domingo, 20 de maio de 2012

Do princípio da precaução à responsabilidade





Em conformidade com a segunda parte do princípio 15.º da Declaração do Rio de Janeiro de 1992, a definição de precaução pode ser sintetizada da seguinte forma “onde existam ameaças de risco sérios ou irreversíveis não será utilizada a falta de certeza científica total como a razão para o adiamento de medidas eficazes em termos de custo para evitar a degradação ambiental”. No mesmo sentido, se pronunciaram, seis anos mais tarde, cientistas, legisladores, advogados e ambientalistas, em Conferência, realizada em Wingspread nos Estados Unidos, sobre o alcance e conteúdo do princípio da precaução. Segundo a Declaração resultante desta Conferência: “Quando uma actividade gera ameaças de dano à saúde humana ou ao meio ambiente, medidas de precaução devem ser tomadas mesmo se algumas relações de causa efeito não são completamente estabelecidas cientificamente.”[1]
Dos inúmeros instrumentos jurídicos internacionais que consagram o princípio da precaução cita-se a Convenção de Paris de 1992 para a protecção do meio marinho no Atlântico Nordeste adoptada em Paris em 1992, aprovada para ratificação por Portugal pelo Decreto 59/97, de 31 de Outubro. Em conformidade com o artigo 2 n.º 2 da Convenção, “as Partes Contratantes aplicam o princípio da precaução segundo o qual as medidas de prevenção devem ser tomadas quando existam motivos razoáveis de preocupação quanto a substâncias ou energia introduzidas, directa ou indirectamente, no meio marinho que possam acarretar riscos para a saúde do homem, ser nocivas para os recursos biológicos e para os ecossistemas marinhos, ser prejudiciais para os valores de recreio ou constituir obstáculo a outras utilizações legítimas do mar, mesmo não havendo provas concludentes de uma relação de causalidade entre esses motivos e os efeitos”. De acordo com o Decreto-lei 20/93, de 21 de Junho que aprova para ratificação a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas o artigo 3 n.º 3 refere que “as Partes devem tomar medidas cautelares para antecipar, evitar ou minimizar as causas das alterações climáticas e mitigar os seus efeitos prejudiciais. Quando haja ameaças de danos graves ou irreversíveis, a falta de certeza científica não deve ser utilizada para justificar o adiamento da tomada de tais medidas, tendo em conta, no entanto as políticas e as medidas relacionadas com as alterações climáticas devem ser eficazes relativamente ao seu custo, de tal modo que garantam a obtenção de benefícios globais ao menor custo possível.”. De acordo com o Decreto-lei 21/93, de 21 de Junho, que aprova para ratificação a Convenção de 1992 sobre a diversidade biológica, o preâmbulo da Convenção refere que “quando exista uma ameaça de redução ou perda da diversidade biológica, não deve ser invocada a falta de completa certeza científica como razão para adiar a tomada de medidas destinadas a evitar ou minimizar essa ameaça.”
O preâmbulo do Protocolo de Cartagena de 2000 sobre a biosegurança, de forma a regular a utilização, a manipulação e a transferência dos organismos geneticamente modificados, que entrou em vigor em Setembro de 2003, reafirma a perspectiva de precaução consagrada pelo princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992, sobre o ambiente e desenvolvimento.
Ao nível comunitário a referência ao princípio da precaução é feita pelos artigos 130 R n.º 2 do Tratado de Maastricht de 1992 e o artigo 174º n.º 2 do Tratado de Amesterdão de 1997. De acordo com estes dois tratados “A política da Comunidade no domínio do ambiente visa um nível de protecção elevado, tendo em conta a diversidade de situações nas diferentes regiões da Comunidade. Ela é baseada nos princípios de precaução e de acção preventiva, no princípio de correcção, prioritariamente na fonte, dos atentados ao ambiente e no princípio do poluidor-pagador (…)”.
Mais tarde, a 13 de Abril de 1999, o Conselho Europeu adoptou a resolução n.º 7212/99, no contexto do plano de protecção do consumidor para 1999-2001, desafiando a Comissão a se inspirar, de forma mais determinada, no princípio da precaução aquando da preparação de propostas afectas aos direitos dos consumidores e que se relacionam com a protecção do ambiente, a segurança alimentar e a gestão dos riscos provenientes dos organismos geneticamente modificados (OGM).
A 2 de Fevereiro de 2000, por meio de uma comunicação, a Comissão Europeia reconheceu o princípio da precaução como sendo “um princípio-chave” da política comunitária no âmbito da protecção do ambiente, dos animais, das plantas e da saúde humana. Esta comunicação inclui directrizes para a utilização do princípio da precaução, nomeadamente no âmbito da análise e gestão dos riscos, servindo somente de orientação geral, não modificando ou afectando as disposições ou nenhuma legislação comunitária secundária.
Tal comunicação, não impediu o Conselho da Europeu de reafirmar, aquando da cimeira dos chefes de Estados Membros da União Europeia realizada em Nice em Dezembro de 2000, o dever da Comissão de integrar o princípio da precaução sempre que necessário, na elaboração das suas propostas de legislação e no conjunto das suas acções. Como exemplo de legislação comunitária que integra o princípio da precaução menciona-se a Directiva n.º 2001/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Março, relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados.
