Conscientes
de que, de acordo com a nossa Constituição, ao Estado cabe promover o bem estar
e a qualidade de vida dos cidadãos e a protecção da Natureza, pugnamos por uma
análise da tutela dos valores do ambiente associados à qualidade de vida.
Tendo em
conta que o Homem, enquanto ser sofisticadamente natural, encontra como via de
expressão da sua personalidade o desporto, cremos ser relevante aliar à
concepção de preservação do meio ambiente, enquanto correlativo direito-dever
que assiste a cada um de nós, a ideia de procura do bem estar através da
prática da actividade desportiva. Aliando ambas, criar-se-á, ou
enriquecer-se-á, a consciência ecológica e a educação ambiental.
É certo que
cabe ao Estado a sensibilização da sociedade para a importância da prática
desportiva, tornando-se evidente a aliança desta ao multifacetado “direito ao
livre desenvolvimento da personalidade”. Assim, a associação a que aqui
pretendemos aludir é quase intuitiva. Como refere CARLA AMADO GOMES “ o bem
estar que a prática do desporto proporciona é potenciada pela realização da
actividade desportiva ao ar livre e em contacto com a Natureza. Por seu turno,
a actividade desportiva é um veiculo de sensibilização para a necessidade de
proteger o meio natural (...).”[1].
A esta
preservação do meio ambiente está intimamente ligada a consciência ecológica. A
preservação dos recursos naturais é uma responsabilidade de cada país e uma
preocupação mundial. A evolução do Homem foi longa até se atingir uma
consciência plena e completa da necessidade de preservação do meio ambiente. E,
sendo do conhecimento geral que ele está sujeito à mais diversas agressões,
afirma LUIS PAULO SIRVINSKAS,[2] “para
protegê-lo, faz-se necessário consciencializar o homem através do seu
conhecimento da sua relação vs ambiente.”.
Havendo uma
reciprocidade intensa entre desporto e ambiente, e, entendendo-se ser
imperativa tanto a consciencialização como a educação ambiental afigura-se-nos
indispensável aliar estas realidades. Esta aliança vem plasmada na Lei de Bases
da Actividade Fisica e do Desporto (Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro), no seu
artº 31, nº1, e tem por base a definição de Desporto na Carta Europeia do
Desporto, adoptada no seio do Conselho da Europa em 1992, que o identifica como
“qualquer actividade fisica que, através de uma participação livre e
voluntária, organizada ou não, tenha como objectivos a expressão ou a melhoria
da condição fisica e psíquica, o desenvolvimento das relações sociais ou a
obtenção de resultados em competições de todos os níveis.”. Pode-se, juntamente
com CARLA AMADO GOMES[3], afirmar
que “a autenticidade do meio natural estimula a imaginação humana.”, não
surpreendendo que a natureza seja o contexto de eleição de todo um conjunto de
novas modalidades.
No entanto,
esta consciencialização e educação ambiental para que pretendemos chamar a
atenção através do desporto, deve ser encarada com algum cuidado. A imaginação
humana e os avanços tecnológicos conduzem o legislador a problemas complexos de
regulamentação das novas actividades.
A prática
de um desporto de natureza gera um inevitável desgaste no suporte biológico no
qual se desenvolve, constituindo a implantação de infra-estruturas o maior dos
problemas, ainda que o fenómeno desportivo seja perturbador mesmo que não as
envolva.
Mais do que
uma mera preservação, o desporto é um importante factor de valorização (a nível
cultural e económico). Torna-se importante, por isso, um controlo prévio das
actividades sempre que seja previsivel que provoquem impactos negativos e
significativos no meio natural. Por esta complementaridade, cabe ao Estado a
elaboração de um quadro legislativo que defina os limites da ingerência das
autoridades administrativas com competência em matéria de ambiente e, utilizar
ainda critérios de planificação territorial ecologicamente conformados das
estruturas aptas a receber os eventos desportivos, bem como a criação de meios
que conduzam as pessoas à prática de actividades ao ar livre, devendo por fim,
ter as competências autorizativas e de fiscalização de eventos desportivos no
meio natural.
