As
andorinhas-dos-beirais e a sua relação inflamada com o Tribunal de Nisa
O ano de 2000 trouxe consigo, em matéria
ambiental, uma decisão jurisprudencial como outrora nunca se havia registado
nos tribunais portugueses. Reporto-me ao interessante caso das andorinhas de
Nisa, em que, à curiosidade de a matéria factual relevante se ter verificado no
edifício do Palácio de Justiça de Nisa, acresce uma interpretação de princípios
e normas ambientais que em muito diferiu da habitual corrente jurisprudencial dos
nossos tribunais.
Telegraficamente, o Acórdão que aqui aprecio
e comento, foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça e deu provimento ao
recurso de agravo interposto por uma organização não governamental de defesa do
ambiente, que intentou contra o Estado de Portugal acção através da qual
pretendia que fossem retirados das paredes do Palácio de Justiça de Nisa todos
os objectos que artificialmente lá foram colocados com o intuito de impedir que
as andorinhas voltassem a nidificar nesse local (isto depois de terem sido
destruídos os cerca de 400 ninhos que lá existiam).
Fazendo um esforço de sintetização, os
fundamentos da defesa de ambas as partes podem ser resumidos aos seguintes:
- por parte do Estado Português, foi alegado
que os dejectos das andorinhas que ficavam acumulados nos beirais do Palácio de
Justiça, bem como o pó dos ninhos, eram idóneos a provocar graves problemas de
saúde a quem lá trabalhava (sobretudo respiratórios) e não permitia aos
funcionários do tribunal abrir as janelas do edifício de forma a poder
ventilá-lo quando necessário;
- a organização não governamental de defesa
do ambiente, por seu turno, limitou-se a pedir a remoção daqueles instrumentos
fixados nas paredes do Tribunal, de modo a permitir que as andorinhas
continuassem a nidificar naquele local.
No sumário do Acórdão, o STJ qualificou o
direito ao Ambiente como direito subjectivo fundamental (art.º 66º da
Constituição da República Portuguesa) e comum (por contaposição àqueles
direitos que apenas cabem a certas pessoas ou entidades por pertencerem a
determinada categoria ou estatuto). Nesse mesmo sumário, foi ainda apontado
pelo Tribunal um sentido positivo e um sentido negativo para este direito:
naquele, exige-se ao Estado um dever de defesa do Ambiente e de controlo das actividades
nocivas para este; em sentido negativo, o direito ao Ambiente materializa-se,
nas palavras do Tribunal, num direito à abstenção por parte do Estado e de
terceiros à adopção de condutas
prejudiciais para o Ambiente.
O professor Vasco Pereira da Silva entende
ser a dimensão subjectiva do direito ao Ambiente que constitui a base para a
construção de um sistema de Direito do Ambiente e que, essa dimensão, parece
corresponder a uma preferência por parte do legislador consitituinte pela
subjectivização da tutela jurídica das questões ambientais. Assim sendo, estou
convicto de que a decisão deste Tribunal
foi a mais acertada e, parece-me, será também este o entendimento do referido
Autor. E digo-o porque o Professor Vasco Pereira da Silva, para além de
considerar que, como já referi, é na subjectivização do direito ao Ambiente que
se deve basear a construção de um sistema de Direito de Ambiente, entende que
todos os direitos fundamentais radicam num princípio permanente (dignidade da
pessoa humana) que, aliado à sua história e à história de cada um dos outros
direitos fundamentais, o leva a concluir que a sua concretização depende sempre
dos distintos momentos e sociedades humanas. Ora, transpondo esta construção
para o Direito do Ambiente, vemos que a evolução da sociedade e do Estado nos
conduziu, sobretudo a partir das décadas de 60/70 do século XX, a encarar a
“questão ambiental” como algo cuja necessidade de tutela deve obstar a
quaisquer actos nocivos para o Ambiente e que deve estar sempre presente na
actuação das entidades públicas e dos particulares, sem que isso tenha que
significar uma perspectiva jusfundamentalista desse ramo do Direito. De
resto, um entendimento
jusfundamentalista do Direito do Ambiente (do qual discordo) torna-se até desnecessário
se o Estado, em primeiro lugar (por força das suas tarefas fundamentais, em
especial, a referida no art.º 9º, d) CRP), e os particulares, depois, operarem
uma correcta harmonização entre o progresso económico, científico, tecnológico,
cultural, entre outros, e a defesa e promoção do Meio Ambiente, partindo de uma
ideia de bem-estar geral e solidariedade intergeracional (no mesmo sentido
aponta José Cunhal Sendim). Mas tal harmonização não pode, à luz da
Constituição da República Portuguesa e dos grande princípios gerais de Direito
do Ambiente, ter-se como meramente desejável, nem que seja pelos problemas de
(in)constitucionalidade que isso acarreta: os professores Vital Moreira e Gomes
Canotilho alertam para a vinculação do
Estado, em sede ambiental, à
concretização de determinadas prestações que, não ocorrendo, são susceptíveis
de desencadear o mecanismo de controlo da constitucionalidade por omissão; o
STJ, nesta decisão, qualifica de “paradoxal” a consagração, por parte do Estado
Português, do direito ao ambiente e, com a sua actuação concreta, não apenas
não o defender, mas também negá-lo (que, bem vistas as coisas, foi no que se
materializou a conduta do Estado neste caso das andorinhas do Palácio de
Justiça de Nisa).
Francisco Catarro, nº 18646
4º ano,
Subturma 9
Bibliografia consultada:
Vasco Pereira da Silva, Verde
Cor de Direito- Lições de Direito do Ambiente, Almedina,
Lisboa, 2004;
José Cunhal Sendim, Responsabilidade
Civil por Danos Ecológicos, Coimbra Editora, 1998;
Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005.
O Acórdão pode ser consultado em:
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