CONTRATOS DE ADAPTAÇÃO
1. Introdução
Neste artigo iremos abordar os contratos de adaptação.
Este modelo contratual surge em sede da criação de alternativas viáveis a uma
punição imediata da empresa poluidora.
Assim, propomo-nos a caracterizar este tipo de
contratos, a analisar da sua viabilidade face ao estado actual das coisas e da
sua compatibilidade com o princípio da legalidade.
2. Caracterização
Os contratos de adaptação são contratos celebrados
entre a administração e as associações empresariais de alguns sectores onde
operam indústrias poluentes[1].
No fundo, o que se pretende com estes contratos é
conferir às empresas um prazo de conformação com o Direito, isto é, um prazo em
que as empresas têm oportunidade de alinhar os níveis de emissão poluente com
os parâmetros legais previamente estabelecidos. Dentro desse prazo não serão
objecto das sanções legalmente previstas. Pressuposto essencial é que as
empresas se vinculem a um plano de adaptação.
Estes contratos têm a virtualidade evidente de
incentivar uma efectiva redução das emissões poluentes. Com efeito, a empresa
utilizará alguns dos seus recursos não a tentar afastar, em concreto, a sua
responsabilidade, como é típico dos processos criminais ou contraordenacionais,
mas sim – e mais proveitosamente para o ambiente – em demonstrar através de
actuações positivas ou negativas que, efectivamente, está a viabilizar todos os
esforços no sentido de manter os níveis de poluição dentro dos parâmetros legais.
Assim, incentiva, talvez, de um modo mais imediato, a reestruturações de fundo
na estrutura da empresa.
3. Perigos da contratação ambiental
O primeiro problema que surge é o de que uma vez que
existirá uma tolerância por parte da administração no que remonta ao
cumprimento dos objectivos legais, a actividade poluidora será prolongada no
tempo. Se assim é, a lesão ao ambiente terá, necessariamente que ser mais
extensa.
Feita aquela premissa, importa perceber que se
entendermos – como entendemos – que existe um direito subjectivo ao ambiente,
isto é, que apesar da sua dimensão objectiva, o ambiente tem, também, uma
dimensão subjectiva[2],
então temos que admitir que gerar-se-ão relações multilaterais que opõem
administração – titulares do direito ao ambiente lesado – empresa poluidora.
Uma coisa parece certa: se é correcto afirmar que os
contratos de adaptação comportam riscos - mesmo ao nível do princípio da
legalidade (como veremos) - não menos certo é, também, que há que observar a
sua finalidade e perceber se, em concreto, são ou não preferíveis. Poder-se-á
chegar a essa conclusão em virtude do facto de esses contratos atenderem à
realidade concreta da empresa em causa – uma vez que lhes dão condições
realistas e aparentemente justas - permitindo-lhes concentrar os seus recursos
no cumprimento da lei. Com efeito, por esta via, talvez se torne menos
frequente o esforço de que as empresas assumem no sentido e afastar toda a responsabilidade
penal ou contraordenacional que lhes seja imputada, muitas vezes com sucesso (e
sem razão), para passarmos a assistir a uma era em que os recursos da empresa
passam a ser dirigidos para modificações de fundo, que visem uma conformação
real com o ambiente.
4. Princípio da legalidade
O princípio da legalidade tem vindo a perder terreno
face ao princípio da eficácia[3].
O problema está na extensão da flexibilização e nos
limites atinentes à discricionariedade administrativa. Desde que se possa
afirmar que a actuação da administração está, ainda, subordinada à lei, parece
que essa margem de discricionariedade será permitida. É certo que, actualmente,
o problema parece criar na ideia de todos que a administração tende para tomar
como base da democraticidade a legitimidade do povo decorrente das relações do
quotidiano e não aquela que decorre da concertação social gerada dentro dos
próprios órgãos de soberania. Mas, bem vistas as coisas essa é a decorrência
co-natural de uma actuação no terreno, de uma actuação que, respeitadas as
traves-mestras do sistema, não apresenta atentado contra a legitimidade
democrática.
Assim, importa averiguar em que termos, e com que
base, a administração retira a legitimidade da sua actuação nesta área.
4.1 Do regime
normativo que serve de base aos contratos de adaptação
Em primeiro lugar importa fazer alusão ao artigo 35.º,
n.º 2 da Lei 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente). Segundo o
referido preceito, o “Governo poderá celebrar contratos-programa com vista a
reduzir gradualmente a carga poluente das actividades poluidoras”. O n.º 3
esclarece em que condições podem ser celebradas esses contratos – “desde que da
continuação da laboração nessas actividades não decorram riscos significativos
para o homem ou o ambiente”.
Em segundo lugar, surge-nos o Decreto-Lei n.º 78/2004,
de 3 de Abril, que revoga o Decreto-lei n.º 352/90, de 9 de Novembro.
Importa atender à margem de discricionariedade
conferida à CCDR, nos termos do artigo 11.º, n.º 4, onde se prevê que aquela
entidade pode adoptar as medidas que entender necessárias, “designadamente a
imposição de medidas adicionais para que o funcionamento da instalação regresse
à normalidade…”.
Mas mais especificamente, ainda, atente-se ao disposto
no artigo 27.º, onde se prevê a possibilidade de, infringidos os limites legais
de emissão, e o operador o verifique, dá-se um prazo de correcção de 48 horas.