Tem,
curiosamente, vindo a afirmar-se o Comité Olimpico Internacional como um dos
mais empenhados activistas na causa ambiental, ditando a promoção de inumeras
conferências, mundiais e regionais, sobre o tema, incentivando a incorporação
de valores ambientais nos estatutos das federações nacionais, na implementação
de uma colaboração com o programa da ONU para o Ambiente, entre outros.
Os Jogos
Olímpicos de Sidney, que ficaram conhecidos como os Jogos Verdes, foram o
primeiro resultado deste redimensionamento dos objectivos do Movimento
Olímpico.
A
interferência da legislação comunitária é meramente indirecta e pontual
obrigando a submissão de certos projectos a Avaliação de Impacto Ambiental, à
proibição de fazer ruído acima de determinada intensidade e a protecção de
determinadas espécies e habitats nos espaços integrados na Rede Natura 2000.
Forçoso é,
nesta altura, indicar que são inevitáveis os impactos que a prática do desporto
causa no meio natural. No entanto, aquele deve também ser utilizado como uma
forma de incutir os valores e deveres de cuidado no praticante, de forma a que
actue na sociedade numa condição de responsabilidade pelo contexto natural em
que se insere.
Já aqui
referimos que a protecção do ambiente é, primeiramente, uma tarefa estadual. E,
nesta linha, para além de se considerar a interiorização dos valores ambientais
pelos praticantes (talvez incutidas pelas federações desportivas e pelas
campanhas de sensibilização e consciencialização levadas a cabo pelas
autoridades administrativas), temos que afirmar o importante papel que a lei
tem no estabelecimento das normas tendo em vista o equilibrio e a salvaguarda
do ambiente, criando obstáculos jurídicos e os inerentes deveres de
fiscalização .
A Lei de
Bases do Desporto parece ter uma fraca posição no que a esta questão respeita,
bastando-se apenas com aquilo que dispõe no artº 31, nº1 “ A actividade fisíca
e a prática desportiva em espaços naturais devem reger-se pelos princípios do
respeito pela natureza e da preservação dos seus recursos, bem como pela
observância das normas de instrumentos de gestão territorial vigentes,
nomeadamente das que respeitam às áreas classificadas, de forma a assegurar a
conservação e a diversidade biológica, a protecção dos ecossistemas e a gestão
dos recursos, dos resíduos e da preservação do património natural e cultural.”.
No âmbito
do regime de Avaliação de Impacto Ambiental, referem-se alguns projectos
afectos à prática do desporto que necessitam deste procedimento, de acordo com
o artº 1º, nº3, al. b), como sejam os que respeitam a desportos motorizados [Anexo
II, 11 – a)], desportos na neve e infra-estruturas [Anexo II, 12 – a)],
marinas, portos e docas [Anexo II, 12 – b)] e campos de golfe [Anexo II, 12 –
f)].
Parece que,
o que resulta do Decreto-Lei 69/2000, de 3 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei
197/2005, de 8 de Novembro, é a dispensa de realização da Avaliação de Impacto
Ambiental nos casos em que não haja a necessidade de instalação de
infra-estruturas permanentes geradoras de grandes impactos e das actividades
que se socorram de infra-estruturas já existentes mas que sejam também elas
geradoras de grandes impactos.
É, no que
concerne a esta questão, que a Jurisprudência do Tribunal de Justiça das
Comunidades Europeias, no acordão 7 de Setembro de 2004, caso C-127/02, afirma
dever ser feita uma interpretação in
favor ambiente da legislação que determina a avaliação de impactos.
