A forma como o Estado zela pelo tratamento e pela
preservação do Ambiente mudou, nos finais do séc. XX. A actuação
administrativa deixa de se limitar a uma mera acção de polícia ambiental e
passa a participar activamente na promoção dos valores ambientais, designadamente
através da contratualização da protecção ambiental, como é o caso dos contratos
de adaptação ambiental. Este
tipo de acordo teve a sua origem pela constatação de que a via legislativa e a
autoridade pública não conseguiriam alcançar os objectivos ambientais propostos
de forma tão eficaz. Nas palavras de MORAND-DEVILLER “o acordo entre as partes
é preferível à utilização de procedimentos sancionatórios, a participação dos
suspeitos faz deles cúmplices, o que parece ser mais eficaz que a repressão.”
O Decreto-Lei 236/98, de 1 de Fevereiro fez prever expressamente e
pela primeira vez a figura dos Contratos de Adaptação Ambiental, muito embora
tenha sido firmado em primeiro lugar pela prática jurídica antes da sua
consagração legal. Na definição de MARK KIRKBY tais acordos são contratos
celebrados entre a administração pública e as associações empresariais de
alguns sectores onde operam industrias poluentes. Estes contratos afastam regras ambientais imperativas ao serem fixadas
referências distintas de modo a evitar as medidas de carácter sancionatório
previstas por lei.
Não pretendemos fazer um estudo exaustivo sobre os inúmeros
problemas que esta figura traz ao Ordenamento Jurídico. A questão que se nos
coloca é a de saber qual a sua natureza : Estas figuras são verdadeiros acordos negociais ou são reconduzíveis, no que
têm de constitutivo, à vontade unilateral da Administração?
Como refere VASCO PEREIRA DA SILVA, é preciso
apurar “se a fonte de validade e de eficácia de determinadas figuras é o
consenso das partes, ou a manifestação de vontade unilateral da Administração,
independentemente de se saber se as autoridades administrativas e os
particulares se puseram ou não previamente de acordo acerca do seu conteúdo”.
Impõe-se, pois, a questão de se saber se a
vontade dos particulares co-contratantes do Estado-Administração é ou não
basilar no nascimento e na conformação da relação jurídica que emerge do
acordo. Deste modo, para poder qualificar estas figuras como Negocio Jurídico é
necessário que a vontade do particular seja de tal modo essencial ao ponto de
se poder concluir que, no caso concreto, o vinculo jurídico emergente não se
constituía sem a conjugação de ambas as declarações de vontade e que, por
conseguinte, aquela não tenha servido apenas para criar os requisitos legais
para a prática de um acto reconduzível ao poder unilateral da Administração.
Apreciada a figura em análise concluímos que tem
natureza complexa. Do ponto de vista estrutural, extrai-se que se podem
distinguir dois momentos sucessivos: desde logo, pela celebração do
“acordo-quadro”, outorgado entre a Administração e a associação empresarial
representativa do sector económico em causa; e depois, consubstanciado nas
adesões individualizadas a tal acordo, por parte das empresas do sector.
Ora, quanto aos acordos que são celebrados entre
a Administração e as empresas, a partir da adesão destas ao acordo-quadro não
há dúvidas de que se revestem de natureza negocial. O facto de as associações
de sector poderem, em benefício de empresas, negociar o objecto concreto do
plano de adaptação, bem como a verificação de que os planos só obrigam as
empresas a partir da sua adesão particular, demonstra que há elementos
negociais caracterizadores da figura.
Não esquecemos que a liberdade de contratação das
empresas é bastante mitigada, uma vez que a alternativa à adesão é a sujeição
imediata às normas em vigor e aos poderes sancionatórios da Administração.
Porém, estes particulares conservam o direito de celebrar ou não celebrar o
negocio, isto é, de aderirem ou não ao “contrato-quadro” e como tal não vemos
como negar a liberdade negocial. Tendo em conta tudo o que se disse até aqui,
concluímos que tais contratos são verdadeiros Contratos de Adesão.
Por seu turno, quanto ao vínculo jurídico firmado
entre as associações empresariais e a Administração Pública parece, do nosso
ponto de vista, haver ainda elementos de natureza negocial.
