A ecologização da justiça administrativa – direito do ambiente, âmbito
público ou também privado?
Assim, nos dias de hoje ao abrigo
do artigo 52.º/3 da Constituição, torna-se claro que o legislador
constitucional admite o exercício da acção popular relativamente a bens de
natureza colectiva, entre os quais o ambiente. Tal indica directamente a via da
legitimidade popular para atribuir defesa aos direitos do ambiente, sendo que o
legislador dá impulso à construção dogmática de uma situação jurídica diversa,
quer dos direitos ambientais, quer dos direitos a prestações tradicionais.
Desta forma, estabelece-se uma
condição de acesso à justiça contextualizada a partir da integração comunitária
do sujeito e justificada pela vontade de actuar em nome de valores
supra-individuais, confirmando-se a existência de bens jurídicos de particular
natureza.
É de ressalvar que tal
legitimidade popular não se cumula, em tempo algum, com a legitimidade
singular, uma vez que são bens com diferentes características e que, desta
forma, carecem de abordagens processuais diferentes.
Considerando o artigo 66.º/1, 1ª
parte da CRP, que introduz o conceito “direito ao ambiente” como um interesse fundamental,
reconduz-se a uma ideia de preservação da integridade dos bens ambientais
naturais (a relevar o 66.º/2 da CRP, quanto este assunto). O interesse na
preservação do património ambiental natural é um interesse público, que só por
formas de extensão da legitimidade singular (popular e associativa), bem como
da legitimidade pública encarnada institucionalmente pelo Ministério Público,
pode ser procedimental e processualmente, assegurado.
O objecto cuja a integridade se
quer preservar é de natureza pública, ou seja, a possível lesão produzida é pública,
sendo a eventual indemnização a decidir de afectação pública. Quer o artigo
52.º/3 da CRP, quer o 2.º/1 da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto, quer o artigo
9.º/2 do CPTA, ao admitirem o “interesse pessoal” do acto popular, conduzem a
um possível lapso quanto ao entendimento do fenómeno de alargamento da legitimidade
que o mecanismo veicula.
Destarte, uma coisa será a defesa
de um interesse individual através da legitimidade tradicional (objecto do processo
configurado à medida da vantagem pessoal que se espera obter com o provimento
da acção), outra coisa será a tutela do interesse supra-individual através da
legitimidade popular (objecto do processo configurado à medida do ganho para a
colectividade resultante do provimento da acção). A primeira legitimidade trará
reflexos individuais directos como a protecção da integridade física contra emissões
poluentes, e reflexos colectivos indirectos como a preservação da integridade
da fauna e flora circundantes ou quanto à qualidade do ar; e a segunda reflectirá
efeitos colectivos directos como a defesa de uma espécie animal em vias de
extinção, sendo que não tem de ter efeitos mediatos na esfera pessoal.
Ressalva-se que ao mesmo sujeito
é concretizável optar, em função do interesse que concretamente deseja
prosseguir, entre a legitimidade singular e popular, sendo que como já foi supra referido, não pode nunca,
relativamente ao mesmo objecto, utilizar as duas vias de legitimação.
A Professora Dra. Carla Amado
Gomes defende quanto aos bens jurídicos ambientais, uma concepção restrita, na
acepção de bens ambientais naturais, o que leva a considerar melhor a opção da
tutela processual junto da jurisdição administrativa, em razão do seu carácter
publico e, que releva uma logica de solidariedade colectiva/comunitária.
A natureza, privada ou pública,
da actividade constituída como ameaça ou concretizadora de dano ambiental,
esbate-se face ao interesse público na preservação da lesão ou reparação do
dano. É com esta afirmação que se apreende que a tutela do ambiente é
imperativa face à tutela individual uma vez que havendo um dano de um bem da
colectividade, há necessidade de garantir que este é ressarcido a favor dessa
mesma comunidade e não a favor da titularidade de direitos individuais.
A reunião de todo o contencioso
ambiental, sob a alçada da jurisdição administrativa concentra em si, cinco
fortes argumentos a seu favor:
- O facto de se tratar de um
conjunto de litígios cujo objecto é público (protecção da integridade dos bens
ambientais naturais);
- O facto de ser público faz com
que chame a si a aplicação do Direito público, máxime, de Direito Administrativo;
- Grande parte dos litígios de
relações jurídicas ambientais consolidadas através de actos autorizativos, já
pertencem, por força do artigo 4.º/1 alíneas b) e l) do ETAF, à jurisdição
administrativa;
- O Direito Administrativo só ganharia
com a progressiva especialização jurisprudencial numa única ordem de jurisdição,
sendo que a tendência é para que seja a administrativa;
- A sedimentação jurisprudencial
contribuiria também para o enraizamento das boas práticas ambientais na comunidade,
quer ao nível dos cidadãos individuais, quer ao nível das empresas.
Olhar para os direitos ambientais
como objecto de pretensões privadas, como se estivéssemos a trata de direitos
individuais que qualquer agente pode dispôr a seu belo prazer, seria distorcer
a função fundamental do direito ao ambiente, que se remete, em grande medida, para
um direito de carácter colectivo.
Bibliografia:
“Textos Dispersos de Direito do Ambiente” – I Volume,
Carla Amado Gomes, Lisboa, 2008, pp. 261-266.
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