Isto não é um contrato de adaptação, mas é demonstrativo da tolerância legal em
relação a estes operadores económicos. Parte do reconhecimento que havendo
ultrapassagem dos limites legais de poluição, a melhor solução pode passar por
conceder tolerância em relação a certos aspectos, conferindo ao operador
económico a possibilidade de fazer conformar a sua situação ao meio ambiente.
De seguida, importa mencionar o Decreto-lei n.º
236/98, de 1 de Fevereiro, sendo que veio a sofrer revogações parciais ao longo
do seu curso de vigência. A última decorre do Decreto-lei n.º 243/2001.
O seu artigo 78.º contém como epígrafe – “contratos de
adaptação ambiental”. A sua importância tinha origem no facto de ser até à sua
data a única previsão normativa específica de contratos de adaptação.
Mais actual é a Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro,
que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2000/60/CE, do
parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro, que estabelece as bases e o
quadro institucional para a gestão sustentável das águas. Esta lei é regulada
pelo Decreto-Lei n.º 77/2006, de 30 de Março.
O contrato de adaptação, nesta sede, surge previsto no
artigo 96.º, n.º 2 do primeiro diploma, na medida em que se prevê a
possibilidade de a autoridade licenciadora celebrar um contrato de adaptação
com o infractor.
Note-se que, nos termos do n.º 4, a violação do
contrato de adaptação, e das condições nele previstas, comporta uma violação do
título de utilização, podendo ainda ser executadas garantias reais ou pessoais
que houverem sido prestadas.
5. Natureza jurídica dos contratos de adaptação
O problema colocava-se, na doutrina, nos seguintes
termos: Para apurar a natureza contratual, tinha que se procurar demonstrar que
a fonte de validade e de eficácia assentava no consenso das partes. Mas nada
disto era inteiramente líquido, sendo que a doutrina sentia necessidade de
distinguir os contratos de adaptação dos acordos-quadro, sendo que estes se
contrapunham à negociação individual, na medida em que, ao contrário dos
primeiros, funcionariam como contratos de adesão.
Hoje a questão parece estar resolvida na doutrina no
sentido de se entender que os contratos de adaptação são contratos
administrativos[4].
Também o legislador entendeu por bem tomar posição. Com efeito, surge-nos
disposto no artigo 96.º, n.º 2, da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, que o
contrato de adaptação tem a natureza jurídica de um contrato administrativo.
6. O problema do artigo 112.º da CRP
O n.º 5 dispõe que “Nenhuma lei pode criar outras categorias
de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com
eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar
qualquer dos seus preceitos”. Visa-se com esta norma garantir que a hierarquia
das leis seja. Ora, desde logo, o problema que no, âmbito do nosso tema, se nos
coloca é o das relações entre o contrato de adaptação e os regulamentos
administrativos, na medida em que estes são hierarquicamente superiores.
Duarte Rodrigues Silva parte do entendimento de que
nada obsta a que uma lei permita que uma lei permita a um acto de hierarquia
inferior a um regulamento o modifique.
Temos dúvidas de que assim seja. Com efeito,
poder-se-ia, por esta via, correr o risco de se subverter o sistema. Julgamos,
pois, que a conformidade em escalão deve ser mantida.
7. Conclusões
Como mencionámos acima, os contratos de adaptação
apresentam evidentes vantagens. São, sem sombra de dúvida, um modo mais
maleável de se permitir a conformação dos administrados com a legislação
ambiental, sem que tenham que sofrer o risco de virem a ser acoimados com base
numa conduta que ficou “fotografada no tempo”, sendo que toda a
responsabilidade que daí advenha remontaria a um dado momento específico,
momento, esse, que corresponde ao momento da prática do facto.
Os contratos de adaptação permitem, ainda, que as
empresas infractoras canalizem os seus recursos numa eficaz reestruturação das
suas infra-estruturas. Dessa forma, permite-se que possam corrigir – num lapso
de tempo que se adeque à sua realidade económica – os níveis excedentes de
poluição que precisamente consubstanciam toda a infracção.
Há no entanto óbices a este modelo, em especial os que
se prendem com o princípio da legalidade, dada a escassa habilitação legal
existente, e, ainda, face à estruturação hierárquica em que assenta o nosso
sistema de normas, que implica maiores cautelas na conjugação dos vários
instrumentos normativos e inerente relação entre eles (Cfr. artigo 112.º, n.º 5
da CRP).
[1] Cfr. Mark
Bobela-Mota Kirkby, Os contratos de adaptação ambiental: A concentração entre a
administração pública e os particulares na aplicação de normas de polícia
administrativa, Lisboa, AAFDL, 2001, pp. 13 e ss.
[2] Nesse sentido,
Vasco Pereira da Silva, Verde cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente,
Almedina, 2002, pp. 106 e ss.
[3] Apud Mark
Kirkby, Os contratos…, p. 46, Isabel Moreira, Contratos de adaptação ambiental
– algumas reflexões, trabalho apresentado no âmbito de concurso para assistente
estagiário na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1999
[4] Cfr. Mark Kirkby,
Os contratos… p. 103; Duarte Rodrigues Silva, Os contratos de adaptação
ambiental, Relatório concluído no âmbito do seminário de Direito Administrativo
do Ambiente, coordenado pelo Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, relativo
à parte escolar do curso de Mestrado integrado em Ciências jurídico-políticas,
pp. 26 e ss.
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