quarta-feira, 11 de abril de 2012

A Engenharia Genética e o Direito do Ambiente


   A biotecnologia moderna consiste na alteração do código genético de micro-organismos, o seu plano de desenvolvimento, com um certo objectivo, determinando assim o seu património genético tendo em vista um determinado resultado final[1]. Podemos entender engenharia genética como o conjunto de processos que permitem alterar ou combinar tecnicamente os genes de um organismo.

Perguntar-se-á que relação existe entre esta ciência e o Ambiente? E que interesse terá esta para o Direito do Ambiente?

   Para responder a primeira pergunta, importa saber quais as possíveis consequências da alteração de um gene. A simples alteração de um gene pode significar que determinada pessoa tenha os olhos azuis ou castanhos, um Coeficiente de Inteligência (QI) extremamente baixo, médio ou muito elevado, que venha a padecer de determinada doença hereditária ou não. Se ainda assim não é clara a relação entre a engenharia genética e o Ambiente, pense-se que um gene pode significar que determinado fruto cresce apenas no verão ou durante todo o ano, que a cor do pelo de determinado animal é castanha ou roxa, que determinado animal se pode reproduzir ou que tal não lhe será possível.

   Face ao exposto compreendemos que a engenharia genética pode ter um grande impacto no Ambiente, que da sua prática poderá resultar a transformação do ambiente em algo completamente novo. São estas premissas que nos permitem concluir qual a relevância da engenharia genética para o Direito, para o Direito do Ambiente. Respondendo à segunda pergunta, a engenharia genética interessa ao Direito do Ambiente na medida em que esta carece de tutela jurídica, imaginem-se as consequências de não regular esta atividade, a imaginação humana rapidamente trataria de pôr esta tecnologia ao serviço de interesses económicos e a que custo?

   Quando a engenharia genética implica a manipulação de seres vivos animais ou vegetais, esta acarreta desde logo um enorme risco para o Ambiente como o conhecemos, é da natureza das coisas que os seres vivos se reproduzem, um tomate geneticamente alterado irá conter sementes, que poderão gerar um novo tomateiro que poderá dar frutos, estes portadores daquele gene que foi acrescentado em laboratório. De algo tão simples como um fruto poderá resultar uma nova espécie, que por sua vez poderá significar o desaparecimento de outras espécies “rivais”. A manipulação genética de seres vivos possibilita uma alteração permanente da Natureza.

Vantagens e Desvantagens da Engenharia Genética

   Quando falamos em vantagens e desvantagens da engenharia genética pensamos nestas de uma perspectiva humana, que vantagens e desvantagens acarretará a manipulação genética para o Homem.

   Se pensarmos nos alimentos transgénicos (vegetais), sendo estes produtos vegetais geneticamente modificados, em que um gene de um organismo é inserido noutro, de modo a transmitir-lhe uma propriedade específica. Podemos enumerar vantagens como:
·         O aumento da produção de bens alimentares.
·         Alteração positiva do valor nutricional dos alimentos.
·         Tornar determinados alimentos mais resistentes a condições climatéricas adversas ou a determinadas pragas.
·     Aumentar a resistência dos alimentos ao decurso do tempo (de forma a permitir que tenha um prazo de validade mais alargado).

   A estes mesmos alimentos podemos apontar desvantagens, tais como:
·         A maior dificuldade no controlo de alergias (por exemplo uma maçã geneticamente alterada pode passar a ter propriedades de uma noz).
·         Maior resistência das pessoas e animais a determinados fármacos.
·         O aparecimento de novos vírus, ou o ressurgimento de vírus conhecidos mas mais resistentes.
·         A eliminação de determinadas espécies animais a que aqueles alimentos passaram ser resistentes.
·         O empobrecimento da biodiversidade.

   Esta é uma enumeração não taxativa, que serve apenas para ilustrar a polémica e a discussão que existe em torno da hipotética aplicação destas técnicas.

   Se a manipulação de genes de vegetais é susceptível de causar tamanha divergência, quando se fala em manipulação de genes de Humanos, as divergências multiplicam-se e a discussão adquire uma nova dimensão. É sobre esta que nos vamos debruçar com maior profundidade, sendo neste âmbito que a relação entre o Direito do Ambiente e a engenharia genética é mais evidente.

A Manipulação Genética Humana

   A manipulação genética humana consiste na alteração de genes humanos de forma a que daquela alteração resulte um ser humano com um património genético diferente.

   Imaginamos desde logo as inúmeras aplicações médicas que a engenharia genética poderia trazer à humanidade. Eliminar doenças hereditárias, atribuir determinadas características físicas ou cognitivas às gerações vindouras, maior resistência ao frio ou ao calor, são algumas das possibilidades que esta ciência nos oferece. Mas será isto admissível? Não nos choca que a raça humana possa ser desenhada num laboratório?

   A Lei Fundamental ajuda a responder a estas questões, desde logo, no art.9º alínea e) da CRP “… defender a natureza e o ambiente…” o património genético do povo português certamente que faz parte da natureza e do ambiente do território nacional, resulta da Constituição que é uma tarefa fundamental do Estado a protecção do património genético daqueles que se encontram em território nacional. Poderão alguns dirigir a seguinte crítica quando o legislador constitucional utilizou os preceitos natureza e ambiente, não estava a pensar tutelar esta situação, sendo forçado incluir nesta norma a protecção do património genético. Reconhecemos que é necessário recorrer a uma interpretação extensiva dos conceitos de natureza e ambiente, porém não temos dúvidas de que o património genético se inclui nestes, ainda que num sentido lacto.

