A biotecnologia moderna consiste na alteração do código genético de
micro-organismos, o seu plano de desenvolvimento, com um certo objectivo,
determinando assim o seu património genético tendo em vista um determinado
resultado final[1].
Podemos entender engenharia genética
como o conjunto de processos que permitem alterar ou combinar tecnicamente os
genes de um organismo.
Perguntar-se-á
que relação existe entre esta ciência e o Ambiente? E que interesse terá esta
para o Direito do Ambiente?
Para
responder a primeira pergunta, importa saber quais as possíveis consequências
da alteração de um gene. A simples alteração de um gene pode significar que
determinada pessoa tenha os olhos azuis ou castanhos, um Coeficiente de
Inteligência (QI) extremamente baixo, médio ou muito elevado, que venha a
padecer de determinada doença hereditária ou não. Se ainda assim não é clara a
relação entre a engenharia genética e o Ambiente, pense-se que um gene pode
significar que determinado fruto cresce apenas no verão ou durante todo o ano,
que a cor do pelo de determinado animal é castanha ou roxa, que determinado
animal se pode reproduzir ou que tal não lhe será possível.
Face ao exposto compreendemos que a
engenharia genética pode ter um grande impacto no Ambiente, que da sua prática
poderá resultar a transformação do ambiente em algo completamente novo. São
estas premissas que nos permitem concluir qual a relevância da engenharia
genética para o Direito, para o Direito do Ambiente. Respondendo à segunda
pergunta, a engenharia genética interessa ao Direito do Ambiente na medida em
que esta carece de tutela jurídica, imaginem-se as consequências de não regular
esta atividade, a imaginação humana rapidamente trataria de pôr esta tecnologia
ao serviço de interesses económicos e a que custo?
Quando a engenharia genética implica a
manipulação de seres vivos animais ou vegetais, esta acarreta desde logo um
enorme risco para o Ambiente como o conhecemos, é da natureza das coisas que os
seres vivos se reproduzem, um tomate geneticamente alterado irá conter
sementes, que poderão gerar um novo tomateiro que poderá dar frutos, estes
portadores daquele gene que foi acrescentado em laboratório. De algo tão
simples como um fruto poderá resultar uma nova espécie, que por sua vez poderá
significar o desaparecimento de outras espécies “rivais”. A manipulação
genética de seres vivos possibilita uma alteração permanente da Natureza.
Vantagens
e Desvantagens da Engenharia Genética
Quando falamos em vantagens e desvantagens
da engenharia genética pensamos nestas de uma perspectiva humana, que vantagens
e desvantagens acarretará a manipulação genética para o Homem.
Se pensarmos nos alimentos transgénicos (vegetais),
sendo estes produtos vegetais geneticamente modificados, em que um gene de um
organismo é inserido noutro, de modo a transmitir-lhe uma propriedade
específica. Podemos enumerar vantagens como:
·
O aumento da produção de bens
alimentares.
·
Alteração positiva do valor nutricional
dos alimentos.
·
Tornar determinados alimentos mais
resistentes a condições climatéricas adversas ou a determinadas pragas.
· Aumentar a resistência dos alimentos ao
decurso do tempo (de forma a permitir que tenha um prazo de validade mais
alargado).
A estes mesmos alimentos podemos apontar
desvantagens, tais como:
·
A maior dificuldade no controlo de
alergias (por exemplo uma maçã geneticamente alterada pode passar a ter
propriedades de uma noz).
·
Maior resistência das pessoas e animais
a determinados fármacos.
·
O aparecimento de novos vírus, ou o ressurgimento
de vírus conhecidos mas mais resistentes.
·
A eliminação de determinadas espécies
animais a que aqueles alimentos passaram ser resistentes.
·
O empobrecimento da biodiversidade.
Esta é uma enumeração não taxativa, que
serve apenas para ilustrar a polémica e a discussão que existe em torno da
hipotética aplicação destas técnicas.
