Actos Autorizativos Jurídico -Públicos e Responsabilidade por Danos
Ambientais – o que ficou por dizer
Embora esta questão, presente no
artigo de Gomes Canotilho, já tenha sido analisada em certa medida pelo
exercício feito na aula, a verdade é que me versei apenas sobre os pressupostos
jurídico - constitucionais do “efeito justificativo” dos actos jurídico -
públicos, dado que foi essa a pergunta por mim escolhida. Como tal, muita coisa
ficou por dizer, pelo que me parece interessante voltar a olhar para esta
questão, que é tão central no âmbito do Direito do Ambiente.
Quanto
à questão dos actos autorizativos, cabe desde logo referir que estão em causa
vários interesses juridicamente relevantes que se contrapõem.
Por
um lado, temos a situação do beneficiário do acto administrativo permissivo,
que pode, dentro dos limites que lhe são impostos pela lei, pela CRP e pelo
próprio acto administrativo autorizativo válido e eficaz, exercer e desenvolver
a sua actividade, com respeito pelo seu direito à estabilidade, à protecção da
confiança e a própria liberdade de iniciativa económica e segurança jurídica.
Por
outro, os terceiros afectados por essa actividade, cuja licitude é justificada,
quando o seja, pelo acto administrativo permissivo, e que tem como consequência
a preclusão das suas pretensões por efeito desse acto. Sempre, é claro, com a
observância de princípios de exigibilidade, necessidade e proporcionalidade, essenciais
quando se tratam de questões em que existe uma colisão de interesses, como é o
caso e ainda da observância de outras exigências como a reserva de lei (que não
importa estar a referir exaustivamente uma vez que tal já foi feito noutra
sede).
No
entanto, de todas as exigências das autorizações administrativas com efeito
preclusivo, parece importante referir aquelas que envolvem directamente os
particulares, por serem estas que
os vão envolver na prática, em todo o processo. Temos por isso como essencial, o
direito à participação no procedimento no que toca à emissão destes actos, como
resulta do artigo 52.º do CPA. É lhes dada, desta forma, a oportunidade de
defenderem os seus direitos e por isso mesmo de alegar, por exemplo, possíveis
efeitos desproporcionados que possam resultar dessa licença.
Os particulares afectados pela
emissão do acto autorizativo gozam ainda de um direito de compensação de
sacrifícios. Pois se tal não acontecesse, haveria uma lesão de bens jurídicos
sem a correspondente reparação dos danos, direito constitucionalmente
protegido.
A este propósito colocam-se
diversas questões. Será esta uma pretensão jurídico - pública ou uma pretensão jurídico
– privada? Só haverá um sacrifício justificador de uma pretensão jurídico –
pública, nos casos em que a actividade se destina a satisfazer finalidades
públicas. Em todos os outros casos, haverá uma pretensão jurídico - privada.
De outro modo, se houvesse sempre
transferência do direito de indemnizar para o Estado, com o argumento de este
ter emitido o acto permissivo, tal traduzir-se-ia num efeito perverso,
implicaria que o princípio do poluidor - pagador, que se traduz na
internalização das externalidades negativas, a fim de dissuadir o comportamento
poluidor, o chamado: pagar a vontade de não poluir, se transformasse no
princípio do Estado – pagador de poluições autorizadas.
Como tal, há o dever de indemnizar do lesante independentemente da
justificação da ilicitude que o acto administrativo permissivo confere, não se
verificando assim uma subversão do princípio do poluidor – pagador. Esta
orientação é consagrada, por exemplo, no artigo 1347.º, n.º 3 do C.C. e ainda
no artigo 41.º da LBA.
Cabe ainda referir, que tanto a doutrina como a jurisprudência têm feito
uma interpretação de forma a alargar o âmbito de aplicação destas normas.
Nomeadamente quanto aos esquemas de vizinhança assentes na propriedade de
imóveis, em que se tem vindo a adoptar um conceito mais amplo, o de “vizinho
ambiental”.
Tal não significa, no entanto, que qualquer pessoa beneficia da
compensação indemnizatória. Só terá direito a recebê-la, aquelas pessoas que no
caso concreto apresentam contactos mais intensos e permanentes com o
estabelecimento poluente, exige-se um especial sacrifício. É um critério de
proximidade que articula a delimitação do conceito de lesados com a própria
individualização dos bens protegidos.
Quanto à questão de se saber quais os bens susceptíveis destas
compensações indemnizatórias, tem também sido feita uma ampliação da ideia
clássica, que tinha em vista o direito de propriedade. Tem assim sido também
abrangido o círculo de bens imateriais como o corpo, a vida e a saúde e ainda o
bem ambiente e a qualidade de vida, que são hoje direitos constitucionalmente
consagrados. E que até no caso específico do direito ao ambiente, é, para
alguma doutrina, um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias.
