« O princípio [do poluidor pagador] pode, pois, ser descrito como
uma regra de bom senso, económico, jurídico e político. » (OCDE)
O princípio do
poluidor-pagador nasce no quadro da OCDE e adquire posteriormente consagração
comunitária através do Acto único Europeu, tendo a sua sede no actual artigo
174º/2 do TUE.
Para além disso, goza também entre nós de natureza constitucional,
representando um corolário necessário da norma do artigo 66º/2 h) da CRP, que impõe ao Estado a tarefa de
« assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com
ambiente e qualidade de vida », para além de estar também consagrado no
artigo 3º da Lei de Bases do Ambiente.
Pode afirmar-se que este princípio representa a pedra angular da política
comunitária do ambiente.
Não é um fim em si mesmo, mas um mero princípio instrumental para a
realização concreta do direito ao ambiente.
É um princípio típico do Estado social que obriga a criar normas que
alterem a ordenação espontânea de valores que se gera através das regras do mercado, ordenação essa que redunda na subjugação da parte mais fraca à mais forte, contribuindo assim para alcançar o bem-estar e a justiça social, e que se
concretiza através de inúmeros sub-princípios de conteúdo mais concreto: o princípio da precaução (ou potencial poluidor pagador), da prevenção (ou incitamento), da
prevenção dinâmica (ou actualização), do equilibrio do orçamento ambiental (ou
da redistribuição, da reparação indirecta, ou da « reciclagem dos
fundos »), do produtor-eliminador (ou correcção na fonte dos danos ao
ambiente).
Maria Alexandra de Sousa Aragão chega mesmo a defender que princípios da
prevenção, da precaução e da correcção na fonte são subprincípios
concretizadores do princípio do poluidor-pagador (doravante, PPP).
Este princípio decorre da consideração de que os sujeitos económicos,que são
beneficiários de uma determinada actividade poluente, devem igualmente ser
responsáveis, pela via fiscal, no que respeita à compensação dos prejuízos que
resultam para toda a comunidade do exercício dessa actividade.
Começou por ser apenas um principio económico, visando alcançar a
máxima eficácia na internalização dos custos, mas ascendeu posteriormente a
princípio geral de Direito do Ambiente, podendo considerar-se actualmente um
princípio de ordem pública ecológica.
A OCDE, sua grande defensora, classifica-o como « uma regra de bom senso, económico, jurídico
e político. »
O seu alcance tem vindo a ser alargado – considera-se que tal
compensação financeira não se deve apenas referir aos prejuízos efectivamente
causados, mas também aos custos da reconstituição da situação, assim como às
medidas de prevenção que é necessário tomar para impedir ou minimizar similares comportamentos de risco para o meio ambiente.
O PPP realiza-se através dos mais diversos instrumentos financeiros,
nomeadamente impostos (directos ou indirectos), taxas, politicas de preços e beneficios fiscais.
Não é o mesmo que a responsabilidade civil por danos ambientais –
não é correcto pensar que tem natureza curativa e não preventiva, ou seja, uma
vocação para intervir a posteriori e nao a priori.
Não é reconduzível a um mero principio de responsabilidade civil - cada
um dos principios deve « especializar-se » na realização dos fins
para os quais está natural e originalmente mais vocacionado, ou seja, o principio da responsabilidade para a
reparação dos danos causados às vítimas ; o princípio do poluidor-pagador para a precaução, prevenção e
redistribuição dos custos da poluição.
Pretender que o princípio evolua no sentido da convergência com o
princípio da responsabilidade civil, é desaproveitar as possibilidades de um e
outro principio, em detrimento do sentido útil de ambos.
O principal mérito do PPP, em relação à responsabilidade civil, é a
eficiência ecológica na prevenção e precaução da poluição ; em relação à
soluçao fiscal e aos subsidios, é a equidade na angariação de receitas e na
imputação dos custos (redistribuição), e a eficácia económica, pois a
internalização é feita ao menor custo económico.
O PPP é o principio que, com maior eficácia ecológica, economia e equidade
social, consegue realizar o objectivo de protecção do ambiente, sendo que os
fins que ele permite realizar são a precaução e a prevenção dos danos ao
ambiente e a justiça na redistribuição dos custos das medidas públicas de luta
contra a degradação do ambiente.
Por ser um princípio relativamente indeterminado, dado que a sua
formulação não transmite com precisão o seu conteúdo, podem surgir dúvidas na
sua concretização legislativa.
Ora, sendo os poderes públicos os destinatários directos do PPP e os
poluidores apenas os seus destinatários indirectos, a intervenção
concretizadora do legislador deve servir para definir o âmbito subjectivo, o
conteúdo, a extensão e os limites das obrigações dos poluidores.
