O princípio
da audiência dos interessados surge no âmbito do procedimento de ambiente. (ocupar-me-ei apenas do direito à audiência sob pena de incidir sobre o tema de outra colega).
No
moderno Estado de Direito parece haver uma crescente preocupação com a “legitimação
pelo procedimento”, na medida em que proporciona aos indivíduos e instituições
a sua participação na tomada de decisões mais correctas por parte da
Administração. O procedimento público é uma realidade multifuncional, na medida
em que a par da sua dimensão objectiva (funções legitimadoras, organizatórias,
participativas), reconhece uma dimensão subjeciva, na medida em que é um
instrumento de garantia dos direitos dos particulares. A afectação dos
interesses tanto pode resultar da subtracção de um direito, na imposição de uma
obrigação ou na não atribuição de determinado benefício para o qual o sujeito é
elegível. Para que o sujeito tenha o direito a ser ouvido tem de ser afectado
juridicamente e não meramente de facto, sendo que direito à audiência não pode
ser garantido a toda e qualquer pessoa, sob pena de uma maior lentidão e
burocracia nos procedimentos, sem que a mais valia resultante da sua
participação compense. Caso houvesse a extensão dos direitos procedimentais a
todos os sujeitos que alegadamente fossem afectados pela decisão tornar-se-ia
de difícil, senão impossível, a gestão do procedimento porquanto a
administração ir-se-ia desdobrar em esforços de notificações, audições
contraditórias o que facilmente tornaria
qualquer procedimento em procedimento de massas. A finalidade da audiência pública é assegurar a
aplicação da democracia no Direito do Ambiente. A participação dos cidadãos nos
procedimentos administrativos constitui uma exigência de uma Administração de
umEstado de Direito,e por outro lado um direito fundamental dos indivíduos
(art.267.º/5 CRP). O Código de Procedimento Administrativo consagrou o princípio de
participação dos cidadãos e associações representativas dos seus interesses na
formação das decisões conforme dispõe o artigo 8.º do código em causa, assim como
um direito de audiência dos interessados, que pode ter lugar em qualquer fase do
procedimento (art.59.º CPA), ou depois de concluída a instrução e antes de ser
tomada a decisão final (art.100.º ss CPA). O direito à audiência, a formalidade
em si, consubstancia uma verdadeira garantia jurídico-material. O direito a ser
ouvido tem uma dimensão funcional que se traduz na contribuição do particular
para o apuramento dos factos relevantes mas tem também uma dimensão
garantística. Na primeira valoriza-se o facto de os particulares carrearem para
o procedimento as informações necessárias à decisão com vista à sua instrução
completa, através de um procedimento dialogante, favorecendo-se igualmente a
legitimação das decisões. Na última concretiza-se a participação dos
interessados enquanto indivíduos portadores de interesses próprios que importa
salvaguardar no procedimento, permitindo-lhes que transmitam o seu ponto de
vista sobre o caso em apreço, de modo a não os reduzir a meros objectos da
actividade administrativa. Em qualquer das suas dimensões trata-se de um meio
de que os particulares dispõem para desde logo controlar e influenciar a
actividade da Administração. A audiência dos interessados tornou-se uma fase
necessária de qualquer procedimento, cujo desvalor quando seja preterida é a
invalidade. O Prof. Vasco Pereira da Silva considera que se trata de um vício
do procedimento e não de forma, gerador de invalidade (e não anulabilidade como
resulta da orientação tradicional). O professor regente vai ainda mais longe ao
considerar que a não audiência do particular “poderia igualmente implicar uma ilegalidade material desse mesmo acto,
por ter sido praticado sem a correcta ponderação de todos os valores
envolvidos, o que originaria o “vício de violação de lei”, por violação do
princípio constitucional da “protecção dos ditreitos e interesses legalmente
protegidos” (vide os artigos 266.º/1 CRP e art.4.º CPA). Assim, a falta de
audiência determina a nulidade da actuação administrativa, e a sua realização
sem a correcta ponderação dos interesses em causa gera violação de lei, por
violação do princípio constitucional de respeito pelos direitos e interesses
legalmente protegidos pelos particulares.
O princípio da audiência prévia
reflecte-se numa maior correcção e eficácia da actuação da Administração bem
como numa maior e melhor tutela antecipada de direitos dos particulares. O Procedimento de Ambiente é considerado um
posto avançado de direitos, que tende salvaguardar os direitos em causa, e
tendo em causa que o Ambiente é um direito fundamental (art.9.º alíneas d) e e), e art.66.º CRP), faz todo o sentido
abordar o direito à audiência enquanto formalidade essencial do Procedimento de
ambiente. Não está já em causa o dever do interessado em « prestar a sua
colaboração para o conveniente esclarecimento dos factos e descoberta da
verdade » ( Artº 60 , nº 2 CPA) , nem o poder discricionário da
administração de solicitar informações
aos particulares ( Artº 89º , nº1 CPA) , mas a sujeição da
administração ao dever de audiência dos interessados.
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