sexta-feira, 6 de abril de 2012

A participação nos procedimentos ambientais


A participação dos particulares, quer individual quer institucional permite a tomada de decisões mais corretas na medida em que as autoridades decisoras têm conhecimento dos diversos interesses envolvidos. São reconhecidas duas funções essenciais à participação: uma função garantística e uma função funcional. Os interessados vêm ao procedimento em defesa dos interesses de que são titulares, permitindo à administração tomar conhecimento de todos os fatos e consequências relativos à decisão que pretende tomar. No fundo acaba por ser uma manifestação do princípio da prevenção.
Ao contrário do que se afirmava anteriormente, as decisões administrativas são suscetíveis de afetar uma multiplicidade de sujeitos e não apenas o beneficiário principal do ato administrativo (não é uma relação bilateral), esta multiplicidade de sujeitos implica um maior cuidado na tomada da decisão administrativa, ponderados os vários interesses e direitos que possam estar em conflito, sobretudo o direito ao ambiente. A CRP consagra nos art 66/2 e 9/1,c,e, uma espécie de direito mas ao mesmo tempo pode ser considerado um dever de participação dos cidadãos de modo a assegurar o direito ao ambiente. A CRP de 76 trouxe consigo um modelo de administração pública aberta, consagrado um direito fundamental de “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito “ art 267/5CRP. Na administração pública a prossecução do interesse público tem de levar em conta os interesses dos privados, tal como é exigido pelo art 266/1CRP o que implicará uma ponderação entre uns e outros.
Podemos distinguir dois momentos em que a participação é relevante, todavia ocorre de modos diversos. São eles o procedimento legislativo e o procedimento administrativo.

 Procedimento legislativo de ambiente:
No procedimento legislativo a participação dos indivíduos enquanto defensores de interesses próprios, não é muito notória, sendo uma tarefa que está maioritariamente a cargo dos órgãos políticos. A AR possui uma reserva relativa de competência no que respeita às bases do sistema de proteção da natureza do equilíbrio ecológico e do património cultural art 165/1, g CRP. Quanto ao governo, tem competência legislativa própria em matéria de ambiente art 198/1,a, competência autorizada ao abrigo do art 198/1,b e competência para o desenvolvimento das leis de bases do ambiente art 198/1,c, todos da CRP.
Por sua vez, as assembleias regionais têm competência legislativa própria no domínio ambiental art 227/1, a, autorizada art 227/1,b e de desenvolvimento art 227/1,c. Embora o tema do nosso trabalho seja a participação dos particulares no procedimento, considera-se importante uma breve referência aos órgãos políticos reesposáveis pelo procedimento legislativo. Apesar da menor relevância da participação dos particulares, pode ainda ser vista como um instrumento auxiliar que permite um melhor conhecimento dos vários interesses em causa o que por sua vez trará uma maior eficácia das decisões.
Como inicialmente foi referido, a participação dos particulares pode ser individual ou a nível institucional. Esta segunda forma, que ocorre por intermédio das organizações não-governamentais de ambiente (ONGA`S) destina-se primacialmente à melhoria da qualidade das decisões. A participação das ONGA´S vem regulada pela lei 35/98 de 18 de julho. O art 6.º do referido diploma consagra o direito de participação destas organizações, onde se lê que “têm o direito de participar na definição da política e das grandes linhas de orientação legislativa em matéria de ambiente”. O âmbito destas organizações pode ser nacional, regional ou local, todavia, em princípio apenas as duas primeiras gozam direitos de participação. 
Podemos considerar ainda outro modo de participação, através de grupos de cidadãos eleitores, ao gozarem de uma das suas prerrogativas que é a iniciativa legislativa prevista no art 167/1,2 e 3 CRP. Os indivíduos que compõem o grupo, têm a faculdade deste impulso, manifestando a sua opinião através do conteúdo do diploma.

Procedimento administrativo de ambiente:
É neste momento que a participação dos particulares revela uma maior incidência e importância. A participação dos particulares ao longo do procedimento tem elevada importância sobretudo porque pode evitar uma necessidade posterior de impugnação do ato, se inicialmente forem levados em conta os direitos dos particulares a fim de harmonizar o interesse público com o interesse privado. O professor Vasco Pereira da Silva diz que “ o procedimento é o primeiro momento em que se prevê juridicamente a possibilidade de defesa dos seus direitos”. Este autor vai mais longe e defende a natureza de direito fundamental de 3ªgeração dos direitos de participação e audiência, informação e acesso aos arquivos e registos administrativos, de notificação e harmonização das decisões administrativas art 267 e 268 CRP, enquanto necessários à efetivação do direito ao ambiente. 


