A
participação dos particulares, quer individual quer institucional permite a
tomada de decisões mais corretas na medida em que as autoridades decisoras têm conhecimento
dos diversos interesses envolvidos. São reconhecidas duas funções essenciais à
participação: uma função garantística e uma função funcional. Os interessados
vêm ao procedimento em defesa dos interesses de que são titulares, permitindo à
administração tomar conhecimento de todos os fatos e consequências relativos à
decisão que pretende tomar. No fundo acaba por ser uma manifestação do
princípio da prevenção.
Ao contrário
do que se afirmava anteriormente, as decisões administrativas são suscetíveis
de afetar uma multiplicidade de sujeitos e não apenas o beneficiário principal
do ato administrativo (não é uma relação bilateral), esta multiplicidade de
sujeitos implica um maior cuidado na tomada da decisão administrativa, ponderados
os vários interesses e direitos que possam estar em conflito, sobretudo o
direito ao ambiente. A CRP consagra nos art 66/2 e 9/1,c,e, uma espécie de
direito mas ao mesmo tempo pode ser considerado um dever de participação dos
cidadãos de modo a assegurar o direito ao ambiente. A CRP de 76 trouxe consigo
um modelo de administração pública aberta, consagrado um direito fundamental de
“participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem
respeito “ art 267/5CRP. Na administração pública a prossecução do interesse
público tem de levar em conta os interesses dos privados, tal como é exigido
pelo art 266/1CRP o que implicará uma ponderação entre uns e outros.
Podemos
distinguir dois momentos em que a participação é relevante, todavia ocorre de
modos diversos. São eles o procedimento legislativo e o procedimento
administrativo.
Procedimento legislativo de ambiente:
No
procedimento legislativo a participação dos indivíduos enquanto defensores de interesses
próprios, não é muito notória, sendo uma tarefa que está maioritariamente a
cargo dos órgãos políticos. A AR possui uma reserva relativa de competência no
que respeita às bases do sistema de proteção da natureza do equilíbrio ecológico
e do património cultural art 165/1, g CRP. Quanto ao governo, tem competência
legislativa própria em matéria de ambiente art 198/1,a, competência autorizada
ao abrigo do art 198/1,b e competência para o desenvolvimento das leis de bases
do ambiente art 198/1,c, todos da CRP.
Por sua vez,
as assembleias regionais têm competência legislativa própria no domínio ambiental
art 227/1, a, autorizada art 227/1,b e de desenvolvimento art 227/1,c. Embora o
tema do nosso trabalho seja a participação dos particulares no procedimento, considera-se
importante uma breve referência aos órgãos políticos reesposáveis pelo procedimento
legislativo. Apesar da menor relevância da participação dos particulares, pode ainda
ser vista como um instrumento auxiliar que permite um melhor conhecimento dos
vários interesses em causa o que por sua vez trará uma maior eficácia das decisões.
Como inicialmente
foi referido, a participação dos particulares pode ser individual ou a nível institucional.
Esta segunda forma, que ocorre por intermédio das organizações não-governamentais
de ambiente (ONGA`S) destina-se primacialmente à melhoria da qualidade das decisões.
A participação das ONGA´S vem regulada pela lei 35/98 de 18 de julho. O art 6.º
do referido diploma consagra o direito de participação destas organizações, onde
se lê que “têm o direito de participar na definição da política e das grandes linhas
de orientação legislativa em matéria de ambiente”. O âmbito destas organizações
pode ser nacional, regional ou local, todavia, em princípio apenas as duas primeiras
gozam direitos de participação.
Podemos considerar
ainda outro modo de participação, através de grupos de cidadãos eleitores, ao
gozarem de uma das suas prerrogativas que é a iniciativa legislativa prevista no
art 167/1,2 e 3 CRP. Os indivíduos que compõem o grupo, têm a faculdade deste
impulso, manifestando a sua opinião através do conteúdo do diploma.
Procedimento administrativo de
ambiente:
É neste
momento que a participação dos particulares revela uma maior incidência e importância.
A participação dos particulares ao longo do procedimento tem elevada importância
sobretudo porque pode evitar uma necessidade posterior de impugnação do ato, se
inicialmente forem levados em conta os direitos dos particulares a fim de
harmonizar o interesse público com o interesse privado. O professor Vasco Pereira
da Silva diz que “ o procedimento é o primeiro momento em que se prevê
juridicamente a possibilidade de defesa dos seus direitos”. Este autor vai mais
longe e defende a natureza de direito fundamental de 3ªgeração dos direitos de
participação e audiência, informação e acesso aos arquivos e registos
administrativos, de notificação e harmonização das decisões administrativas art
267 e 268 CRP, enquanto necessários à efetivação do direito ao ambiente.
