Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias
Decidimos tratar deste meio
processual pois, por vezes, tendo em conta certas situações de urgência e de
necessidade de obter uma decisão de mérito, ele
é ou poderá ser uma forte arma quando nos deparamos com violações de
direitos fundamentais, como o Direito ao Ambiente.
1.
Introdução
A intimação para protecção de
Direitos, Liberdades e Garantias está inserida no Título IV, Capítulo II,
secção II do CPTA, artigos 109º a 111º.
As exigentes necessidades do
direito à tutela judicial efectiva levaram o legislador a reforçar a justiça
urgente, instituindo, por um lado, mecanismos de resolução célere e flexível
dos conflitos e, por outro, alargando a tutela cautelar através das
providências cautelares não especificadas e da consagração de novas
providências cautelares típicas.
A demora dos litígios da justiça
administrativa, que em muito excedia o tempo razoável, levou a que muitas
pretensões jurídico-administrativas perdessem o seu sentido e efeito útil, como
o decurso do prazo. Assim veio o actual contencioso administrativo urgente
desdobrar-se e processos principais e em providências cautelares.
Os processos urgentes principais
são processos autónomos, caracterizados por uma tramitação acelerada ou
simplificada, pois estão em jogo questões cuja resolução deve ocorrer num tempo
curto. Estes Processos, ao contrário dos cautelares, decidem definitivamente o
mérito da causa.
A tutela cautelar[1]
é caracterizada pela sua acessoriedade ou instrumentalidade face ao processo
principal, pretendendo-se que através de medidas conservatórias ou
antecipatórias, seja provisoriamente[2]
regulada a situação em termos de se poder assegurar a utilidade da sentença em
tempo dito normal.
Posto isto, são processos
urgentes[3]
autónomos ou principais, as impugnações urgentes e as intimações urgentes. Esta
última pode resultar em dois tipos de condenações urgentes: para a prestação de
informações, consulta de processos ou passagem de certidões (art.º 104º e ss) e
para a protecção de direitos, liberdades e garantias (art.º 109º e ss). É
quanto a este último que nos iremos debruçar.
2.
Conformidade
com a Constituição
A revisão constitucional de 1997
veio trazer alterações significativas à Lei Fundamental portuguesa que não
puderam deixar de influenciar o legislador ordinário.
Em conformidade com o exposto,
este meio processual, mais não veio do que concretizar a exigência do n.º 5 do
artigo 20º[4]
da Constituição da República Portuguesa e, também não esquecendo, no panorama
internacional, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem relativamente ao
direito a que uma causa seja resolvida num prazo razoável, bem como a abundante
jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que demonstra que existe
uma preocupação profunda com a forma com que os Estados tutelam as situações de
urgência[5].
O que se procura, quer a nível
constitucional como a nível internacional, é que a justiça administrativa tenha
sempre resposta, em termos procedimentais, à solicitação de tutela de direitos
ou interesses. As intimações, como processos urgentes, vieram corresponder a
essa necessidade.
De acordo com o artigo 20º/5 da
CRP, não há dúvida que o propósito primordial do legislador, foi efectivamente
o de dar cumprimento à imposição constitucional de que este meio processual
apenas se reporta a direitos liberdades e garantias de natureza pessoal[6],
e não a quaisquer outros.
Mas será que apenas por esta
razão devemos limitar a possibilidade de utilização deste meio processual só
para a protecção de direitos, liberdades e garantias de natureza pessoal?
Em conformidade com a maioria da
doutrina[7],
entendemos que a resposta não pode deixar de ser negativa. Apesar do STA já ter
assumido uma interpretação restritiva[8],
a verdade é que não se verifica qualquer restrição por parte do legislador
administrativo em nenhum dos artigos que integram a Secção II do CPTA. Parece
assim evidente que o legislador foi para além da Constituição, estendendo este
meio processual a todos os direitos, liberdades e garantias pessoais e não
pessoais.
Como bem refere Carla Amado Gomes[9],
“não basta apelar à matriz constitucional, descartando a liberdade de
autodeterminação política de um legislador democraticamente legitimado”, para
fundamentar uma interpretação restritiva dos direitos liberdades e garantias.
No que toca a direitos de
estrutura análoga, deve caber um regime idêntico nos termos do artigo 17º da
CRP. Assim, não se vislumbra qualquer fundamento válido para excluir estes
direitos de natureza análoga do âmbito de protecção do artigo 109º do CPTA,
pois nem a letra do artigo apresenta quaisquer limitações. Por exemplo, o
particular podia recorrer à intimação para protecção de DLG para tutelar o seu
Direito ao Ambiente, pois é pacífico na doutrina que se trata de um direito
análogo a DLG.