Os principais deveres que do PPP decorrem para os poderes
públicos são os seguintes :
- - Dever de
criar normas de protecção do ambiente, com um certo conteúdo conforme ao PPP
- - Dever de
correcção e actualização das normas
- - Dever de desenvolver acções públicas de protecção do ambiente financiadas pelos poluidores
- - Dever de
auxiliar as vítimas, com receitas provenientes da politica do ambiente
- - Dever de
controlar e sancionar a criação, aplicação e cumprimento das normas
Se o valor a suportar pelos poluidores for bem calculado,
conseguir-se-á a reduçao da poluição a um nivel considerado aceitável, que até
pode ser proximo de zero e a criação simultânea de um fundo público destinado
a combater a poluição residual ou acidental, auxiliar as vítimas da
poluição, custear despesas públicas de administração,
planeamento e execução da política de protecção do ambiente.
Se depois de se aplicar o PPP, a situação alcançada ainda não for a
ideal - poluição a mais ou fundos a
menos – o legislador deverá elevar um pouco mais o montante dos pagamentos a
efectuar pelo poluidor até conseguir que este adopte o comportamento
considerado ambientalmente desejável.
O montante dos pagamentos a impôr aos poluidores não deve ser proporcional aos danos provocados, mas antes aos
custos de precaução e prevenção dos danos ao ambiente. Este principio actua
antes e independentemente dos danos ao ambiente terem ocorrido e da existencia
de vitimas. Aquele montante deve então ser proporcional aos custos estimados,
para os agentes económicos, de precaver ou de prevenir a poluiçao.
Isto justifica-se por só assim os poluidores serem motivados a escolher
entre poluir e pagar (ao Estado) ou (pagar para) não poluir, investindo por exemplo
em processos produtivos ou matérias primas menos poluentes, ou mesmo em
investigação de novas técnicas e produtos alternativos.
Daqui decorre um resultado sempre mais vantajoso em termos
sociais : ou deixa praticamente de haver poluição, e portanto poluidores-pagadores, ou então a poluição reduz-se a niveis mais aceitaveis e os poderes públicos
responsaveis pelo ambiente passam a dispor de verbas para afectar ao combate à
poluiçao, sem com isso onerar mais os contribuintes em geral, que são muitas
vezes duplamente vitimas da poluição (pelos danos originados pela poluição e pelo agravamento da carga fiscal para dotar o Estado de meios de
combate à poluição e danos ambientais).
No seguimento do que já foi acima mencionado, frisa-se que um dos
grandes méritos do PPP é conseguir a criação destas verbas para o Estado
afectar ao combate à poluiçao, evitando que os contribuintes tenham que custear,
através dos impostos, as medidas tomadas pelos poderes públicos para proteger o
ambiente, sejam medidas legislativas, administrativas ou actos materiais.
Deverão ser criados fundos alimentados pelos poluidores, dos quais
sairão as verbas necessárias à realizaçao das despesas públicas de protecção do
ambiente – política do «equilibrio do orçamento ambiental » ou
politica de « reciclagem de fundos » - angariação coactiva de fundos
entre os poluidores , destinados ao financiamento da política de protecção do
ambiente, permitindo assegurar equidade na redistribuição dos custos sociais da
poluição e, sobretudo, protecção eficaz e económica do ambiente.
O PPP desempenha uma função denominada « internalização das
externalidades ambientais negativas » , sendo que actividades geradoras de
externalidades negativas são aquelas que impõem custos a terceiros
independentemente da vontade destes e da vontade de quem desenvolve essas
actividades.
A internalização das externalidades que as taxas realizam significa
que, por este meio, se forçam os poluidores a ter em consideração, nos seus
cálculos económicos, os prejuízos provocados à sociedade em geral pela
actividade que desenvolvem e mais do que isto, se forçam os poluidores a modificar
a sua conduta tornando-a socialmente menos nociva.
O Professor Vasco Pereira da Silva, dá o exemplo do preço dos combustiveis
como o de uma política pública que nao parece compativel com este principio, uma
vez que quase não penaliza os combustiveis mais poluentes, nao se traduzindo
num verdadeiro incentivo para o consumo de combustiveis mais « amigos do
ambiente », nem para uma correcta ponderação do factor ecológico nas
escolhas racionais dos sujeitos económicos.
Por força deste princípio, aos poluidores não podem ser dadas outras
alternativas que não deixar de poluir ou então ter que suportar um custo
económico em favor do Estado que, por sua vez, deverá afectar as verbas assim
obtidas prioritariamente a acções de protecção do ambiente.
Os poluidores terão então que fazer os seus cálculos de modo a escolher
a opção economicamente mais vantajosa - tomar todas as medidas necessárias
a evitar a poluição ou manter a produção no mesmo nível e condições e,
consequentemente, suportar os custos que isso acarreta.
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