Se a manipulação de genes de vegetais é
susceptível de causar tamanha divergência, quando se fala em manipulação de
genes de Humanos, as divergências multiplicam-se e a discussão adquire uma nova
dimensão. É sobre esta que nos vamos debruçar com maior profundidade, sendo
neste âmbito que a relação entre o Direito do Ambiente e a engenharia genética
é mais evidente.
A
Manipulação Genética Humana
A manipulação genética humana consiste na
alteração de genes humanos de forma a que daquela alteração resulte um ser
humano com um património genético diferente.
Imaginamos desde logo as inúmeras aplicações
médicas que a engenharia genética poderia trazer à humanidade. Eliminar doenças
hereditárias, atribuir determinadas características físicas ou cognitivas às
gerações vindouras, maior resistência ao frio ou ao calor, são algumas das
possibilidades que esta ciência nos oferece. Mas será isto admissível? Não nos
choca que a raça humana possa ser desenhada num laboratório?
A Lei Fundamental ajuda a responder a estas
questões, desde logo, no art.9º alínea e) da CRP “… defender a natureza e o
ambiente…” o património genético do povo português certamente que faz parte da
natureza e do ambiente do território nacional, resulta da Constituição que é
uma tarefa fundamental do Estado a protecção do património genético daqueles
que se encontram em território nacional. Poderão alguns dirigir a seguinte crítica
quando o legislador constitucional
utilizou os preceitos natureza e ambiente, não estava a pensar tutelar esta
situação, sendo forçado incluir nesta norma a protecção do património genético.
Reconhecemos que é necessário recorrer a uma interpretação extensiva dos
conceitos de natureza e ambiente, porém não temos dúvidas de que o património
genético se inclui nestes, ainda que num sentido lacto.
O legislador constitucional consagrou
expressamente o Direito à identidade genética, ao património genético, fê-lo no
art.26º nº3 da CRP. Este preceito não deixa margem para dúvidas, além do mais
parece que o legislador tinha em mente situações como as que podem advir da
manipulação genética, para além daquelas que já referimos, parece que esta
norma visa tutelar a questão da clonagem “garantirá…a identidade genética…”,
leia-se também o nº1 do mesmo art.º “a todos são reconhecidos os direitos à
identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade…” note-se que não é
possível a um clone, alguém que tem o mesmo património genético de outrem,
devendo-se tal facto a uma técnica laboratorial e não a um processo natural,
desenvolver livremente a sua personalidade, na medida em que o original
detentor daquele património genético já realizou algo com ele, aquele sujeito
conhecerá à priori limitações e
potencialidades que um não clone não poderia conhecer. Seria também vedado a
este sujeito um direito ao património genético nos termos comuns, note-se que
quer este quisesse quer não, já existiria uma pessoa com o mesmo código
genético, ainda que a primeira tivesse dado o consentimento à sua duplicação
(do código genético) o clone nunca teria tido a oportunidade de o fazer.
Levanta-se a este propósito uma outra
questão, a da existência de um domínio do detentor do património genético
original sobre os seus clones. Atendendo à situação que expusemos anteriormente
existiria sempre uma relação de domínio, já que admitindo-se a possibilidade de
dispor do património genético, o seu detentor original poderia sempre dispor do
seu direito à identidade genética e pessoal, condenando os detentores
subsidiários a existirem sempre, com estes direitos condicionados de forma
irreversível e sem que estes tenham tido a oportunidade de ter um voto na
matéria.
Quanto às aplicações médicas da manipulação
genética, estas não são vedadas pelo Direito, Portugal aderiu à Convenção sobre os Direitos do Homem e da
Biomedicina (CDHB), desta é de destacar
o art.2º que estatui o primado do ser humano, em termos práticos significa que
caso exista um conflito de interesses entre o individuo e a sociedade ou
ciência, deve prevalecer o interesse e o bem-estar do primeiro.
