domingo, 20 de maio de 2012

O direito ao ambiente na jurisprudencia

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (17-04-2012) (..) IV – No que respeita ao enquadramento jurídico da matéria de facto que se mostra provada, o recorrente vem sustentar, que, contrariamente ao decidido, se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito e do consequente dever de indemnizar os danos não patrimoniais produzidos, pelo que, por tal motivo, deve proceder o pedido pelo mesmo formulado, em todas as vertentes que o compõem. Na verdade, o direito ao sossego, ao repouso e ao sono traduzem-se em factores que se mostram potenciadores, em grau muito elevado, da recuperação física e psíquica do agente, nomeadamente nas situações da vida quotidiana em que a suspensão da actividade laboral do mesmo, por motivo de férias, tem como principal escopo a prossecução de tais fins, constituindo-se, por tal motivo, os referidos direitos como uma emanação do direito à integridade física e moral da pessoa humana e a um ambiente de vida sadio, direitos esses que se mostram acolhidos como direitos da personalidade humana na Declaração Universal dos Direitos do Homem – art. 24º -, que se encontram constitucionalmente consagrados como direitos fundamentais nos arts. 16º e 66º da CRP e que são objecto de protecção na lei ordinária no âmbito do preceituado no art. 70º do CC, nos arts. 2º e 22º da Lei n.º 11/87, de 07/04 (Lei de Bases do Ambiente) e no DL n.º 292/2000, de 14/11, (Regulamento Geral do Ruído), actualmente substituído pelo DL n.º 9/2007, de 17/01, impendendo sobre o seu infractor a responsabilidade civil por tal lesão, a qual se traduz na obrigação de proceder ao ressarcimento dos danos causados ao lesado, nos termos do preceituado no art. 483 e segs. do CC – n.º 2 daquele citado art. 70º e Anotado dos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, vol. I, pág. 104 -, constituindo, assim, e por tal motivo, pressupostos da referida obrigação indemnizatória: - Um facto voluntário do agente; - Que o referido facto revista natureza ilícita; - Que o mesmo seja susceptível de imputação ao lesante, a título de dolo ou culpa; - Que ocorra um dano para o lesado; e - Que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima. - pág. 471 e segs. daquela última obra e vol. citados. Temos, portanto, que, de acordo com a factualidade que vem provada da Relação, no Verão de 2004, e, pelo menos, durante três vezes por semana, das 22h à 1h e 30m da madrugada, no estabelecimento de café-bar propriedade do R e por este explorado, actuou uma banda musical, composta por cinco elementos, cujos acordes pela mesma produzidos se projectavam, através da porta principal que se encontrava aberta, na direcção da habitação do A, situada a cerca de 200m, situação essa a que o R não quis pôr cobro, apesar de para tal ter sido advertido pelas autoridades policiais e por um familiar do A, que lhe deu conhecimento do estado psíquico em que o mesmo se encontrava por força do ruído provocado pelos espectáculos de “música ao vivo” realizados no referido estabelecimento e para os quais, aliás, o referido estabelecimento não possuía qualquer licenciamento. Com efeito, e embora tenha sido considerado como provado, que, no interior da aludida residência, o som que era audível era proveniente de diversas bandas que actuavam nos bares da zona, na fundamentação respeitante à alteração da referida resposta por parte da Relação, escreveu-se que: Se tomarmos em consideração, como se disse, que na época dos factos (Verão de 2004) havia também “música ao vivo” em outros 2 bares (“DD” e “EE”) e que junto da casa do A. havia o bar “FF” com música que se fazia ouvir no exterior, teremos que concluir que, com tanta música, o que com toda a probabilidade se ouvia era uma barulheira generalizada da qual mais se destacava para o A. a que era produzida pela banda “ao vivo” no bar “CC” mas que, misturada com a restante, não lhe permitia a audição do ritmo, nem dos acordes, nem do que os respectivos vocalistas cantavam ou diziam com as suas vozes que ele ouvia. Isto é, o A. ouvia o som musical proveniente desse bar – e que era o que mais se destacava – e proveniente de outros bares, e ainda vozearia proveniente de vários