domingo, 15 de abril de 2012

A credibilidade da rotulagem ecológica dos produtos

1.  Marketing ambiental

Cada vez mais, o marketing ambiental é uma realidade. Muitas estratégias de promoção comercial têm, como objectivo central, chamar a atenção e persuadir os potenciais compradores da bondade ambiental dos produtos.
Começa a ser habitual o facto de os mais insuspeitos produtos do mercado serem associados a alegadas qualidades ambientais. Desde embalagens a produtos de limpeza amigos do ambiente, desde roupa a alimentos sustentáveis; desde carros a cartões de crédito que protegem os ecossistemas. Diariamente o consumidor é assediado com novas e imperdíveis oportunidades de fazer bem ao ambiente consumindo.
Comprovando a eficácia do tema nas estratégias promocionais, por vezes as alusões ao ambiente nem sequer estão relacionadas com as características do produto, mas tão só com campanhas ou ações voluntárias de proteção ambiental, associadas às vendas do produto. Vejam-se os exemplos da plantação de árvores associada à impressão de livros, ao engarrafamento de água da nascente, ou a concertos musicais e ainda a campanha “verde, código, verde”, associando a utilização de cartões de crédito ao apoio financeiro a uma organização não governamental de proteção do ambiente.



Cartão BES/WWF - Contribui para a Natureza



Questão discutível é saber em cada caso se os rótulos que divulgam as ações pró-ambientais do fabricante do produto são verdadeiras manifestações de responsabilidade social e ambiental das empresas, se serão meros “casamentos de conveniência” para permitir ações de marketing através do ambiente, ou se não serão antes casos de publicidade fraudulenta.
Por isso, não só por razões de veracidade da publicidade como por razões de educação ambiental e dos consumidores, impõe-se que a associação de produtos ao ambiente e à natureza seja disciplinada e regulamentada para evitar abusos geradores de fraudes comerciais e, no mínimo, de desinformação dos consumidores.
Acresce que a nova lei dos resíduos anuncia a “promoção de rótulos ecológicos credíveis”, como exemplo de medidas de prevenção de resíduos com incidência na fase de consumo e utilização.
Propomo-nos, então, analisar a “credibilidade” dos rótulos ecológicos, tratando apenas dos rótulos que consistem em auto-proclamações e deixando de lado os rótulos oficiais, ou rótulos ecológicos em sentido estrito. Estes são sistemas de certificação ambiental criados por lei, e que atestam a bondade ambiental de certos produtos cujos impactos  negativos são comprovadamente inferiores a outros da mesma categoria. Os critérios objectivos da sua atribuição estão detalhadamente definidos na lei e uma das condições de utilização é o pagamento de taxas e reavaliações periódicas. Exemplos de rótulos oficiais nacionais são o anjo azul alemão ou o cisne nórdico. Ao nível europeu o rótulo ecológico oficial é a flor europeia. Também não trataremos de alguns rótulos que não se destinam diretamente aos consumidores, mas antes a utilizadores profissionais. É o caso dos rótulos que distinguem os diferentes tipos de plásticos, utilizados comummente nas embalagens para facilitar o trabalho de triagem aos recicladores.