É ainda de referir o art.5º da CDHB, este
estatui que pode ser feita uma intervenção médica na pessoa após o
consentimento livre e esclarecido desta. Devendo o doente ter sido informado
das consequências e dos riscos da dita intervenção. Por último não é de mais
notar que este consentimento pode ser livremente revogável.
O art.10º estatui o Direito à reserva da vida
privada, nomeadamente às condições de saúde, assim como a que se tenha
conhecimento do seu estado clínico, não podendo esta informação ser vedada ao
doente.
Quanto ao genoma humano este é expressamente
tutelado nos arts.11º a 14º da CDHB. O art.11º proíbe a descriminação em função
do património genético. O art.12º limita a realização de testes genéticos a fins
exclusivamente médicos, daí não podendo resultar uma desvantagem para o doente.
As intervenções genéticas ficam vedadas às situações previstas no art.13º da
CDHB. Por fim o art.14º veda a escolha do sexo de uma criança que resulte de um
processo de procriação medicamente assistida.
É também de destacar a relevância do preâmbulo
da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, da qual resulta o reconhecimento da dignidade da pessoa humana, da
liberdade, da justiça e onde se determina o objectivo da paz mundial.
Por fim, a CDHB limita a actividade
profissional e a busca de inovações para a biotecnologia, determinando que é necessário
dominar-se a pesquisa científica e a sua aplicação de modo a prever a
possibilidades de reparação de danos mediatos e imediatos ao paciente, ao meio
ambiente ou humanidade.
Conclusão
A engenharia genética quando utilizada em prol
da sociedade trará indiscutíveis vantagens, permite o maior conhecimento da
estrutura e função dos genes, aprofundar os conhecimentos da fisiologia humana
e animal a uma escala sem precedentes, e um maior conhecimento das doenças
genéticas sendo que no limite, estas poderiam ser radicadas.
Como em todas as ciências existe também o
reverso da medalha, os conhecimentos podem ser utilizados contra a humanidade,
este tipo de conhecimento pode ser utilizado como uma arma, ou de outras formas
perversas que levem à discriminação de determinados patrimónios genéticos em
detrimento de outros.
Para evitar os perigos resultantes da
investigação e aplicação da manipulação genética a CDHB elenca os seguintes princípios:
·
A organização da lei que tutela a
manipulação genética com base na dignidade da pessoa humana e protecção dos
direitos individuais, tendo em conta que a humanidade se fez suportada pelos
pilares da diversidade genética.
·
Os desenvolvimentos científicos têm
sempre como limite os Direito Humanos.
·
A necessidade de harmonização de
legislações, sob pena de os limites jurídicos impostos num ordenamento serem
facilmente contornados. Uma protecção eficaz só será possível com uma participação
conjunta da humanidade.
·
O controlo supranacional na aplicação de
conhecimentos jurídicos.
·
Proteger o acesso à informação genética.
·
A aplicação do princípio da precaução.
Este entendido como a necessidade de actuar de forma cautelosa, ponderando que
poderão surgir efeitos colaterais daquela acção humana. No fundo trata-se de
equacionar um risco desconhecido o que exige que se actue com um especial
cuidado.
Posto isto, as limitações ou proibições de
estudos científicos devem ser determinadas a partir de colisões desta ciência com
Direitos fundamentais, com outros bem jurídicos protegidos (como o ambiente) ou
outros instrumentos jurídicos que tenham o mesmo fim.
Bibliografia:
·
ARTHUR KAUGMANN, Filosofia do Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, 3.ª ed, 2009,
pp. 447 a 485.
·
VASCO PEREIRA D SILVA, Verde Cor de Direito, Almedina, 2002.
·
ANA PAULA MYSZCZUK e JUSSARA MARIA LEAL
de MEIRELLES in “Limites éticos e jurídicos na manipulação genética e humana:
analise à luz da Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos”.
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