Cremos que
outra posição não seria admissível. Se não, vejamos:
1. Tendo em
conta que a AIA, tal como definida no artº 2º, al. e) do DL 69/2000, é
“um instrumento de carácter preventivo da política do ambiente sustentado na
participação de estudos e consultas, com efectiva participação pública e
análise de possíveis alternativas, que tem por objecto a recolha de informação
e previsão dos efeitos e proposta de medidas que evitem, minimizem ou compensem
esses efeitos tendo em vista uma decisão sobre a viabilidade da execução de
tais projectos e respectiva pós-avaliação”, que o próprio regime da AIA,
entende por projecto nos termos do artº 2º, al. o) “ concepção e
realização de obras de construção ou de outras intervenções destinadas à
exploração dos recursos naturais”, aceitar projectos que não necessitam da
construção de infra-estruturas geradoras de grande impacto ou que utilizam as
já existentes, sejam dispensados de AIA, torna-se irremediavelmente contrário
aos principios subjacentes ao Direito do Ambiente.
2. Caso esta
interpretação não fosse considerada, o Principio da Prevenção ficaria
desde logo afectado. Se, como refere VASCO PEREIRA DA SILVA, este princípio “
tem como finalidade evitar lesões do meio-ambiente, o que implica que a
capacidade de antecipação de situações potencialmente perigosas, de origem
natural ou humana, capazes de por em risco os componentes ambientais, de modo a
permitir a adopção dos meios mais adequados para afastar a sua verificação ou,
pelo menos, minorar as consequências.”[4], não sujeitar
actividades potencialmente geradoras de risco que impliquem uma alteração do
meio ambiente, seria contrário àquele. Sujeitando os projectos desportivos a
que estejam associados riscos a AIA seria uma forma de concretizar o conteúdo
amplo deste principio, na medida em que poderiam vir a ser afastados eventuais
riscos futuros, mesmo quando não sejam inteiramente determinaveis, numa lógica
mediatista e prospectiva, de antecipação de acontecimentos futuros, agora
entendido como Principio da Precaução.
3. Cabe também
atender, porque directamente relacionado com as vantagens associadas aos
grandes eventos desportivos, ao Princípio do Desenvolvimento Sustentável.
Este, expressamente consagrado no artº 66º, nº2 da Constituição da República
Portuguesa, e considerado como condição de realização do Direito ao Ambiente,
deve ser entendido tanto como uma expressão da “necessidade de conciliação da
preservaçao do meio-ambiente com o desenvolvimento sócio-económico”, como, de
um ponto de vista jurídico, um mecanismo de estabelecimento da “exigência de
ponderação das consequências para o meio-ambiente de qualquer decisão jurídica
de natureza económica tomada pelos poderes publicos” e a obrigação de “postular
a sua invalidade, no caso dos custos ambientais inerentes à sua efectivação
serem incomparavelmente superiores aos respectivos benefícios económicos, pondo
assim em causa a sustentabilidade desta medida de desenvolvimento.”[5].
Por tudo
isto, consideramos que desde que exista o perigo de que uma qualquer actividade
tenha implicações negativas no ambiente não deve ser excluida à partida de uma
AIA, por não estar prevista no DL 69/2000.
Devemos
ainda entender a prática de actividades de desporto de natureza tal como definido
no Decreto Regulamentar 18/99, de 27 de Agosto, no artº 2º, al. l) como “aquele
cuja prática aproxima o homem da natureza de uma forma saudável e seja
enquadrável na gestão de áreas protegida e numa política de desenvolvimento
sustentável.”. Da análise deste Decreto, no que em especial diz respeito ao seu
artº3º, e à cláusula aberta constante no nº3, podemos referir que esta
demonstra a intenção legislativa de abarcar todas as actividades fisíca, ludíca
e competitivas, realizadas em contacto com a natureza (e, não as que dependam
estritamente de um suporte natural para a sua realização).
Cabe ainda
salientar que a prática de actividades de desporto de natureza está, quando
promovida por determinadas entidades, sujeita à obtenção de uma licença, tal
como podemos observar da análise do artº 8 do Decreto Regulamentar 18/99, com a
alteração resultante do Decreto Regulamentar 17/2003, de 10 de Outubro de 2003,
constituindo uma contra-ordenação se realizadas sem aquela, o artº 18º nº1, al.
b) do DReg (e até mesmo, sanções acessórias nos termos do artº 19º do mesmo
diploma).