Repare-se que acordo-quadro consiste na
formalização de uma proposta negocial às empresas do sector e na consequente
assunção da obrigação de não a revogar, sob pena de incumprimento contratual.
Tal como declara MARIA JOAO ESTORNINHO, estão aqui em causa negócios jurídicos
que envolvem “o exercício típico da função administrativa” sendo empregues como
alternativa ao ius imperii dos actos administrativos
típicos, ou através da integração do conteúdo daqueles actos.
Então, e de acordo com o critério do objecto,
estamos perante um contrato de direito público, já que o Contrato de Adaptação
Ambiental tem por objecto a regulamentação de uma situação jurídica, de
exercício típico de função administrativa. Com efeito, os contratos de
adaptação ambiental são verdadeiros contratos administrativos, uma vez que
criam direitos e deveres contratuais de direito público que originam a
constituição ou modificação de uma “relação jurídica administrativa”.
A este propósito, PEREIRA DA SILVA defende a
unificação do controlo judicial de toda a actividade contratual pública e a
adopção de um conceito amplo de contrato administrativo, no sentido de abarcar
todos os acordos de vontade decorrentes do exercício da função administrativa.
Desta forma possibilita-se a unificação do regime jurídico de toda a actividade
contratual da Administração Pública.
Há aqui uma evidente tensão entre a ideia de
contratualismo público-administrativo, o princípio da legalidade e o princípio
da prevenção. Procura-se que as empresas se adaptem às exigências estabelecidas
pelas normas que regulam as emissões poluentes, mas ao fazer-se derroga-se
temporariamente a lei, violando o princípio da legalidade.
Os contratos de adaptação resultam de um esforço
de compatibilização entre o princípio da autonomia pública contratual e
eficácia da administração na prossecução do interesse público, designadamente
ambiental, com o princípio da prevenção”.
Como sabemos, no núcleo central dos princípios de direito do
ambiente encontra-se o principio da prevenção. GOMES CANOTILHO, e no nosso
entender muitíssimo bem, diz-nos que o Direito do Ambiente se encontra ancorado
neste principio. O princípio
da prevenção está previsto na al. a) do nº 2 do art. 66º CRP e também na
alínea a) do 3º da Lei de Bases do Ambiente. Os danos ambientais são
irreversíveis e irreparáveis o que significa que é impossível pretendermos
voltar à situação anterior a que se encontrava o Ambiente, se não tivesse
havido qualquer dano. Para alem disto, os custos posteriores para
reconstituição do meio ambiente são muitíssimo onerosos, o que leva a que na
maior parte das vezes não se recomponha o meio ambiente que ficou danificado. A
partir desta firme crença, o principio da precaução tem como intuito evitar
lesões, naturais ou humanas, do meio ambiente. Para tal impõe-se um juízo de
prognose quanto aos efeitos de actuações potencialmente danosas para o
Ambiente, de modo a “permitir a adopção dos meios mais adequados para afastar a
sua verificação, ou pelo menos minorar
as suas consequências”, como explica PEREIRA DA SILVA.
De certo modo existe uma cedência aos
interesses dos sectores económicos em questão por parte da Administração
Pública. Porém, sem a colaboração destes mais difícil seria chegar às metas
propostas. Funcionando assim como um mal menor em busca de medidas eficientes
para chegar a um bem comum melhor o Ambiente, mas sem nunca se descurar de três
pontos essenciais destacados por PEREIRA DA SILVA: Não estar consubstanciada no
Contrato de adaptação ambiental uma ideia de Fraude à lei; que esse regime
especial decorrente da derrogação da lei pelo contrato fosse previsto por Lei,
e por fim, respeito estreito e firme pelos Princípios administrativos da
igualdade, da imparcialidade e proporcionalidade.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
- Silva, Vasco Pereira; Verde Cor de Direito; Almedina, 2002
- Kirkby, Mark Bobela-Mota; Os contratos de adaptação ambiental :
a concentração entre a administração pública e os particulares na aplicação de
normas de polícia administrativa; Lisboa : AAFDL, 2001
- Silva, Duarte Rodrigues; Os
contratos de adaptação ambiental; Lisboa, Tese de Mestrado FDL, 2001
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