segunda-feira, 21 de maio de 2012

O princípio do poluidor-pagador


« O princípio [do poluidor pagador] pode, pois, ser descrito como uma regra de bom senso, económico, jurídico e político. » (OCDE)

O princípio do poluidor-pagador nasce no quadro da OCDE e adquire posteriormente consagração comunitária através do Acto único Europeu, tendo a sua sede no actual artigo 174º/2 do TUE.

Para além disso, goza também entre nós de natureza constitucional, representando um corolário necessário da norma do artigo 66º/2 h) da CRP, que impõe ao Estado a tarefa de « assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com ambiente e qualidade de vida », para além de estar também consagrado no artigo 3º da Lei de Bases do Ambiente.
Pode afirmar-se que este princípio representa a pedra angular da política comunitária do ambiente.
Não é um fim em si mesmo, mas um mero princípio instrumental para a realização concreta do direito ao ambiente.
É um princípio típico do Estado social que obriga a criar normas que alterem a ordenação espontânea de valores que se gera através das regras do mercado, ordenação essa que redunda na subjugação da parte mais fraca à mais forte, contribuindo assim para alcançar o bem-estar e a justiça social, e que se concretiza através de inúmeros sub-princípios de conteúdo mais concreto: o princípio da precaução (ou potencial poluidor pagador), da prevenção (ou incitamento), da prevenção dinâmica (ou actualização), do equilibrio do orçamento ambiental (ou da redistribuição, da reparação indirecta, ou da « reciclagem dos fundos »), do produtor-eliminador (ou correcção na fonte dos danos ao ambiente).
Maria Alexandra de Sousa Aragão chega mesmo a defender que princípios da prevenção, da precaução e da correcção na fonte são subprincípios concretizadores do princípio do poluidor-pagador (doravante, PPP).
Este princípio decorre da consideração de que os sujeitos económicos,que são beneficiários de uma determinada actividade poluente, devem igualmente ser responsáveis, pela via fiscal, no que respeita à compensação dos prejuízos que resultam para toda a comunidade do exercício dessa actividade.
Começou por ser apenas um principio económico, visando alcançar a máxima eficácia na internalização dos custos, mas ascendeu posteriormente a princípio geral de Direito do Ambiente, podendo considerar-se actualmente um princípio de ordem pública ecológica.
A OCDE, sua grande defensora, classifica-o como « uma regra de bom senso, económico, jurídico e político. »
O seu alcance tem vindo a ser alargado – considera-se que tal compensação financeira não se deve apenas referir aos prejuízos efectivamente causados, mas também aos custos da reconstituição da situação, assim como às medidas de prevenção que é necessário tomar para impedir ou minimizar similares comportamentos de risco para o meio ambiente.
O PPP realiza-se através dos mais diversos instrumentos financeiros, nomeadamente impostos (directos ou indirectos), taxas, politicas de preços e beneficios fiscais.
Não é o mesmo que a responsabilidade civil por danos ambientais – não é correcto pensar que tem natureza curativa e não preventiva, ou seja, uma vocação para intervir a posteriori e nao a priori.
Não é reconduzível a um mero principio de responsabilidade civil - cada um dos principios deve « especializar-se » na realização dos fins para os quais está natural e originalmente mais vocacionado, ou seja, o principio da responsabilidade para a reparação dos danos causados às vítimas ; o princípio do poluidor-pagador para a precaução, prevenção e redistribuição dos custos da poluição.
Pretender que o princípio evolua no sentido da convergência com o princípio da responsabilidade civil, é desaproveitar as possibilidades de um e outro principio, em detrimento do sentido útil de ambos.
O principal mérito do PPP, em relação à responsabilidade civil, é a eficiência ecológica na prevenção e precaução da poluição ; em relação à soluçao fiscal e aos subsidios, é a equidade na angariação de receitas e na imputação dos custos (redistribuição), e a eficácia económica, pois a internalização é feita ao menor custo económico.
O PPP é o principio que, com maior eficácia ecológica, economia e equidade social, consegue realizar o objectivo de protecção do ambiente, sendo que os fins que ele permite realizar são a precaução e a prevenção dos danos ao ambiente e a justiça na redistribuição dos custos das medidas públicas de luta contra a degradação do ambiente.
Por ser um princípio relativamente indeterminado, dado que a sua formulação não transmite com precisão o seu conteúdo, podem surgir dúvidas na sua concretização legislativa.
Ora, sendo os poderes públicos os destinatários directos do PPP e os poluidores apenas os seus destinatários indirectos, a intervenção concretizadora do legislador deve servir para definir o âmbito subjectivo, o conteúdo, a extensão e os limites das obrigações dos poluidores.
