema que nos propomos de seguida (em artigo diverso) a desenvolver: “O tipo de danos abrangidos pelo novo RJRDA – natureza ecocêntrica ou antropocêntrica?”


     

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