quarta-feira, 11 de abril de 2012

Protecção indirecta dos “Direitos humanos ambientais” na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem constitui hoje o mais perfeito guardião dos direitos humanos. Criada no seio do Conselho da Europa em 1950, elenca um catálogo de direitos civis e políticos. Distinguiu-se por consagrar um mecanismo jurisdicional de garantia destes direitos, já que um cidadão tem legitimidade para recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem quando vir um seu direito ferido.

Todavia, a preocupação com o meio ambiente não era ainda em 1950 um dos pilares da construção europeia. Assim, o texto originário da Convenção nada previa sobre a protecção ambiental. Apesar dos Protocolos anexados posteriormente e de uma proposta alemã de 1979 de introduzir uma disposição que consagrava a reparação perante danos causados ao ambiente pelos particulares, a Convenção continuou pobre em matéria ambiental. A doutrina aponta que esta “pobreza ambiental” da Convenção deve-se ao facto do difícil entendimento e definição do bem jurídico “ambiente”, para além da falta de vontade política, visto que a boa prática ambiental envolve a utilização de recursos financeiros.

Um passo importante foi, não o reconhecimento de um direito ao ambiente, mas sim a análise de como um ataque contra o ambiente pode influir num dos direitos consagrados na Convenção. Tal deu-se numa Decisão do Tribunal de 15 de Maio de 1976. Mas tal passo, apesar de significativo, não demonstra que a Convenção protege o ambiente. Mas demonstra sim que a sociedade já mostra uma consciência ambiental. Consciência esta que vai transparecer na jurisprudência do Tribunal, como será analisado.

Mas o Tribunal não poderia mostrar-se indiferente a esta consciência que cresce de dia para dia. Introduziu assim no sistema convencional um conjunto de princípios jurídico-ambientais, através da interpretação evolutiva ou dinâmica da Convenção. Assim, o tribunal procede a uma adaptação do texto originário da Convenção às alterações dos valores e padrões sociais. Deste modo, desde a década de 80, que o Tribunal tem desenvolvido jurisprudência que reflecte as crescentes preocupações ambientais, dando à Convenção um novo âmbito de protecção: o meio ambiente.

De facto, com a evolução da sociedade, surgiram problemas que caíram em mão do Tribunal que este não podia ignorar, problemas que implicam o meio ambiente, como a poluição sonora dos aeroportos ou a poluição industrial das fábricas. Assim, o Tribunal, através desta interpretação evolutiva, interpreta extensivamente os direitos consagrados na Convenção, abarcando nestes os “direitos humanos ambientais”, gozando assim estes de uma protecção indirecta ou “por ricochete”. Com esta “defesa cruzada de direitos”, vai-se construindo uma normatividade de contornos jurídico-ambientais, que por si deve influenciar as politicas internas dos Estados contratantes.

Para além desta interpretação, surge da Convenção um outro método de protecção ambiental, as chamadas obrigações positivas, eduzidas das obrigações negativas consagradas no art. 2º ou 8º. Assim, estas obrigações positivas traduzem-se no dever dos Estados de adoptar as medidas razoáveis e adequadas para proteger os direitos, que poderão consistir, por exemplo, na adopção de legislação em matéria ambiental.

Para demonstrar a importância desta interpretação evolutiva do Tribunal, recorre-se ao âmbito dado ao direito à vida consagrado no art. 2º. O Tribunal já demonstrou que a violação do direito à vida pode estar relacionada com questões ambientais. Afinal, da protecção do ambiente, depende a salvaguarda da vida humana.

As referidas obrigações positivas devem ser prosseguidas não só pelas autoridades públicas mas também por empresas privadas que, por exemplo, tenham por prática actividades perigosas, como a indústria nuclear. Deste modo, a Convenção tem também um efeito horizontal.

De acordo com o Tribunal, “a obrigação positiva de tomar as medidas adequadas para salvaguardar a vida para efeitos do art. 2º implica sobretudo o dever primordial do Estado de implementar um sistema legal e administrativo capaz de assegurar uma dissuasão eficaz contra as ameaças do direito à vida”. Deste modo, substantivamente, o Estado tem a obrigação de adoptar uma regulamentação preventiva que reja a actividade com impacto ambiental e, processualmente, a obrigação positiva em causa impõe ao Estado a obrigação de dotar o sistema judicial de uma resposta adequada, de modo a efectivar a vertente substantiva.

Os dois casos de maior relevo nesta temática são o caso LCB c. Reino Unido, de 9 de Junho de 1998 e o Acordão Oneryildiz c. Turquia, de 30 de Novembro de 2004. Nestes dois casos, o Tribunal consagrou e demonstrou a teoria das obrigações positivas, tanto na sua vertente substantiva como processual.

No primeiro caso, a requerente veio alegar que contraiu leucemia devido ao facto do seu pai ter estado exposto a radiação nuclear, ao serviço das forças armadas britânicas, aquando da sua concepção. O seu argumento principal prendia-se na ausência de informações por parte das autoridades britânicas sobre os possíveis perigos de tal exposição. Assim, a falta de vigilância da sua saúde desde o nascimento consubstanciavam uma violação do direito à vida, consagrado no art. 2º. O Tribunal não decidiu a fazer da requerente, porque não considerou haver nexo de causalidade entre os factos, mas confirmou a obrigação positiva do Estado de realizar todos os esforços de prevenção possíveis importantes para a conservação da vida.

No segundo caso, o requerente culpabiliza as autoridades municipais da morte dos seus familiares. Estes faleceram devido a uma explosão de metano ocorrida num depósito municipal de resíduos urbanos. Embora as autoridades tivessem sido alertadas para tal perigo por um relatório pericial dois anos antes, nada fizeram para prevenir o deslizamento de terras que provocou a explosão. Neste caso, o Tribunal enunciou as referidas vertentes substantivas e processuais da teoria das obrigações positivas. Assim, conclui que as autoridades turcas violaram a obrigação positiva de promover as medidas necessárias de prevenção (vertente substantiva) e que o sistema judicial turco não assegurou a responsabilização das autoridades, ou seja, não aplicou efectivamente os seus preceitos de direito interno que garantiam o direito à vida (vertente processual).

O carácter “alargado” a questões ambientais dos direitos consagrados na Convenção pode ser demonstrado ainda com recurso a outros direitos, havendo mais jurisprudência relevante. Deste modo, o Tribunal tem desenvolvido uma jurisprudência comprometida nos ideais de protecção ambiental, ainda que ancorada numa Convenção que não os consagra. Devido ao dinamismo interpretativo do Tribunal, este tem fixado os postulados europeus de teor ambiental que deverão ser respeitados pelos Estados, sob pena de condenação internacional. Lamentável é que tal avanço em matéria de protecção ambiental dependa da execução dos Estados condenados, já que poderão não ter um recurso de revisão de actos jurisdicionais contrários à Convenção.

Bibliografia: Direito do Urbanismo e do Ambiente, Estudos Compilados. Quid Juris, 2010

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