Os principais deveres que do PPP decorrem para os poderes públicos são os seguintes :
-         -  Dever de criar normas de protecção do ambiente, com um certo conteúdo conforme ao PPP
-         -  Dever de correcção e actualização das normas
-         -  Dever de desenvolver acções públicas de protecção do ambiente financiadas pelos poluidores
-         -  Dever de auxiliar as vítimas, com receitas provenientes da politica do ambiente
-         -  Dever de controlar e sancionar a criação, aplicação e cumprimento das normas
Se o valor a suportar pelos poluidores for bem calculado, conseguir-se-á a reduçao da poluição a um nivel considerado aceitável, que até pode ser proximo de zero e a criação simultânea de um fundo público destinado a combater a poluição residual ou acidental, auxiliar as vítimas da poluição, custear despesas públicas de administração, planeamento e execução da política de protecção do ambiente.
Se depois de se aplicar o PPP, a situação alcançada ainda não for a ideal -  poluição a mais ou fundos a menos – o legislador deverá elevar um pouco mais o montante dos pagamentos a efectuar pelo poluidor até conseguir que este adopte o comportamento considerado ambientalmente desejável.
O montante dos pagamentos a impôr aos poluidores não deve ser proporcional aos danos provocados, mas antes aos custos de precaução e prevenção dos danos ao ambiente. Este principio actua antes e independentemente dos danos ao ambiente terem ocorrido e da existencia de vitimas. Aquele montante deve então ser proporcional aos custos estimados, para os agentes económicos, de precaver ou de prevenir a poluiçao.
Isto justifica-se por só assim os poluidores serem motivados a escolher entre poluir e pagar (ao Estado) ou (pagar para) não poluir, investindo por exemplo em processos produtivos ou matérias primas menos poluentes, ou mesmo em investigação de novas técnicas e produtos alternativos.
Daqui decorre um resultado sempre mais vantajoso em termos sociais : ou deixa praticamente de haver poluição, e portanto poluidores-pagadores, ou então a poluição reduz-se a niveis mais aceitaveis e os poderes públicos responsaveis pelo ambiente passam a dispor de verbas para afectar ao combate à poluiçao, sem com isso onerar mais os contribuintes em geral, que são muitas vezes duplamente vitimas da poluição (pelos danos originados pela poluição e pelo agravamento da carga fiscal para dotar o Estado de meios de combate à poluição e danos ambientais).
No seguimento do que já foi acima mencionado, frisa-se que um dos grandes méritos do PPP é conseguir a criação destas verbas para o Estado afectar ao combate à poluiçao, evitando que os contribuintes tenham que custear, através dos impostos, as medidas tomadas pelos poderes públicos para proteger o ambiente, sejam medidas legislativas, administrativas ou actos materiais.
Deverão ser criados fundos alimentados pelos poluidores, dos quais sairão as verbas necessárias à realizaçao das despesas públicas de protecção do ambiente – política do «equilibrio do orçamento ambiental » ou politica de « reciclagem de fundos » - angariação coactiva de fundos entre os poluidores , destinados ao financiamento da política de protecção do ambiente, permitindo assegurar equidade na redistribuição dos custos sociais da poluição e, sobretudo, protecção eficaz e económica do ambiente.
O PPP desempenha uma função denominada « internalização das externalidades ambientais negativas » , sendo que actividades geradoras de externalidades negativas são aquelas que impõem custos a terceiros independentemente da vontade destes e da vontade de quem desenvolve essas actividades.
A internalização das externalidades que as taxas realizam significa que, por este meio, se forçam os poluidores a ter em consideração, nos seus cálculos económicos, os prejuízos provocados à sociedade em geral pela actividade que desenvolvem e mais do que isto, se forçam os poluidores a modificar a sua conduta tornando-a socialmente menos nociva.
O Professor Vasco Pereira da Silva, dá o exemplo do preço dos combustiveis como o de uma política pública que nao parece compativel com este principio, uma vez que quase não penaliza os combustiveis mais poluentes, nao se traduzindo num verdadeiro incentivo para o consumo de combustiveis mais « amigos do ambiente », nem para uma correcta ponderação do factor ecológico nas escolhas racionais dos sujeitos económicos.
Por força deste princípio, aos poluidores não podem ser dadas outras alternativas que não deixar de poluir ou então ter que suportar um custo económico em favor do Estado que, por sua vez, deverá afectar as verbas assim obtidas prioritariamente a acções de protecção do ambiente.
Os poluidores terão então que fazer os seus cálculos de modo a escolher a opção economicamente mais vantajosa - tomar todas as medidas necessárias a evitar a poluição ou manter a produção no mesmo nível e condições e, consequentemente, suportar os custos que isso acarreta.

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