quinta-feira, 5 de abril de 2012

Finalmente a "última" do Túnel do Marquês (2ª parte)

Ontem disse-vos que iria analisar a providência cautelar relativa à suspensão das obras do Túnel do Marquês. Aqui fica essa análise:


No dia 26 de Abril de 2004 foi apresentada pelo vereador da Câmara Municipal de Lisboa, José Sá Fernandes, uma providência cautelar, qualificada como antecipatória e que levou à suspensão das obras do Túnel do Marquês, em Lisboa, desde o final de Abril desse ano até Janeiro de 2005. Esta providência cautelar foi alvo de diversos recursos.

Na verdade, a providência cautelar deveria ter sido qualificada como conservatória, pois o Interessado pretendia manter ou conservar um "direito", procurou manter o status quo, evitando que este se altere (se fosse antecipatória o Interessado visaria alterar o satus quo, antecipando uma situação que antes não existia, o que não parece ser aqui o caso).

Esta providência cautelar dependia de uma acção principal, que pedia a declaração da nulidade do acto de aprovação do projecto de execução da obra do Túnel do Marquês, uma vez que faltaria a DIA (Declaração de Impacte Ambiental).

Exigia-se o "fumus boni iuris", comum a todas as acções cautelares, mas qualificado, uma vez que esta providência cautelar seria mais intrusiva e prejudicial para os interesses do requerido e dos contra-interessados, que ficam em suspenso com a manutenção da situação prévia ao acto administrativo. Foi preciso também avaliar o chamado "fumus non malis iuris" (que consta do artigo 120º, número 1, alínea b) do CPTA) - procura o tribunal saber se existe ou não um mínimo de verosimilhança dos fundamentos invocados (que estes demonstrem ser suficientes) como base da pretensão formulada no processo cautelar e no processo principal.

Ora o Município de Lisboa, recorrendo do "Acórdão cautelar", afirmou que, ao decidir pela intimação da CML, o Tribunal havia extravazado os seus poderes, debruçando-se no procedimento cautelar sobre questões que só poderiam ser analisadas na acção principal (ao exigir que a CML obtivesse a DIA e iniciasse o procedimento de AIA), não impedindo a continuação da execução do projecto. Refere ainda que os interesses em causa até poderiam ser ambientais, mas que os que levaram o Tribunal recorrido a decidir como decidiu com base noutros interesses públicos, como a circulação rodoviária, a qualidade de vida urbana e a imagem do turismo português (facto que também seria demonstrado pela exigência de manter o mesmo empreiteiro na obra). Referiram as partes diversa Doutrina que dava como acertada a sujeição de um projecto daquela dimensão ao Regime Jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental, como o Professor Vasco Pereira da Silva: "o RJAIA consagra um regime aberto e aplicável a todos os projectos susceptíveis de produzir efeitos significativos no ambiente, definindo expressamente algumas hipóteses em que esse efeito se verifica necessariamente" (do Professor, in Verde Cord de Direito - Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, 2003, págs. 153 e segs.). Decidiu assim o TCA Sul, no Acórdão de 14/09/2004 pela manutenção da providência cautelar, ainda que apenas parcialmente.

O Município de Lisboa recorreu da decisão acima referida. Desta vez concluiu o Tribunal pelo provimento do recurso, decidindo no Acórdão do STA de 24/11/2004 pela revogação do Acórdão recorrido (Acórdão do TCA Sul, de 14/09/2004), com fundamento na não aplicação do Anexo II do RJAIA (afastando a exigência da DIA decorrente da AIA) e no não preenchimento do requisito do "fumus non malis iuris", e pelo indeferimento das providências cautelares requeridas pelo Requerido.

Espero ter lançado alguma luz sobre a providência cautelar que levou à suspensão das obras do Túnel do Marquês.

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