Procedimentos ambientais de massa e
de reduzido número de afetados:
Podemos
tomar como exemplo os atos administrativos, nomeadamente as licenças
autorizativas. Para além da autoridade administrativa emissora e dos destinatários
dos atos, há privados suscetiveis de serem lesados pela atividade desenvolvida
pelos destinatários do ato. Há uma relação jurídica multilateral, contudo, à
partida os sujeitos afetados serão determináveis e limitados (é decisiva a dimensão
subjetiva). Ao invés há decisões que envolvem uma multiplicidade de destinatários
que à partida serão indeterminados ou indetermináveis. A estes últimos dá-se-lhes
o nome de procedimentos de massa. No procedimento administrativo em que a
decisão apenas poderá afetar um número restrito de privados, a proteção
jurídica de direitos é mais forte, em comparação com um procedimento de massa, tendo
em conta que neste último podem intervir particulares que tenham um mero interesse
fáctico na situação, não sendo necessária a titularidade de um direito ou interesse
legalmente protegido como acontece na decisão que afete poucos sujeitos.
Nos
procedimentos de massa há como que um alargamento dos titulares do direito de
participação, em que a componente objetiva de participação predomina. Estes
procedimentos estão previstos no CPA e na lei de ação popular, especialmente
art 114.º a 119.º e 4.º respetivamente.
Nos procedimentos
de massa relativos à matéria ambiental têm legitimidade de participação, os
cidadãos interessados e que possam (pode não ser atual) ser afetados com as
decisões em causa mesmo que não tenham interesse direto na ação, isto é, a participação em processo popular vai para
além da titularidade de interesses próprios , bastando-se com um simples interesse
fáctico.
O professor
Vasco Pereira da Silva alarga esta legitimidade às pessoas coletivas mesmo que
estas não tenham como atribuição estatutária a defesa dos interesses
ambientais. Procede a uma interpretação corretiva do art 2/1 da lei 83/95 para
admitir a participação de associações sem fins diretamente ambientais.
Têm
legitimidade as autarquias locais, por força do art 2/2 estando aqui em causa a
defesa de interesses das populações. As autoridades administrativas têm de
proceder ao anúncio público de abertura do procedimento art 5.º. O particular
com direito de participação pode consultar os documentos e aceder aos trabalhos
preparatórios art 6.º e tem direito a ser ouvido em audiência pública art 8.º.
Os
procedimentos com um reduzido número de intervenientes gozam de legitimidade
para intervir no procedimento art 53.ºCPA. Os particulares que sejam titulares
de uma qualquer posição substantiva de vantagem; as pessoas coletivas privadas
para a defesa dos seus próprios interesses estatutários como para a defesa de interesses
difusos em matéria ambiental nas circunscrições das instalações; os residentes na
circunscrição em que se localize algum bem do domínio público afetado pela administração
pública art 53/2, b; autoridades administrativas autárquicas para defesa dos interesses
dos residentes art 53/3.
O direito de audiência:
A participação dos cidadãos consubstancia um
direito fundamental dos indivíduos art 8.º CPA e 267/5 e direito de audiência
dos interessados art 59.º e 100 e ss. CPA.
A consagração
deste direito levou à criação de uma nova fase nos procedimentos, antes da
decisão final. O professor Freitas do Amaral defende que não basta mostrar ao
particular o processo mas deve indicar-lhe qual o sentido provável da decisão e
os respetivos fundamentos. A inobservância desta fase condiciona a validade da atuação
administrativa, a não ser em casos excecionas em que a audiência não pode ter
lugar, nomeadamente nos processos urgentes. Trata-se de um vício de
procedimento e não de forma (no entender do professor Vasco Pereira da Silva) como
entende a doutrina tradicional. Esta última orientação considera que o desvalor
em causa é a anulabilidade, pelo contrário o professor Vasco P.S entende que
uma decisão administrativa praticada sem a audiência dos particulares
interessados viola o conteúdo essencial de um direito fundamental e deve por
isso ser considerada nula art 133/2,CPA.
Solução
igual defende o professor Marcelo Rebelo de Sousa, todavia, serve-se de outros
fundamentos, considerando que é difícil não se entender que essa audiência é
uma formalidade essencial imposta pela CRP que não pode ser preterida. Várias
vezes é vista como uma formalidade a cumprir, para evitar problemas de impugnação
judicial.
O professor Vasco
P.S aponta uma solução a adotar no futuro. Considera que deveria passar a considerar-se
que a preterição de uma regra formal (que é a necessidade da administração
ouvir todos os interessados numa decisão) se pode vir a transformar num vicio
material do ato administrativo por se não ter verificado uma adequada ponderação
de todos os interesses relevantes. A não audiência configura uma ilegalidade
formal e poderia ser material se praticado sem a correta ponderação de todos os
interesses envolvidos. Poder-se-ia ainda apontar a violação do princípio da proteção
dos direitos e interesses legalmente protegidos art 266/1CRP e art 4.º CPA, tal
como a violação do princípio da imparcialidade e proporcionalidade art 266/2
CRP e 6.º CPA.
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