locais, destacando-se, como se disse, a que provinha do bar “CC”, vindo, igualmente, provado, que, embora se encontrassem fechadas as portas e janelas da referida habitação, se ouvia no seu interior um barulho constituído por um “tum-tum”, sendo, no aludido Verão de 2004, o estado permanente do A, de irritação e nervosismo, em consequência do ruído que se verificava e da impossibilidade de dormir durante o período de actuação da banda. Perante a factualidade exposta, mostram-se verificados, em nosso entender, os apontados pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do R. Assim, a actividade musical desenvolvida no estabelecimento do qual aquele era proprietário, e ao qual pertencia a respectiva exploração, não pode deixar de ser considerada como um facto directamente dependente da sua vontade, já que, nada em contrário vindo provado por parte do mesmo, a quem tal prova incumbia – art. 342º, n.º 2 do CC -, a referida actividade lúdica era directa e inquestionavelmente por si controlável, inserindo-se, obviamente, num meio destinado à atracção da clientela, nomeadamente numa zona de lazer e de elevada projecção turística, frequentada, quer por parte de cidadãos nacionais, quer, sobretudo, por parte de cidadãos de outras nacionalidades. Por seu turno, e se é certo que se não mostra quantificado o nível acústico do ruído provocado pela banda que actuava no estabelecimento do R, nomeadamente no que respeita à circunstância do mesmo exceder ou não exceder os limites fixados no aludido Regulamento Geral do Ruído, nível de pressão sonora essa, que, todavia, sempre se mostrava impossível de determinação concreta através da sua medição em momento posterior ao termo da sua ocorrência, e, sobretudo, como foi objecto de decisão por um tribunal superior, seis anos após o seu termo, todavia, não poderá deixar de ser tido em linha de consideração, que “o direito de personalidade não pode ser restringido por um simples regulamento; a compatibilização jurídica do Regulamento do Ruído com o direito de personalidade deve ser feita no sentido de que todos devem limitar a emissão de ruídos, em geral, ao estabelecido no Regulamento, mas desse Regulamento não resulta um «direito a fazer ruído» e muito menos a licitude do impedimento do repouso alheio; o direito de personalidade prevalece sobre o regulamento do ruído” – Teoria Geral do Direito Civil, do Prof. P ais de Vasconcelos, 3ª edição, pág. 59 -, de tal decorrendo, portanto, a ilicitude da conduta do R, traduzida na violação do direito de personalidade do A, na segmentação respeitante ao direito deste ao sono e à saúde psíquica. Por outro lado, a conduta do R reveste natureza manifestamente culposa, já que “agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito, sendo a conduta do lesante reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se deva concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo” – Das Obrigações em geral do Prof. Antunes Varela, vol. I, 8ª edição, pág. 571 -, resultando da enunciada factualidade que se mostra provada, que o mesmo não podia ignorar que os espectáculos de “música ao vivo”, que se realizavam no seu bar, perturbavam os residentes em habitações próximas, não só pela inevitabilidade da ocorrência de tal situação, na percepção de qualquer cidadão comum, por força da inexistência de quaisquer obstáculos, portas totalmente abertas, à propagação do som proveniente dos concertos que ali eram realizados, como também porque tal facto, no que directamente respeitava aos seus reflexos na pessoa do A, lhe havia sido directamente comunicado por um familiar deste último, constando igualmente da fundamentação exarada pela 1ª instância às respostas à matéria de facto, ter sido referido pelo, à data, comandante do posto da GNR de Albufeira, a existência de outras reclamações, para além da do A, contra o referido bar, por causa do ruído pelo mesmo provocado, as quais determinaram a deslocação ao local, por várias vezes, de patrulhas daquela corporação policial – fls. 426. E a provada impossibilidade de adormecer, por parte do A, enquanto decorria a actuação da banda musical, bem como o estado psíquico de irritação e nervosismo de que foi portador durante o Verão de 2004, em consequência do ruído e da impossibilidade de conseguir um sono retemperador, constituem-se como danos de natureza não patrimonial, que, pela sua gravidade, se não configuram como simples incómodos, como foi entendido pela Relação, atendendo a que tais situações se mostram susceptíveis de enquadramento no âmbito da violação do direito à saúde, devendo, consequentemente, os referidos danos ser objecto de ressarcimento pela via indemnizatória, atendendo-se, no seu respectivo cálculo, ao critério da equidade – art. 496º, n.