2. Rótulos ecológicos credíveis

Os rótulos, pela facilidade com que transmitem uma mensagem concreta, têm um elevado potencial de influência nos comportamentos dos consumidores, quer seja no ato de compra, quer seja no momento da eliminação como resíduo. Essa é a razão pela qual se defende a necessidade urgente de regulamentação, sobretudo dos rótulos ideográficos. Quando a mensagem ambiental é transmitida através de simples desenhos estilizados, pequenos símbolos gravados no produto ou na sua embalagem que, de forma subtil mas com extrema eficácia, transmitem ao consumidor informações com relevância ambiental, como qualidades ou riscos associados ao produto, formas de utilização ou de eliminação como resíduo.
Não há dúvida de que o impacto de um rótulo em texto é muito mais reduzido do que um rótulo gráfico, sempre mais apelativo, embora não tão explicativo. Daí a importância de promover rótulos icónicos que, mais do que credíveis, sejam compreensíveis, verídicos (objectivos e relevantes) e comparáveis.
Uma das características dos rótulos ideográficos é serem compreensíveis. O significado do rótulo deve ser imediatamente perceptível para o consumidor, dispensado informação adicional. O ideal seria que a informação veiculada pelo rótulo fosse auto-suficiente, sem carecer de quaisquer explicações complementares, embora informação mais detalhada deva sempre estar disponível se o consumidor o pretender. Por isso, a impressão em verde, do símbolo de deposição seletiva de embalagens quando estas devem ser colocadas nos ecopontos azuis (ou papelões), pode induzir os consumidores em erro quanto ao local correto de deposição, já que os ecopontos verdes são destinados ao vidro (vidrões). Todavia, não se pode deixar de ter em consideração o enorme acréscimo de custos de impressão que representa a inclusão de mais uma cor numa embalagem monocromática. Deste modo, a solução mais razoável para transmitir, sem erros, a mensagem ao consumidor, parece ser a colocação do texto complementar “ecoponto azul” junto ao símbolo. Por outro lado, a utilização de variantes de um mesmo símbolo não deve der proibida desde que as diferenças não impeçam a identificação nem a compreensão do significado.  
Conclui-se, deste modo, que a uniformidade é também um aspecto que contribui para a compreensibilidade. Existindo símbolos já bem implantados e amplamente reconhecidos pelo mercado não convém que a criação de novos símbolos, ainda que igualmente eficientes na transmissão da mensagem, possa criar “ruído” e suscitar dúvidas quanto ao conteúdo de cada um.
Fundamental é igualmente que os rótulos sejam verídicos. O Código da Publicidade já consagra o princípio da veracidade, em geral, para todas as comunicações de cariz publicitário[1]. Quando se fala em veracidade relativamente à rotulagem ecológica não se está a considerar apenas os rótulos obviamente falsos, aos quais se aplica o regime sancionatório da publicidade enganosa, mas sobretudo os rótulos que, pela subjetividade que comportam ou pelo contexto duvidoso da sua utilização, sejam susceptíveis de induzir o consumidor em erro. Com efeito, por vezes os rótulos transmitem mensagens altamente subjetivas, difíceis de comprovar, incutindo no consumidor uma ideia de compatibilidade ambiental do produto que não corresponde à realidade. Noutros casos, por generalização, o consumidor é levado a supor que o produto apresenta certas características que se aplicam apenas a uma pequena parte. Assim, a veracidade de um rótulo comprova-se, em primeiro lugar, pelo carácter objectivo e mensurável dos critérios de utilização e, em segundo lugar, pela sua pertinência no contexto em que é invocada. Quanto à objectividade, este é um requisito fundamental para se fomentar a credibilidade dos rótulos. Algumas das menções ambientais veiculadas pelos rótulos, embora não sejam totalmente falsas, são tão vagas e subjetivas que fazem o produto parecer muito melhor do que realmente é. Pense-se, por exemplo, nos rótulos que, sem mais explicação, dizem que o produto é “amigo do ambiente” ou expressão similar. Outra forma de violar a veracidade consiste em invocar qualidades ambientais num contexto amplo, induzindo mais uma vez o consumidor em erro, quanto aos méritos ambientais do produto. Pense-se nos rótulos que contêm o símbolo de reciclagem mas que apenas se referem a uma parte do produto, ou apenas à embalagem, mas sem o dizer expressamente. A este propósito, Delphine Masson fala em “desinformação verde” de forma similar ao conceito anglo-saxónico de “green washing” no sentido de estratégias comunicacionais destinadas a dar um “verniz ecológico” a produtos que de “amigo do ambiente”, têm pouco ou nada.
Os rótulos devem ser também comparáveis, especialmente quando o seu principal objectivo é influenciar as decisões de compra, ajudando os consumidores a optar pelo produto ambientalmente menos nocivo. Daí a importância de promover rótulos que não se limitem  a transmitir informações absolutas segundo uma lógica binária (como produto “verde” versus produto “não verde”) mas permitam uma gama maior de valorações acerca da bondade ambiental do produto, correspondendo melhor à realidade, sem com isso tornar a informação demasiado complexa. Um exemplo é a utilização do rótulo indicativo de papel reciclado acrescido de indicação adicional relativa ao teor de fibra pós-consumo utilizada no papel reciclado.


3. A lacuna da rotulagem ecológica

Os exemplos anteriores mostram a necessidade imperiosa de introduzir na lei normas específicas sobre rótulos ecológicos, que vão mais além do mero controlo da publicidade enganosa.