Esta directiva foi transportada para o ordenamento jurídico português pelo Decreto-lei 72/2003, de 10 de Abril que põe sua vez, revogou o Decreto-lei n.º 126/93, de 20 de Abril sobre a utilização e libertação no ambiente de organismos geneticamente modificados e a comercialização dos produtos que contenham ou sejam constituídos por organismos geneticamente modificados.
Ainda na legislação comunitária, o princípio da precaução é referida pelo regulamento 178/2002 de 28 de Janeiro do Parlamento Europeu e do Conselho. Este regulamento, ao estabelecer os princípios e as disposições gerais da legislação alimentar, refere-se ao princípio da precaução no seu artigo 7 n.º 1, nos seguintes termos “Nos casos específicos em que, na sequência de uma avaliação das informações disponíveis, se identifique uma possibilidade de efeitos nocivos para a saúde, mas persistem incertezas a nível científico, podem ser adoptadas as medidas provisórias de gestão dos riscos necessárias para assegurar o elevado nível de protecção da saúde por que se optou na Comunidade, enquanto se aguardam outras informações científicas que permitam uma avaliação mais exaustiva dos riscos.”
Muitos outros documentos existem, contudo pela sua extensão consideramos aqueles que mais se destacam na literatura. Em suma, inúmeros instrumentos estão criados para uma verdadeira consciencialização dos povos. Da prudência à segurança, valha-nos a capacidade de juízo associado ao julgamento da pessoa humana, de cada um e de todos, porque a liberdade responsável assim nos dita.
No eixo da responsabilidade, a pessoa humana tem o dever de proteger a vida e a qualidade de vida dos seus semelhantes, da biodiversidade e de todo o ambiente, pelo que neste sentido se vê confrontado com a responsabilidade antecipada pelo futuro, como referem Leite & Ayala (2004) “As sociedades contemporâneas protagonizam o cenário de uma segunda revolução na dinâmica social e política, que se desenvolve no interior de um processo de globalização de conteúdo plural, que marca o desenvolvimento de uma sociedade global de risco. O atributo que diferencia a sociedade mundial do risco é a necessidade de concretização de uma variada relação de objectivos ecológicos, económicos, financeiros, sociais, políticos e culturais, que são contextualizados de forma transnacional e sob a abordagem de um modelo político de governança global, de gestão de novas ameaças comunitárias”. O Direito Internacional não é revogado por todas as Nações, o que levanta grandes obstáculos à protecção do meio ambiente, pois as suas exigências dizem respeito a uma dimensão planetária, ou seja, demandam instrumentos ao nível internacional e intercomunitário e, não isoladamente. O ambiente e a biodiversidade não pertencem a uma só nação, não reconhecem fronteiras, pois o planeta Terra é um só.
Mantém-se a perda neste terreno e não admira, dado que neste início de século XXI, na reconfiguração das forças políticas de um mundo marcado por desigualdades sociais, empobrecimento das maiorias e degradação ambiental, à escala planetária, a construção de um Estado do Ambiente parece uma utopia realista, porque se sabe que os recursos ambientais são finitos e antagónicos com a produção de capital e o consumo existentes.
A forma mais benigna é o atraso manifesto do poder regulamentar na edição de textos de aplicação das leis ambientais. O artigo 41.º da Lei da Bases do Ambiente, em Portugal, pode muito bem ilustrá-lo. A entrada em vigor da responsabilidade objectiva que aí se encontrava prevista (n.º 1) depende (segundo o n.º 2 deste artigo 42.º, conjugado com o artigo 52.º, n.º 2) da fixação de limites à indemnização, por via regulamentar. Contudo, e apesar do legislador português ter imposto o prazo limite de um ano para a regulamentação da lei (artigo 51.º), a verdade é que, vinte e um anos volvidos, tal regulamentação nunca viu a luz do dia.
Este exemplo, assim como muitos outros, serve para confirmar que em certos casos, os decretos de aplicação não são pura e simplesmente adoptados, sendo assim a lei atingida de impotência por uma administração que, julgando-a excessivamente restritiva, prefere moldar o Direito ao facto em vez de “mexer” com interesses demasiado importantes.
O tempo é certamente de acção, mas toda a acção deve ser precedida de reflexão, sob pena de que aquela não seja a mais adequada, e essa reflexão vai tardando, apesar dos milhares de páginas escritas e das tentativas de (re)educação ambiental.

[1]Cf. Tradução da segunda parte do princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992 disponível em www.diramb.gov.pt e Declaração da Conferência Wingspread disponível no artigo de Gonçalves F, Abrantes P “Princípio da Precaução: Considerações Epistemológicas sobre o Princípio e a sua relação com o Processo de Análise do Risco” disponível emhttp://atlas.sct.embrapa/pdf/cct/v20/v20n2 02.pdf.




fonte : http://detalhesepormenores.wordpress.com/2009/12/01/do-principio-da-precaucao-a-responsabilidade/

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