ºs 1 e 3 do CC. Concomitantemente, haverá, igualmente, a referir, que se não mostram elididas, total ou parcialmente, as apontadas causas geradoras do aludido estado psíquico de que o A padeceu, nomeadamente em consequência da ocorrência, no período temporal em causa, de qualquer outro acontecimento que o haja atingido ou no qual o mesmo tenha intervindo, sendo que a provada natureza do barulho que era audível na residência daquele, pelo seu tom monocórdico e processando-se de forma sistemática e contínua, de acordo com as normais regras da experiência do comum dos cidadãos, assume-se como um factor altamente perturbador e de efeito duradouro no que respeita ao equilíbrio do sistema nervoso de um qualquer agente que não sofra de perda acentuada de audição, perturbação essa, que, dessa forma se constitui como um facto notório – art. 514º, n.º 1 do CPC -, cujo conhecimento se não mostra vedado a este STJ – Estudos do Prof. Teixeira de Sousa, pág. 427-, pelo que, por tal motivo, se mostra assim preenchido o nexo de causalidade, traduzido na relação de causa- efeito, entre os factos praticados pelo R e os danos sofridos pelo A, quer sob o ponto de vista da sua condicionalidade em concreto, quer em abstracto. E, embora, como atrás se aludiu, haja sido considerado provado pela Relação, que a música e vozes audíveis no interior da residência do A provinham de diversas bandas que realizavam espectáculos de “música ao vivo” nos bares da zona onde aquela se localizava, bandas essas entre as quais se englobava a que actuava no bar do R, tal circunstância não se constitui como factor dirimente da responsabilidade indemnizatória deste. Com efeito, sendo vários os autores de um facto ilícito, sobre todos impende a responsabilidade pelos danos causados, ainda que tal actuação não haja entre os mesmos sido concertada, a que acresce que tal responsabilidade, por força da sua natureza solidária, determina a satisfação integral pelo R da indemnização a arbitrar ao A a título de danos não patrimoniais – arts. 490º, 497º, n.º 1 e 512º, n.º 1 do CC e pág. 491 do volume e obra atrás citados dos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela. O A veio, igualmente, peticionar a condenação do R numa sanção pecuniária compulsória, por cada dia de incumprimento da não produção de som musical no seu estabelecimento, que perturbe o direito de personalidade daquele. Ora, se a obrigação a cargo do agente se traduz num comportamento negativo por parte do mesmo, de natureza continuada, “impõe-se que a sentença condene o devedor a cumpri-la no futuro, ordenando-lhe que não renove a sua infracção, pelo que é nesta parte que a sanção pecuniária compulsória é útil, como meio de prevenir a continuação ou renovação do incumprimento, provocando a obediência do devedor à condenação inibitória e o respeito pela devida prestação originária de non facere” – -Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória do Prof. Calvão da Silva, pág. 460 – devendo ser tido em consideração, relativamente a tal imposição coercitiva regulamentada no art. 829º-A do CC, o preceituado no seu n.º 3, no que respeita aos beneficiários da atribuição do montante para a mesma fixado. Perante o que acaba de explanar-se, haverá, então, que proceder à apreciação dos pedidos formulados pelo A, entre os quais, e desde logo, aquele que tange à abstenção da produção ou reprodução pelo R, no seu estabelecimento, de música que seja audível no exterior, se mostra condenado ao insucesso, uma vez que a causa de pedir da acção se traduz, especificamente, na ofensa do direito de personalidade do A e não na ofensa de um direito ambiental cuja titularidade se radica na comunidade social. (..)

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