quarta-feira, 11 de abril de 2012

Crime de dano contra a natureza – análise de jurisprudência


Este comentário tem como base o crime de danos contra a natureza, previsto no art. 278.º do Código Penal Português:

TÍTULO IV - Dos crimes contra a vida em sociedade; Capítulo III - Dos crimes de perigo comum
Artigo 278.º - Danos contra a natureza

1 - Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições:
              a) Eliminar, destruir ou capturar exemplares de espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens ou eliminar exemplares de fauna ou flora em número significativo;
              b) Destruir ou deteriorar significativamente habitat natural protegido ou habitat natural causando a estes perdas em espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens ou em número significativo; ou
              c) Afectar gravemente recursos do subsolo;
       é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias.
       2 - Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições, comercializar ou detiver para comercialização exemplar de espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens, vivo ou morto, bem como qualquer parte ou produto obtido a partir daquele, é punido com pena de prisão até um 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
       3 - Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições, possuir ou detiver exemplar de espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens, vivo ou morto, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 120 dias.
       4 - A conduta referida no número anterior não é punível quando:
              a) A quantidade de exemplares detidos não for significativa; e
              b) O impacto sobre a conservação das espécies em causa não for significativo.
(…)
O bem jurídico protegido pela incriminação, segundo o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, é a preservação da natureza, nas suas vertentes biofísicas (habitat natural, recursos do subsolo) e biológicas (fauna e flora).
Trata-se de uma norma penal em branco: na sua previsão remete a definição dos elementos do crime para uma normal extra-penal.
A acção só é típica se tiver violado “disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade administrativa competente” em conformidade com aquelas disposições – é pois um crime de desobediência (problema da acessoriedade do direito penal face ao direito administrativo).
Tratando-se de um “crime de perigo comum” está em causa uma conduta humana eticamente reprovável. Segundo o Prof. P. Pinto de Albuquerque o crime de dano contra a natureza em sentido estrito tem uma dupla natureza: é crime de dano quanto ao grau de lesão dos bens jurídicos protegidos e é um crime de resultado combinado com um delito de desobediência quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção.
Cabe agora a análise sucinta do Processo nº 2331/07.0TAPTM. Neste Processo, cuja sentença data de 15 de Fevereiro de 2012, o Tribunal Colectivo do 2º Juízo Criminal da Comarca de Portimão condenou o arguido a dois anos de prisão com pena suspensa por um crime de dano contra a natureza - art. 278.º, 1, a) e b) CP - e sete crimes de desobediência, pela destruição de 1/3 da população de “thymus camphoratus” e de 1/3 das áreas de carrascais, espargueirais e matagais, e pela afectação da população de “linaria algarviana” e de “juncus acutus” com a realização, entre outros, de trabalhos de limpeza de terrenos, abertura de valas de drenagem em área de sapal, destruição da cobertura vegetal no leito e margens da vala de drenagem confinante com a Ria de Alvor, abertura de caminhos, deposição de resíduos sólidos e terras na propriedade da Quinta da Rocha, que se insere no espaço da Ria de Alvor.
Tal sentença constitui, como afirmou a jurista e vice-presidente da associação Quercus, Ana Cristina Figueiredo ao Jornal Público “um marco em termos de jurisprudência ambiental" por tratar-se de uma decisão de condenação pioneira pelo crime de dano contra a natureza.
Não obstante esta inovação jurisprudencial, o Tribunal Judicial de Portimão decretou a execução de pena suspensa – atendendo à ausência de antecedentes criminais do arguido, à sua idade e integração profissional, concluindo que a ameaça de pena e a censura do facto serão bastantes para o afastar da criminalidade – sob a condição de entregar o arguido, no prazo de 6 meses, a quantia de €150,000.00 à ALMARGEM como “demonstração de início de conformação com os valores que violou.
Na minha opinião, esta decisão comprova a ineficácia do sistema sancionatório do ambiente de tipo penal referida pelo Prof. V. Pereira da Silva, uma vez que, embora a sentença tenha demonstrado um reconhecível e aplaudido avanço jurisprudencial, considero que poder-se-ia ter ido mais longe, atendendo aos fins de prevenção geral das penas de restabelecimento e fortalecimento da confiança da comunidade face à violação de normas essenciais à sua existência que, prevalecendo no meu entender aos fins de prevenção especial de reintegração do arguido, deveriam obstar à decisão de pena suspensa na execução.

Madalena Afra Rosa
18270

Sem comentários:

Enviar um comentário