A teoria do risco integral e a pluralidade de causas e de poluidores
A teoria do risco integral, já por muitos, elevada a princípio do risco integral, não tem
parado de incitar adesões, pesem embora as poucas vozes discordantes.
Mas dito isto, é necessário perguntar se dela
poderemos retirar alguma utilidade que possa servir a delimitação da responsabilidade
ambiental. A resposta a esta questão passará obrigatoriamente pelo confronto
entre as implicações da teoria em causa e o direito nacional, desde logo, para constatarmos
da eventual existência de obstáculos à respectiva aplicação no nosso
ordenamento jus-ambiental.
Pela nossa parte, somo da opinião que o
estabelecimento de um nexo de causalidade entre a actividade lesiva e o dano
deve ser suficiente para apurar a responsabilidade do operador, em sede de
responsabilidade pelo risco inerente a essa actividade.
A adesão à teoria do risco integral, apresenta como
vantagens em sede de responsabilidade pelo dano ecológico, permitir restringir
ou mesmo afastar a admissibilidade das causas de exclusão da responsabilidade
pelo risco. Além de, entre outras qualidades, contribui igualmente para facilitar
o estabelecimento do nexo de causalidade, ela colabora ainda na imputação objectiva
do dano, favorecendo da mesma sorte a aplicação de mecanismos como a imputação alternativa
e a sua principal consequência: a responsabilidade
solidária e integral de todos os co-responsáveis.
É sabido que a
concorrência simultânea ou desfasada no tempo de uma pluralidade de causas e
agente potenciais ou efectivos na realização do dano ecológico consubstancia
alguns dos problemas mais complexos em sede de responsabilidade ambiental,
dificultando ainda mais as já complicadas tarefas de estabelecimento do nexo de
causalidade e de imputação objectiva do dano.
As situações
possíveis são várias, podendo ser resumidas da seguinte forma:
· Pluralidade de agentes potenciais, não se
sabendo, em concreto quem e em que medida efectivamente causou o dano;
·
Pluralidade de causas, desconhecendo-se em que
medida contribuíam para o dano.
Ora,
fala-se de causalidade alternativa
sempre que vários agentes se encontrem em posições favoráveis à prática do
dano, mas sem que se saiba quais deles e em que medida efectivamente o
provocaram, sendo certo que todos reúnem as condições adequadas a poderem tê-lo
causado.
Nestes casos
a doutrina ambiental tem vindo a apontar para uma responsabilização solidária
de todos os potenciais poluidores, embora esta solução, que alguns ordenamentos
jurídicos europeus acolhem, vá no sentido oposto à solução defendida pela
doutrina tradicional, a qual, na impossibilidade de estabelecer o nexo de
causalidade entre o dano e, pelo menos, uma das múltiplas causas potencias, ou
de o imputar à acção de algum ou alguns dos agentes igualmente potenciais,
tenderia a afastar a responsabilidade de todos eles.
A causalidade
alternativa, bem pelo contrário, impor-lhes-á uma responsabilidade solidária,
devendo cada um deles responder integralmente pelo dano, respondendo assim,
pelo risco criado pela actividade por si desenvolvida.
Afiliamo-nos
contudo, à preocupação de Paulo de Bessa
Antunes quando este chama atenção para o fato de a responsabilidade por
risco integral não poder ser confundida com a responsabilidade derivada da só
existência da actividade. Explica esse autor que não se pode admitir que um
empreendimento que tenha sido vitimado por facto de terceiro passe a responder
por danos causados por este terceiro, como se lhes houvesse dado causa (desde
que, obviamente, não esteja o empreendedor dando continuidade ao dano
perpetrado por terceiro).
Em seu
entender, responsabilidade por risco integral não pode ser confundida com responsabilidade
por facto de terceiro, inclinando-se, portanto, à adoção da teoria do risco
criado, no momento em que aceita o facto de terceiro como forma de ruptura do
nexo causal.
Concluindo,
o referido autor, a nosso ver de forma sensata, diz que somente casuisticamente
as diferentes hipóteses deverão ser examinadas, posto que é inconcebível uma
construção de uma teoria geral, em vista das variadas possibilidades fácticas.
Segundo Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Barreto Borrielo de Andrade Nery, para que se reconheça
o nexo causal, basta comprovar que o autor praticou um acto que se revele como potencial
causador do dano, não se exigindo assim que esse acto tenha sido causa
exclusiva do mesmo.
Já como bem
discorre Edis Milaré, a solidariedade
no panorama ambiental é uma decorrência do sistema de responsabilidade adoptado
em cada sistema jurídico, de forma que, havendo mais de um poluidor a participar
no evento que culminou no dano ambiental, prevalecerá entre eles o vínculo e as
regras da solidariedade.
Podemos
desta forma, concluir então que a causalidade alternativa revela-se então
perfeitamente compatível com as exigências de justiça e de eficácia que
legitimam a adopção da responsabilidade pelo risco e de tantas outras que a
demanda social vai impondo ao legislador, alicerçando o seu principal efeito, a
responsabilidade solidária, na teoria do risco integral que afirma com firmeza
a suficiência do risco para estribar a responsabilidade, diante da verificação do
dano!
Tudo o que
ficou aqui disposto vem no seguimento da análise do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso
Especial n°. 880.160/RJ (2006/0182866-7), de relatoria do Exmo. Sr. Ministro
Mauro Campbell Marques, em julgamento ocorrido em 04 de maio 2010, perante a
Segunda Turma, em votação unânime.
Bibliografia:
. SILVA, Vasco Pereira: ‘Verde cor de Direito, Lições de Direito do
Ambiente’, Coimbra, 2005
. CRUZ, Branca Martins: ‘Contaminação
inevitável dos direitos empresarial e societário pelo direito do
ambiente : a responsabilidade ambiental enquanto princípio
conformador do exercício da actividade empresarial’, 2007
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