quinta-feira, 12 de abril de 2012

A Protecção do Ambiente e o Regime da Salvação Marítima – Análise da Convenção de Londres de 1989 e do DL 203/98

Tratando-se de um instituto de grande tradição no Direito Marítimo, entende-se por Salvação Marítima todo o acto ou actividade que vise prestar socorro a navios, embarcações ou outros bens quando em perigo no mar ou em quaisquer outras águas sob jurisdição nacional. Inicialmente regulada como forma de combate ao ius naufragii, com preocupações humanitárias de socorro a pessoas em perigo no mar, actualmente a salvação marítima surge acompanhada de novos valores a par dos tradicionais. A este propósito encontramos o valor da protecção do ambiente que, desde a Convenção de Montego Bay de 1982, constitui uma das grandes preocupações da comunidade internacional.

Actualmente, vigoram em Portugal dois instrumentos em matéria de salvação marítima, designadamente, a nível internacional, a Convenção de Bruxelas de 23 de Setembro de 1910 (ratificada por Portugal em 1913) e, a nível interno, o DL 203/98 de 10 de Julho, comummente apelidado de Lei da Salvação Marítima (LSM). Concomitantemente, deparamo-nos com um terceiro instrumento normativo, a Convenção de Londres de 28 de Abril de 1989, cujo texto não foi ratificado entre nós. No entanto, esta Convenção inspirou claramente o legislador nacional da LSM, conforme é confessado, desde logo, no respectivo preâmbulo. Posto isto, justifica-se o seu estudo, a par da LSM.

É reconhecido que a Convenção de Londres (CL) se situa na continuidade da Convenção de Bruxelas (CB). Contudo, é igualmente reconhecido que aquela constitui um upgrade desta, não só do ponto de vista formal. Assim, encontramos múltiplas alterações materiais, sendo aqui de destacar a importância dada à protecção do ambiente, valor que se encontra agora no coração do sistema da CL. Encontramos, logo no artigo 1º d) da CL, uma definição de dano ambiental, a qual foi transcrita pelo artigo 5º nº3 da LSM: Entende-se por danos ambientais todos os prejuízos causados à saúde humana, vida marinha, recursos costeiros, águas interiores ou adjacentes, em resultado de poluição, contaminação, fogo, explosão ou acidente de natureza semelhante. Com este ponto de partida, a CL veio estabelecer variados direitos e obrigações em matéria de salvação marítima, sempre sob o signo da protecção do ambiente, a par dos tradicionais e maiores valores da preservação da vida humana. Sumariando as disposições mais importantes, encontramos:
- O artigo 8º nº1 b), que impõe ao salvador o dever de actuar com a diligência adequada, em ordem a prevenir ou minorar danos ambientais.
- O artigo 8º nº2 b), que impõe ao proprietário e ao capitão do navio, ou ao proprietário de outros bens em perigo, o dever, face ao salvador, de agir de forma diligente durante as operações de salvação, de modo a prevenir ou limitar danos ambientais.
- O artigo 9º, no qual é deixado expresso que as disposições da CL não afectam o direito do Estado costeiro de tomar as medidas para proteger o seu litoral ou interesses conexos, contra a poluição ou ameaça de poluição resultante de um acidente de mar ou de actos relacionados com um tal acidente.
- O artigo 11º, que consagra uma necessidade de cooperação entre os Estados em ordem a prevenir, em geral, danos ambientais.
- O artigo 13º nº1, que manda considerar, no cálculo da remuneração do salvador, a perícia e os esforços do salvador para evitar ou minorar danos ambientais.
- O artigo 14º, que prevê uma compensação especial a favor do salvador que não tenha logrado obter uma remuneração nos termos gerais, se tiver efectuado operações de salvação relativamente a navio que, por ele próprio ou pela carga que transportava, ameaçava causar danos ao ambiente. Esta compensação especial começou por ser uma criação prática de operações de salvação a petroleiros, designadamente após o desastre Amoco Cadiz. Os profissionais passaram a inscrever no contrato-tipo de salvação mais utilizado uma cláusula reconhecendo ao salvador, ainda que não havendo resultado útil, uma safety net, de montante igual às despesas, eventualmente majorado. A CL institucionalizou, pois, um novo princípio no cure little pay. Constituindo um desvio ao tradicional princípio no cure no pay, esta compensação especial tem sido considerada a disposição central da CL, no que à matéria da protecção do ambiente respeita.
Estas disposições, constantes da CL, vieram inspirar fortemente a LSM, que consagra no direito português soluções muito similares:
- No artigo 4º b) da LSM, é consagrado um dever do salvador de evitar ou minimizar os danos ambientais, à semelhança do disposto no artigo 8º nº1 b) da CL. E, apesar do silêncio da LSM, a este dever do salvador corresponde um dever do salvado de agir, também ele, no sentido de comportar-se, durante as operações de salvação, com a diligência devida, em ordem a prevenir ou limitar danos ambientais.
- O artigo 6º nº1 da LSM, com um alinhamento muito similar ao do artigo 13º da CL, procede a uma enumeração das circunstâncias a ter em conta aquando da fixação do salário de salvamento, destacando-se a alínea b), que valoriza os esforços desenvolvidos pelo salvador e a eficácia destes a fim de minimizar o dano ambiental.
- O artigo 3º nº1 na LSM impõe ao capitão do navio uma actuação conforme a protecção do ambiente, aquando do cumprimento do dever de prestar socorro.
- À semelhança do artigo 14º da CL, os artigos 5º nº2 e 9º da LSM consagram a atribuição de uma compensação especial ao salvador não tenha logrado obter resultado útil para o salvado e, como tal, remuneração nos termos gerais, se tiver evitado ou minimizado danos ambientais. O valor desta compensação é igual ao montante das despesas efectuadas, acrescido de 30%, podendo a compensação ser elevada, em situações de particular dificuldade, para valor equivalente ao dobro de tais despesas.
- Por fim, constituindo uma verdadeira inovação, encontramos no artigo 10º da LSM a previsão do pagamento da compensação especial pelo Estado. Nos termos deste preceito, não tendo o devedor daquela compensação especial (o salvado) procedido ao seu pagamento dentro dos 60 dias seguintes contados da interpelação pelo salvador, pode este exigir imediatamente ao Estado a respectiva satisfação. Conforme consta do preâmbulo da LSM, trata-se de uma medida que visa motivar os salvadores na defesa do ambiente, justificando-se o encargo do Estado pelos relevantes interesses públicos em causa.
Feito o excurso pela Convenção de Londres de 1989 e pela Lei da Salvação Marítima, podemos concluir por uma evolução positiva, no sentido da consciencialização dos riscos ambientais em alto mar.
Os danos ambientais em alto mar são uma realidade, principalmente quando estão em jogo desastres com grandes navios, muitos deles veículos de matérias nocivas para o ambiente, como os petroleiros. Posto isto, é de aplaudir o legislador português da LSM que, tendo colhido inspiração na CL, finalmente conferiu à salvação marítima clássica o relevo moderno da protecção do ambiente. Contudo, não é tanto de aplaudir a postura internacional do Estado Português, que ainda não ratificou a CL. Como tal vigora ainda entre nós a CB de 1910, na qual estas preocupações ambientais ainda não existiam.

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