Tal como,
ainda que a prática individual de actividades, embora não necessite de
autorização prévia, pode resultar na aplicação de coimas a pessoas singulares,
pois que, embora as liberdades de expressão de personalidade e de circulação
constituam uma posição jurídica menos restringível que a liberdade de
iniciativa económica, isto não pode significar que os danos ecológicos
eventualmente produzidos não sejam imputados aos lesantes.
Em conclusão:
Verificamos
que, numa tentativa pacificadora da relação entre o desporto e o ambiente,
nomeadamente nos que são desenvolvidos no meio natural, houve uma preocupação
legislativa relativamente ao licenciamento de actividades realizadas em áreas
protegidas, onde é mais vincada a importância do acervo de biodiversidade. Fora
dessas áreas a prática do desporto é totalmente livre de constrangimentos
relacionados com a tutela do meio ambiente.
O regime da
AIA só se aplica em casos pontuais maioritariamente relacionados com a
implantação de infra-estruturas que comportem riscos para a zona de construção.
Como supra demonstrado, a posição por nós adoptada no que respeita a esta
decisão converge com a interpretação in
favor ambiente defendida na jurisprudência da UE.
Com CARLA
AMADO GOMES, entendemos também que em matéria relativa a desportos praticados
ao ar livre, se deveria proceder à inclusão na LBD a uma disposição sobre o
controlo prévio a que estariam sujeitos os eventos fora das áreas urbanas,
determinado pelo número de praticantes e de espectadores (especialmente nas
situações em que se utilizem veículos motorizados).
Retomando
aquela que é a nossa posição inicial, indubitavelmente o desporto, quando
realizado, ou integrado, no meio ambiente, poderá ser utilizado de uma forma
educativa e consciencializadora. Porque “convencer é sempre preferível a
impor”, estando em causa valores tão frágeis e essenciais para a qualidade de
vida da colectividade, será imperioso difundir pelos praticantes de actividades
fisicas a informação necessária relativa a cuidados e deveres que lhes são
exigidos e impostos na preservação do Ambiente, uma vez que a sua defesa cabe a
todos nós e por todos nós deve ser exigida.
É verdade
que se pode aqui aludir, e isto certamente se retirará da análise sumária dos
vários diplomas que referimos, a uma relação controversa entre ambiente e
desporto.
Mas, posto
isto, e em suma, defendemos que é partindo do exercício da cidadania que se
poderão resolver parte dos problemas ambientais. Este exercício quando
alicerçado na ética ambiental irá, sem dúvida, proporcionar a melhoria da vida
dos seres humanos nos meios urbanos e diminuir o impacto de actividades lúdicas
no Ambiente. E uma das melhores formas para incrementar esta ética ambiental é,
do nosso ponto de vista, alcançada através da educação ambiental, sendo aqui
que se assume a relevância fundamental do papel do desporto (com a iniciativa
de federações, associações, comités olímpicos e demais entidades) por
considerarmos que a sua prática, em contacto com a natureza, tornará mais fácil
e efectivará a sensibilização para os valores ambientais.
[1] CARLA
AMADO GOMES, Textos Dispersos de Direito
do Ambiente – Vol. III, Associação Académica da Faculdade de Direito de
Lisboa, Lisboa, 2010, pág. 58.
[2] LUIS PAULO SIRVINSKAS, Manual de direito ambiental - 10ª ed. revista,
atualizada e ampliada. - São
Paulo : Saraiva, 2012
[3] CARLA
AMADO GOMES, Textos Dispersos de Direito
do Ambiente – Vol. III, cit., pág. 60
[4] VASCO
PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito –
Lições de Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 66.
[5] VASCO
PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito –
Lições de Direito do Ambiente, cit, pág. 73.
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