Procedimentos ambientais de massa e de reduzido número de afetados:
Podemos tomar como exemplo os atos administrativos, nomeadamente as licenças autorizativas. Para além da autoridade administrativa emissora e dos destinatários dos atos, há privados suscetiveis de serem lesados pela atividade desenvolvida pelos destinatários do ato. Há uma relação jurídica multilateral, contudo, à partida os sujeitos afetados serão determináveis e limitados (é decisiva a dimensão subjetiva). Ao invés há decisões que envolvem uma multiplicidade de destinatários que à partida serão indeterminados ou indetermináveis. A estes últimos dá-se-lhes o nome de procedimentos de massa. No procedimento administrativo em que a decisão apenas poderá afetar um número restrito de privados, a proteção jurídica de direitos é mais forte, em comparação com um procedimento de massa, tendo em conta que neste último podem intervir particulares que tenham um mero interesse fáctico na situação, não sendo necessária a titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido como acontece na decisão que afete poucos sujeitos.
Nos procedimentos de massa há como que um alargamento dos titulares do direito de participação, em que a componente objetiva de participação predomina. Estes procedimentos estão previstos no CPA e na lei de ação popular, especialmente art 114.º a 119.º e 4.º respetivamente.
Nos procedimentos de massa relativos à matéria ambiental têm legitimidade de participação, os cidadãos interessados e que possam (pode não ser atual) ser afetados com as decisões em causa mesmo que não tenham interesse direto na ação, isto é,  a participação em processo popular vai para além da titularidade de interesses próprios , bastando-se com um simples interesse fáctico.
O professor Vasco Pereira da Silva alarga esta legitimidade às pessoas coletivas mesmo que estas não tenham como atribuição estatutária a defesa dos interesses ambientais. Procede a uma interpretação corretiva do art 2/1 da lei 83/95 para admitir a participação de associações sem fins diretamente ambientais.
Têm legitimidade as autarquias locais, por força do art 2/2 estando aqui em causa a defesa de interesses das populações. As autoridades administrativas têm de proceder ao anúncio público de abertura do procedimento art 5.º. O particular com direito de participação pode consultar os documentos e aceder aos trabalhos preparatórios art 6.º e tem direito a ser ouvido em audiência pública art 8.º.
Os procedimentos com um reduzido número de intervenientes gozam de legitimidade para intervir no procedimento art 53.ºCPA. Os particulares que sejam titulares de uma qualquer posição substantiva de vantagem; as pessoas coletivas privadas para a defesa dos seus próprios interesses estatutários como para a defesa de interesses difusos em matéria ambiental nas circunscrições das instalações; os residentes na circunscrição em que se localize algum bem do domínio público afetado pela administração pública art 53/2, b; autoridades administrativas autárquicas para defesa dos interesses dos residentes art 53/3.

O direito de audiência:
 A participação dos cidadãos consubstancia um direito fundamental dos indivíduos art 8.º CPA e 267/5 e direito de audiência dos interessados art 59.º e 100 e ss. CPA.
A consagração deste direito levou à criação de uma nova fase nos procedimentos, antes da decisão final. O professor Freitas do Amaral defende que não basta mostrar ao particular o processo mas deve indicar-lhe qual o sentido provável da decisão e os respetivos fundamentos. A inobservância desta fase condiciona a validade da atuação administrativa, a não ser em casos excecionas em que a audiência não pode ter lugar, nomeadamente nos processos urgentes. Trata-se de um vício de procedimento e não de forma (no entender do professor Vasco Pereira da Silva) como entende a doutrina tradicional. Esta última orientação considera que o desvalor em causa é a anulabilidade, pelo contrário o professor Vasco P.S entende que uma decisão administrativa praticada sem a audiência dos particulares interessados viola o conteúdo essencial de um direito fundamental e deve por isso ser considerada nula art 133/2,CPA.
Solução igual defende o professor Marcelo Rebelo de Sousa, todavia, serve-se de outros fundamentos, considerando que é difícil não se entender que essa audiência é uma formalidade essencial imposta pela CRP que não pode ser preterida. Várias vezes é vista como uma formalidade a cumprir, para evitar problemas de impugnação judicial.
O professor Vasco P.S aponta uma solução a adotar no futuro. Considera que deveria passar a considerar-se que a preterição de uma regra formal (que é a necessidade da administração ouvir todos os interessados numa decisão) se pode vir a transformar num vicio material do ato administrativo por se não ter verificado uma adequada ponderação de todos os interesses relevantes. A não audiência configura uma ilegalidade formal e poderia ser material se praticado sem a correta ponderação de todos os interesses envolvidos. Poder-se-ia ainda apontar a violação do princípio da proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos art 266/1CRP e art 4.º CPA, tal como a violação do princípio da imparcialidade e proporcionalidade art 266/2 CRP e 6.º CPA.

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