quinta-feira, 19 de abril de 2012

Natureza jurídica do direito ao ambiente
            O direito ao ambiente encontra-se consagrado, enquanto direito fundamental, no artigo 66º da Constituição, no âmbito dos direitos e deveres sociais. Podemos, ainda, referir o artigo 9º d) e e), que enquadra a questão do ambiente nas tarefas fundamentais do Estado.
            É costume dividir os direitos fundamentais em direitos, liberdades e garantias (DLG), por um lado, e direitos económicos, sociais e culturais (DESC), por outro. Neste sentido, além do regime comum aos dois grupos de direitos fundamentais, há um regime específico de cada grupo.
            O regime comum encontra-se previsto nos artigos 12º e seguintes. Assim, todos os direitos fundamentais estão sujeitos, nomeadamente, aos princípios da universalidade (artigo 12º), igualdade (artigo 13º), tratamento idêntico dos portugueses em Portugal e portugueses no estrangeiro (artigo 14º), equiparação dos estrangeiros e apátridas aos cidadãos portugueses em matéria de direitos e deveres (artigo 15º/1) e tutela jurisdicional efectiva (artigo 20º); sendo o direito ao ambiente um direito fundamental, estes princípios aplicam-se-lhe.
            A tarefa que se impõe agora consiste em estabelecer a que tipo de direitos fundamentais pertence o direito ao ambiente, sendo certo que esta questão é muito importante, uma vez que o regime dos DLG é muito mais garantístico que o dos DESC. Quanto ao regime específico dos DLG, salienta-se a aplicação directa, vinculação de entidades públicas e privadas e carácter restritivo das restrições (artigo 18º), o regime excepcional de suspensão de exercício dos DLG (artigo 19º), a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (artigo 165º/1 b), os limites materiais de revisão constitucional (artigo 288º d)) e as regras dos artigos 24º e seguintes. Relativamente ao regime específico dos DESC, apenas há regras específicas sobre alguns direitos ao nível da competência legislativa (artigos 164º i) e 165º/1 f), g), h) e z)) e os direitos dos trabalhadores, comissões de trabalhadores e associações sindicais constituem um limite material de revisão (artigo 288º e)), para além da consagração das regras dos artigos 58º e seguintes.
Ora, como podemos verificar, são regimes muito diferentes; o dos DLG é mais pormenorizado e confere uma maior protecção aos direitos que o regime dos DESC, que acabam por ser direitos “na medida do possível”, muito dependentes das políticas públicas. Isto torna-se claro se pensarmos na questão da restrição dos direitos: enquanto que os DLG estão sujeitos ao carácter restritivo das restrições – estas só são admissíveis nos casos constitucionalmente previstos, devem respeitar o princípio da proporcionalidade e o núcleo essencial das normas constitucionais, ter carácter geral e abstracto e ser não retroactivas –, a propósito da restrição dos DESC só podemos invocar o designado princípio da proibição do retrocesso social, que é um mecanismo previsto apenas para direitos sociais, sem consagração constitucional e em relação ao qual há fortes divergências doutrinárias.
Prosseguindo a análise da questão que tínhamos enunciado anteriormente, utilizando apenas um argumento sistemático diríamos que o direito ao ambiente é um DESC, mais propriamente um direito social, porque encontra-se previsto no Capítulo II (“Direitos e deveres sociais”) do Título III (“Direitos e deveres económicos, sociais e culturais”). Mas será que ele pode beneficiar do regime dos DLG, isto é, será que podemos considerá-lo um direito análogo aos DLG, fazendo funcionar o artigo 17º? Para averiguarmos isto temos de saber como distinguir os DLG dos DESC.
Não há nenhum critério rigoroso de distinção; há três critérios tendenciais:
1.    Os DLG são consagrados em normas preceptivas (directamente aplicáveis). Os DESC são consagrados em normas programáticas (estabelecem um objectivo, não sendo aplicáveis de imediato e dependendo de opções concretas do legislador e da existência de meios);
2.    Os DLG são consagrados pormenorizadamente. Os DESC são consagrados de forma vaga;
3.    Ambos funcionam como direitos contra o Estado, mas os DLG exigem, em certos domínios, a abstenção do Estado, em nome da liberdade das pessoas (direitos negativos) e os DESC exigem a intervenção do Estado, nomeadamente para satisfazer as necessidades dos cidadãos (direitos positivos).
Segundo uma parte da doutrina, os direitos previstos no Título III da Parte I podem ser considerados direitos análogos a DLG. Nesta lógica, o direito ao ambiente seria visto como tal. Vamos, ainda assim, analisá-lo à luz dos critérios tendenciais:
Quanto ao critério do tipo de normas que consagram o direito, verificamos que o direito ao ambiente pode ser concretizado de determinadas formas, não sendo imediatamente exigível. Não é, por exemplo, como o direito à liberdade de expressão (artigo 37º), cujo significado acaba por ser mais óbvio e, de certa forma, directo, tornando as violações deste direito mais facilmente identificáveis. No caso do direito ao ambiente só sabemos que temos direito “a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado” (artigo 66º/1) – exactamente o que é que isto significa? Este direito materializa-se indirectamente, dependendo da verificação das adequadas condições económicas, financeiras, materiais, logísticas, humanas, etc.. Neste sentido, concluímos que se trata de um DESC.
Relativamente ao critério da determinabilidade, também ele nos indica que estamos perante um direito fundamental pertencente ao grupo dos DESC. Efectivamente, e tal como já explicámos no parágrafo anterior, o artigo 66º/1 não explica exactamente em que consiste o direito ao ambiente, para além de que o nº 2 do mesmo artigo apenas indica formas de o salvaguardar (o que, reconheça-se, pode oferecer algum contributo para a apreensão do significado deste direito, mas não é o suficiente para dizer que é consagrado de forma pormenorizada).
Por fim, em relação ao critério da estrutura do direito, concluímos, novamente, que estamos perante um DESC, uma vez que é exigida a intervenção do Estado (artigo 66º/2), sendo um direito de estrutura positiva. Acrescente-se que isto está relacionado com as gerações de direitos; a segunda geração é enquadrada na época do Estado Social, em que é exigida uma maior interferência do Estado (na construção de escolas, hospitais, lares para idosos, etc.).
Assim, podemos concluir que o direito ao ambiente deve ser visto como um direito fundamental de tipo social, pertencente à categoria dos DESC, e não como um direito análogo a DLG.

Sem comentários:

Enviar um comentário