Quanto à questão da indemnização, há quem proponha, como o faz Gomes
Canotilho[1],
que em certas circunstâncias, se inclua ainda no círculo de bens ressarcíveis
os prejuízos ou perdas do ambiente e qualidade de vida, os “danos ecológicos”,
os que se prendem com a lesão do bem ambiente unitariamente considerado.
Note-se que é doutrina dominante, que os danos que em princípio são
susceptíveis de gerar mecanismos de responsabilidade individual, são aqueles
que advêm da lesão de bens jurídicos concretos, constitutivos do bem ambiente,
como o solo ou a água.
É então essencial, como já se referiu, a ponderação de todos os
interesses juridicamente relevantes. Como tal, é essencial referir-nos ao
carácter procedimental dinâmico destes actos autorizativos.
Por um lado, como também já se viu, permite a participação de terceiros
no procedimento; e por outro, impõe ao particular beneficiário desse acto, um
cumprimento sucessivo dos pressupostos de validade desse acto, ficando a
Administração encarregue da vigilância e controlo contínuo do seu cumprimento
podendo até eventualmente e quando se mostre necessário, ampliar os
pressupostos que são exigidos no para esse cumprimento. Isto porque, o Direito
do Ambiente é um direito em constante evolução e desenvolvimento, o que se
prende também com a sucessiva informação e desenvolvimento técnico que vai
surgindo, numa lógica de princípio da precaução, artigo 191.º, n.º 2 do TFUE e
da ideia de moratórias e da tomada de decisões ponderadas de acordo com os
conhecimentos que vão surgindo.
Assim, exige-se ao particular beneficiário do acto permissivo, um
cumprimento conforme à autorização, nomeadamente do cumprimento das condições
ou modos acessórios aos actos, artigo 121.º do CPA, que são pressupostos de
eficácia do acto. Exige-se ainda, uma actualização, uma modificação gradual do
seu comportamento, tendo em conta o princípio da proporcionalidade,
nomeadamente com a imposição de prazos, de licenças renováveis, etc, que se
prendem com a ideia já explicitada da lógica do princípio da precaução.
Pegando no exemplo dos actos permissivos anacrónicos, que é um caso que
na prática ocorre com frequência e que por isso tem grande relevância, tem a
doutrina considerado que o uso de tal licença é ilícito quando o seu titular
conhecer a ilicitude do comportamento traduzido na causação de dados graves aos
ambiente e à qualidade de vida. Nestes casos em que há uma desactualização,
consciente, do particular, o acto já não tem qualquer efeito legalizador da
actividade, nem de preclusão das pretensões de terceiros, podendo pois estes
reagir contra a actuação ilícita.
Como se pode constatar, apesar desta certa instabilidade dos actos
administrativos permissivos, continua a haver estabilidade e os particulares
que beneficiam deles, podem confiar nesses actos, no sentido de que não haverá
efeitos retroactivos, por respeito ao princípio da segurança jurídica. No
entanto é essencial, como já ficou demonstrado, uma actualização do privado
beneficiário do acto, que corresponda às inovações e novas exigências que vão
surgindo e um contínuo controlo por parte da Administração, tudo com base no
princípio da proporcionalidade e adequação. Só assim se conseguirá equilibrar
os vários interesses.
Podemos então concluir que perante o cumprimento de certos pressupostos
jurídico - constitucionais e jurídico - administrativos, os actos administrativos
autorizativos têm um efeito legalizador. Isto na medida em que a autorização
jurídico - pública de actos privados poderá, cumpridos estes pressupostos,
tornam lícito o que se aparentava como ilícito, justificando a causação de
danos reentrantes na esfera jurídica de terceiros. Neste sentido, têm uma
eficácia conformadora do direito privado, que abrange a preclusão de pretensões
de defesa de terceiros, por exemplo de acções inibitórias. Lembre-se que tal
não significa no entanto, que independentemente do efeito legalizador não haja
um dever de indemnizar e um direito de ser indemnizado pelo sacrifício, em
regra suportada pelo lesante, o beneficiário do acto permissivo.
Bibliografia:
Canotilho, José Gomes, Actos Autorizativos Jurídico - Públicos e Responsabilidade por Danos
Ambientais, in Boletim da Faculdade
de Direito, Vol. LXIX, Coimbra, 1993.
[1]
Canotilho, José Gomes, em Actos
Autorizativos Jurídico - Públicos e Responsabilidade por Danos Ambientais, in
Boletim da Faculdade de Direito, Vol.
LXIX, Coimbra, 1993, cfr., pág. 54.
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