quarta-feira, 11 de abril de 2012


Requiem pela autonomização do Princípio da Precaução face ao Principio da Prevenção

À luz de uma sociedade como aquela em que vivemos, onde são crescentes os fatores de risco para a natureza e existe uma consciência generalizada da escassez dos recursos naturais, devido à proliferação da sua utilização, torna-se imprescindível adotar-se não uma postura repressiva, de atuação posterior à ocorrência de danos na tentativa de repará-los, mas uma atitude preventiva, na tentativa de evitar a ocorrência de danos, antes da sua verificação. Ou seja, mais vale prevenir do que remediar. Isto é assim porque, geralmente, torna-se impossível a remoção posterior dos danos ambientais e, mesmo nas situações em que é materialmente possível a reconstituição natural, a remediação pode ser dispendiosa e, como tal, inexigível ao poluidor. Com efeito, é sempre mais dispendioso tomar medidas de remediação do que de prevenção, isto é, em nome da defesa da integridade ambiental, deve-se atuar antecipadamente face a situações potencialmente perigosas e lesivas do meio ambiente e evitar a reação a tais lesões. É nesta lógica de eficácia da tutela preventiva-antecipatória dos danos ambientais que assenta o Princípio da Prevenção.

O Principio da Prevenção é um dos princípios nucleares do Direito do Ambiente e está consagrado, entre outras disposições, nos artigos 66º nº2 a) da CRP e 3º a) da LBA, e tem como principal objetivo evitar lesões/danos ao meio ambiente, prevenir e antecipar situações potencialmente perigosas para o mesmo através de juízos de prognose – atuação ex ante – e evitar a reação contra essas eventuais lesões. De modo a concretizar os objetivos deste princípio é necessário a adoção de medidas prévias de modo a obstar à ocorrência de um determinado efeito lesivo e, para o efeito, existe um conjunto de instrumentos que devem ser utilizados, maxime a emissão de licenças ambientais ou avaliações de impacto ambiental. Todavia, a efetivação deste princípio só se verifica aquando da existência de um nexo causal entre o comportamento lesivo e um certo dano ambiental. Ou seja, tanto os perigos ao meio ambiente como as suas causas são concretas e conhecidas e, como tal, devem ser prevenidos. Deste modo, é necessário a comprovação científica da existência de efeitos lesivos decorrentes daquele dano e provocados por aquela atividade.

Podemos, assim, adotar o Principio da Prevenção de duas formas segundo VASCO PERERIRA DA SILVA: em sentido estrito, procurando-se “evitar perigos imediatos e concretos, de acordo com uma lógica imediatista e atualista”; ou em sentido amplo, pretendendo-se “afastar eventuais riscos futuros, mesmo que ainda não inteiramente determináveis, de acordo com uma lógica mediatista e prospectiva, de antecipação de acontecimentos futuros”. Ou seja, através de um alcance mais amplo, pretende-se com este princípio atuar previamente - através da adoção e imposição de medidas destinadas a evitar ou minorar os efeitos das lesões ambientais – face a acontecimentos presentes/imediatos (perigo iminente) ou contra acontecimentos futuros/mediatos (eventuais riscos futuros). Em contrapartida, numa perspetiva mais estrita, podemos autonomizar um outro princípio, o Princípio da Precaução. Esta autonomização deve-se ao facto deste princípio estar consagrado no artigo 197º/2 do TFUE e porque nos países de língua anglo-saxónica, a prevenção (reação imediata) está associada à lógica do perigo, enquanto a precaução (reação mediata) está associada à ideia do risco.

O Princípio da Precaução implica uma extensão da tutela cautelar/preventiva dos riscos, uma vez que, enquanto o Princípio da Prevenção assenta na ideia de probabilidade, aquele vai mais além, englobando a mera possibilidade, independentemente da inexistência de qualquer conclusão científica nesse sentido. Ou seja, as autoridades públicas estão obrigadas a agir em face de possíveis ameaças de danos irreversíveis ao ambiente não obstante os conhecimentos científicos existentes serem insuficientes ou inconclusivos, isto é, não confirmarem o risco que se pretende precaver. A precaução atua, assim, no campo da incerteza jurídica, do perigo potencial, obrigando à adoção de medidas destinadas a eliminar possíveis impactos danosos ao meio ambiente e antes de se estabelecer o nexo causal referido supra. Para GOMES CANOTIHO, defensor desta autonomia, o Princípio da Precaução significa que “o ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falta de provas científicas evidentes, sobre o nexo causal entre uma atividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente”, isto é, existe associado a este princípio um “in dubio pro ambiente”, no sentido que, em circunstâncias duvidosas, a decisão deve sempre ser favorável à proteção do ambiente em detrimento de outros interesses constitucionalmente protegidos e/ou igualmente relevantes, máxime o de livre iniciativa económica. Ora, é facilmente percetível que a paralisação de atividades privadas com base em incertezas acerca do seu - possível – impacto ambiental, em favor do ambiente, conduzirá a situações de retração no crescimento económico e no livre desenvolvimento de atividades privadas. Ou seja, todas as atuações que tenham um grau mínimo de possibilidade de lesar o ambiente deveriam ser evitadas, o que levaria a resultados impraticáveis. Está igualmente associado ao Princípio da Precaução uma inversão do ónus da prova, isto é, não caberá a quem pretende defender o ambiente ou a quem sofre com aquela conduta poluente provar que uma determinada atividade não é lesiva do ambiente, mas sim a quem a pretenda desenvolver, isto é, aos agentes potencialmente poluidores. Ou seja, estes têm de provar a inexistência de qualquer risco de dano ambiental quando a própria ciência não o consegue fazer. Esta exigência é excessiva e impraticável uma vez que, para além de não existir um “risco zero” em Direito do Ambiente, consubstanciará num impedimento e dissuasão ao exercício de qualquer atividade, uma vez que toda a ação humana comporta riscos ambientais. ANA GOUVEIA MARTINS defende igualmente a autonomia do Princípio da Precaução embora rejeite esta exigência do risco zero. Para a autora, o Princípio da Prevenção abrange os perigos enquanto aquele pretende evitar os riscos, muito embora apenas os riscos previsíveis, isto é, os que justificam a intervenção do Princípio da Precaução. A autora dispensa igualmente a necessidade da existência de um nexo causal entre a conduta e os riscos ambientais.