Por último, importa referir que
se consideram abarcados no seu âmbito, quer os direitos de natureza análoga
dispersos na CRP, quer aqueles que se encontrem fora do catálogo.
3.
Subsidiariedade
Importa aqui esclarecer quando é
se pode lançar mão da intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias
ou seja, quais os pressupostos de admissibilidade deste processo urgente.
Da leitura do artigo 109º/1
parece ficar clara a natureza subsidiária da intimação, pois é necessário que
haja, não só urgência da decisão, como uma impossibilidade ou insuficiência de
ser decretada uma providência cautelar nos termos do artigo 131º.
A intimação para protecção de DLG
não é a via normal de reacção: o meio normal de defesa são as acções
administrativas comuns ou especiais, associadas eventualmente à dedução de um
pedido de decretamento de providências cautelares, destinadas a assegurar a
utilidade da sentença.
Portanto, sempre que seja
necessário, para evitar uma lesão de direitos fundamentais uma decisão de
mérito urgente, a figura do artigo 131º do CPTA fica automaticamente excluída,
pois uma vez que as providências cautelares são, em regra, instrumentais e
provisórias, não podem ser utilizadas para obter decisões de mérito, pois
esvaziam o objecto da causa principal[10].
Assim, não é aconselhável abusar
dos processos urgentes, em que a celeridade é necessariamente obtida através do
sacrifício, em maior ou menor grau, de outros valores que não devem ser
postergados quando razões de urgência não o exijam[11].
Por último, importa ainda
esclarecer, qual a extensão da subsidiariedade definida no artigo 109º, ou
seja, se a intimação para protecção de DLG é subsidiária apenas relativamente
às providências cautelares referidas no art.º 131º ou é subsidiária a toda e
qualquer providência cautelar orientada para a defesa de certos direitos,
liberdades e garantias.
Perfilhando a opinião de Carla
Amado Gomes e Ana Sofia Firmino, entendemos que o artigo 109º CPTA prevê uma
subsidiariedade mais ampla do que a estipulada na própria norma uma vez que faz
todo o sentido que o recurso à intimação tenha também como pressuposto a
inexistência de qualquer outro meio processual especial de defesa de direitos,
liberdades e garantias.
Caberá ao requerente da intimação
alegar e provar, ainda que de forma sumária, que só a procedência do pedido de
intimação lhe proporcionará a plenitude do exercício do seu direito,
demonstrando assim a indispensabilidade da intimação, face ao caso concreto.
Não se verificando os
pressupostos de admissibilidade da intimação para protecção de DLG por ser
possível ou suficiente, no caso concreto, recorrer ao decretamento de uma
providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131º, deve-se proceder à
convolação oficiosa num processo cautelar para efeitos do disposto no art.º
131º. Tal actuação deverá ser compreendida à luz do princípio da tutela
judicial efectiva e do imperativo constitucional relativo à efectividade dos
direitos, liberdades e garantias.
[1] Regulada
no Título V, a que correspondem os artigos
[2] Contudo,
o juiz cautelar, pode decidir antecipadamente o mérito da causa principal,
transformando um processo cautelar num processo principal através da figura da
convolação (artigos 121º e 137º/7) é pois como refere Vieira de Andrade, a
criação ad hoc de um processo urgente (v. Vieira de Andrade “A Justiça
Administrativa”, 2006, p. 257)
[3] Crf.
art.º 36º CPTA
[4] O qual
estatui que “Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei
assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e
prioridades, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças
ou violações desses direitos”.
[5]
Crf Ana Sofia Firmino, “Novas e Velhas
Andanças do Contencioso Administrativo-Estudos sobre a Reforma do Processo
Administrativo”, Processos Urgentes, aafdl, 2005, pp. 363 e ss.
[6] Aqueles
que protegem, directa e essencialmente o indivíduo, como o direito à vida, à
integridade física, etc.
[7] Maria
Fernanda Maças, Vieira de Andrade, Mário Aroso de Almeida, Carla Amado Gomes,
Isabel Celeste Fonseca…
[8] Acórdão
(1ª Secção) de 18.11.2004, P.978/04
[9] “Intimação para a protecção de que direitos,
liberdades e garantias?”, in Cadernos de Justiça
Administrativa, nº 50
[10] Assim,
Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, Almedina, 8ª
Edição, 2006, pp.277 e ss.
[11] Cfr.
Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao
Código De Processo dos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, pag.539.
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