   O legislador constitucional consagrou expressamente o Direito à identidade genética, ao património genético, fê-lo no art.26º nº3 da CRP. Este preceito não deixa margem para dúvidas, além do mais parece que o legislador tinha em mente situações como as que podem advir da manipulação genética, para além daquelas que já referimos, parece que esta norma visa tutelar a questão da clonagem “garantirá…a identidade genética…”, leia-se também o nº1 do mesmo art.º “a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade…” note-se que não é possível a um clone, alguém que tem o mesmo património genético de outrem, devendo-se tal facto a uma técnica laboratorial e não a um processo natural, desenvolver livremente a sua personalidade, na medida em que o original detentor daquele património genético já realizou algo com ele, aquele sujeito conhecerá à priori limitações e potencialidades que um não clone não poderia conhecer. Seria também vedado a este sujeito um direito ao património genético nos termos comuns, note-se que quer este quisesse quer não, já existiria uma pessoa com o mesmo código genético, ainda que a primeira tivesse dado o consentimento à sua duplicação (do código genético) o clone nunca teria tido a oportunidade de o fazer.

   Levanta-se a este propósito uma outra questão, a da existência de um domínio do detentor do património genético original sobre os seus clones. Atendendo à situação que expusemos anteriormente existiria sempre uma relação de domínio, já que admitindo-se a possibilidade de dispor do património genético, o seu detentor original poderia sempre dispor do seu direito à identidade genética e pessoal, condenando os detentores subsidiários a existirem sempre, com estes direitos condicionados de forma irreversível e sem que estes tenham tido a oportunidade de ter um voto na matéria.

   Quanto às aplicações médicas da manipulação genética, estas não são vedadas pelo Direito, Portugal aderiu à Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina (CDHB), desta é de destacar o art.2º que estatui o primado do ser humano, em termos práticos significa que caso exista um conflito de interesses entre o individuo e a sociedade ou ciência, deve prevalecer o interesse e o bem-estar do primeiro.

   É ainda de referir o art.5º da CDHB, este estatui que pode ser feita uma intervenção médica na pessoa após o consentimento livre e esclarecido desta. Devendo o doente ter sido informado das consequências e dos riscos da dita intervenção. Por último não é de mais notar que este consentimento pode ser livremente revogável.

   O art.10º estatui o Direito à reserva da vida privada, nomeadamente às condições de saúde, assim como a que se tenha conhecimento do seu estado clínico, não podendo esta informação ser vedada ao doente.

   Quanto ao genoma humano este é expressamente tutelado nos arts.11º a 14º da CDHB. O art.11º proíbe a descriminação em função do património genético. O art.12º limita a realização de testes genéticos a fins exclusivamente médicos, daí não podendo resultar uma desvantagem para o doente. As intervenções genéticas ficam vedadas às situações previstas no art.13º da CDHB. Por fim o art.14º veda a escolha do sexo de uma criança que resulte de um processo de procriação medicamente assistida.

   É também de destacar a relevância do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual resulta o reconhecimento da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da justiça e onde se determina o objectivo da paz mundial.

   Por fim, a CDHB limita a actividade profissional e a busca de inovações para a biotecnologia, determinando que é necessário dominar-se a pesquisa científica e a sua aplicação de modo a prever a possibilidades de reparação de danos mediatos e imediatos ao paciente, ao meio ambiente ou humanidade.

Conclusão

   A engenharia genética quando utilizada em prol da sociedade trará indiscutíveis vantagens, permite o maior conhecimento da estrutura e função dos genes, aprofundar os conhecimentos da fisiologia humana e animal a uma escala sem precedentes, e um maior conhecimento das doenças genéticas sendo que no limite, estas poderiam ser radicadas.

   Como em todas as ciências existe também o reverso da medalha, os conhecimentos podem ser utilizados contra a humanidade, este tipo de conhecimento pode ser utilizado como uma arma, ou de outras formas perversas que levem à discriminação de determinados patrimónios genéticos em detrimento de outros.

   Para evitar os perigos resultantes da investigação e aplicação da manipulação genética a CDHB elenca os seguintes princípios:
·         A organização da lei que tutela a manipulação genética com base na dignidade da pessoa humana e protecção dos direitos individuais, tendo em conta que a humanidade se fez suportada pelos pilares da diversidade genética.
·         Os desenvolvimentos científicos têm sempre como limite os Direito Humanos.
·         A necessidade de harmonização de legislações, sob pena de os limites jurídicos impostos num ordenamento serem facilmente contornados. Uma protecção eficaz só será possível com uma participação conjunta da humanidade.
·         O controlo supranacional na aplicação de conhecimentos jurídicos.
·         Proteger o acesso à informação genética.
·         A aplicação do princípio da precaução. Este entendido como a necessidade de actuar de forma cautelosa, ponderando que poderão surgir efeitos colaterais daquela acção humana. No fundo trata-se de equacionar um risco desconhecido o que exige que se actue com um especial cuidado.

   Posto isto, as limitações ou proibições de estudos científicos devem ser determinadas a partir de colisões desta ciência com Direitos fundamentais, com outros bem jurídicos protegidos (como o ambiente) ou outros instrumentos jurídicos que tenham o mesmo fim.
   
Bibliografia:

·         ARTHUR KAUGMANN, Filosofia do Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, 3.ª ed, 2009, pp. 447 a 485.
·         VASCO PEREIRA D SILVA, Verde Cor de Direito, Almedina, 2002.
·         ANA PAULA MYSZCZUK e JUSSARA MARIA LEAL de MEIRELLES in “Limites éticos e jurídicos na manipulação genética e humana: analise à luz da Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos”.


[1] ARTHUR KAUGMANN, Filosofia do Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, 3.ª ed, 2009, pp. 462.

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