VASCO PEREIRA DA SLIVA considera, de facto, impraticável e irracional a doutrina que defende a autonomização do Princípio da Precaução, uma vez que consideram necessário a utilização de mediadas de precaução em relação a qualquer atividade humana, independentemente da existência ou não daquele nexo causal e de qualquer dado probatório cientifico. O Autor elenca um conjunto de argumentos contra autonomização daquele princípio. Pelo argumento linguístico, não faz sentido a distinção ao nível da Ordem Jurídica interna uma vez que na língua portuguesa precaver e prevenir têm o mesmo significado; pelo conteúdo material, é impossível distinguir, na sociedade atual, factos naturais de comportamentos humanos uma vez que os danos ambientais resultam de um concurso de fatores que tanto podem ser causas naturais como comportamentos humanos (os efeitos secundários da ação humana que não são previsíveis mas obrigam a agir prudentemente); também não faz sentido a distinção em razão do carácter atual ou futuro dos riscos, uma vez que ambos se encontram interligados; rejeita-se igualmente a ideia do ónus da prova no sentido de se provar que não vai haver nenhum risco, uma vez que em matéria ambiental a ideia de “risco zero” é inatingível, assim como iria resultar numa estagnação ou paralisação do desenvolvimento de determinadas atividades; quanto ao argumento da técnica jurídica, apenas o Princípio da Prevenção é elevado à categoria de Princípio Constitucional no ordenamento jurídico português. Com efeito, o autor defende ser preferível, à separação entre prevenção e precaução como princípios autónomos, a construção de uma noção ampla de prevenção, de modo a incluir tanto a consideração dos perigos naturais como dos riscos humanos, tanto a antecipação de lesões ambientais atuais como futuras, de modo a permitir uma resolução mais eficaz dos problemas ambientais, ou seja, uma solução mais adequada à tutela dos valores ambientais. Contudo, e ao contrário da doutrina a favor da autonomização, o autor rejeita posições Eco-fundamentalistas que afastem a ponderação dos vários interesses relevantes em nome de um “in dubio pro ambiente”. Portanto deve haver uma ponderação de interesses, recorrendo-se ao princípio da proporcionalidade de modo a que se realizem todos os interesses constitucionalmente protegidos e conflituantes.

CARLA AMADO GOMES defende, igualmente, que “a precaução, por irrazoável que é, deve ser vista como uma vertente do Princípio da Prevenção, que seria limitada pelo Princípio da Proporcionalidade, devendo antes entender-se como uma prevenção alargada, uma vez que um princípio deve sempre possuir um significado jurídico”. Para tal é “igualmente necessário uma ponderação agravada do interesse ambiental em face de outros interesses”. Consequentemente, e devido à indeterminação do seu conteúdo assim como ao elevado grau de incertezas associado a este princípio, a autora rejeita a autonomização do mesmo face ao Princípio da Prevenção. Afasta igualmente a ideia de uma exigência de “risco zero”, de erradicação de todo e qualquer risco que conduziria à estagnação do desenvolvimento do de determinadas atividades, uma vez que vivemos numa sociedade de risco onde é comum a existência de riscos desconhecidos e imprevisíveis com os quais teremos de, necessariamente, saber conviver.

Por tudo isto, defende-se um conteúdo amplo - de um reforço de tutela preventiva - para o Princípio da Prevenção, de modo a abranger tanto os perigos naturais como os riscos provocados pela ação humana, como a antecipação de danos ambientais resultantes de situações atuais ou futuras e, sempre, temperado com critérios de razoabilidade, ponderação e bom senso. Em suma: Requiem pela autonomização do Princípio da Precaução face ao Principio da Prevenção.

Nota: Este comentário está escrito à luz do novo acordo ortográfico.


Bibliografia:

Carla Amado Gomes – Direito Administrativo do Ambiente, in Tratado de Direito Administrativo Especial; 2009;
Carla Amado Gomes – A prevenção à prova no Direito do Ambiente em especial, os atos autorizativos ambientais; 2000;
Vasco Pereira da Silva – Verde, Cor de Direito; 2004;
José Gomes Canotilho – Introdução ao Direito do Ambiente; 1998;
Ana Gouveia Martins – O Princípio da Precaução no Direito do Ambiente; 2002;
Paulo Henrique Pacheco - Na prevenção do dano ambiental : o contributo da fiscalização administrativa; 2009;

Sem comentários:

Enviar um comentário