A proliferação de sinalética mais ou menos enigmática, que não corresponde a quaisquer benefícios ambientais, banaliza a rotulagem e serve apenas como indutora do consumo, levando os consumidores, em última instância, a consumir mais. Ora, a última coisa que se pretende é que a rotulagem ecológica fomente ainda mais o hiper-consumo insustentável, na crença errada de estar a agir como um consumidor ecologicamente responsável.
Com a aprovação do Código da Publicidade, vieram disciplinar-se as práticas de promoção comercial, harmonizando a legislação nacional à luz das diretivas europeias. Desde então, a temática ambiental está presente no Código da Publicidade: é proibida a publicidade que “encoraje comportamentos prejudiciais à proteção do ambiente” (princípio da ilicitude, artigo 7.º alínea g)) e é também proibida a publicidade de veículos automóveis que “contenha situações ou sugestões de utilização do veículo perturbadoras do meio ambiente” (artigo 22.º-A, n.º1 alínea b), sobre restrições ao objecto da publicidade).
Outra novidade foi a introdução de novas “restrições ao conteúdo da publicidade”, das quais se destaca a proibição de utilização abusiva da imagem infantil, associada a produtos não diretamente relacionadas com as crianças. Ora, a associação abusiva de produtos ao ambiente assumiu proporções tais, que exige um posicionamento claro do legislador. Analogamente, impõe-se agora um novo alargamento das “restrições ao conteúdo da publicidade”. Tal como “os menores só podem ser intervenientes principais nas mensagens publicitárias em que se verifique existir uma relação direta entre eles e o produto ou serviço veiculado”[2], também o ambiente só deveria ser invocado como tema central das mensagens publicitárias, quando o produto tivesse uma relação direta com a melhoria da qualidade ambiental.
Cada vez mais, os consumidores fazem as suas opções de compra em função de diferentes factores e, que já não é o preço do produto que condiciona essencialmente a sua escolha. Mais, para um número crescente de consumidores, há fundamentos éticos para a escolha de um ou outro produto. Ora se uma empresa investe na melhoria das características e do comportamento ambiental dos seus produtos, deve poder passar essa informação ao consumidor, como forma de ganhar vantagem no mercado. Assim, a regulamentação legal à admissão de rótulos ecológicos não deve inibir uma saudável concorrência, promotora de produtos melhores e mais ecológicos, nem atuar como contraestímulo ao funcionamento do mercado, na seleção dos melhores produtos do ponto de vista ambiental.
Fruto da convergência do direito do ambiente e do direito do consumidor, o consumo sustentável depende da criação de um ambiente educativo e informativo que permita aos consumidores tomar as decisões de consumo mais corretas. E aí, os rótulos credíveis têm um papel importante a desempenhar.
Somos todos nós que temos a nossa quota-parte de responsabilidade na preservação do Planeta. É verdade que é enquanto cidadãos conscientes da gravidade dos riscos que devemos assumir as nossas responsabilidades ambientais, mas é enquanto consumidores que mais eficazmente podemos contribuir ativa e eficazmente para travar a deterioração ambiental de recursos naturais, dos ecossistemas, das espécies e dos habitats... Todos devemos consumir menos e consumir melhor. Ou seja, enquanto cidadãos podemos e devemos participar, denunciar e colaborar. Mas enquanto consumidores devemos abrandar o consumo e selecionar ativamente as compras com menores impactos ambientais. Em vez de realizarmos um consumo desenfreado, devemos parar para refletir, consumir sustentável e inteligentemente... e ganhar tempo, espaço e qualidade de vida.loitam uma gama maior de valoraçvaloraçvo. Darectivo  apenas dades ambientais num contexto amplo, induzindo mais uma vez o consu









[1] Artigo 10.º, sob a epígrafe princípio da veracidade: “1-A publicidade deve respeitar a verdade, não deformando os factos. 2-As afirmações relativas à origem, natureza, composição, propriedades, e condições de aquisição dos bens ou serviços publicitados devem ser exatas e passíveis de prova, a todo o momento, perante as instâncias competentes” (DL n.º 330/90, de 23 de Outubro, alterado 13 vezes, sendo a última em 2011).
[2] Artigo 14.º do Código da Publicidade.

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