quarta-feira, 2 de maio de 2012

O Tratamento Jurídico da Poluição


O Tratamento Jurídico da Poluição




O presente trabalho tem por objectivo enquadrar e definir poluição na normação jus-ambiental.

Antes de fazer o enquadramento da poluição na normação jus-ambiental, cabe fazer uma aproximação ao conceito “poluição”. Apesar de todos termos uma noção aproximada do que é a poluição quando tentamos ser mais exigentes surgem bastantes dúvidas quanto à sua definição, dúvidas estas que se estendem aos textos normativos.

Actualmente, a poluição é qualificada pela lei como sendo um componente ambiental.

Importa ainda referir que apesar da poluição ser tratada pelos diferentes ramos do Direito, o presente trabalho vai de encontro com o ramo do Direito do Ambiente e tem em especial consideração o diploma da Lei de Bases do Ambiente – LBA – (L nº 11/87, de 7 de Abril), nomeadamente os artigos 17º a 21º.





O tratamento jurídico da poluição



Como referido anteriormente a poluição é tratada diferentemente pelos vários ramos do Direito e até noutros âmbitos.

Em termos empíricos, ou seja, pelo senso comum, a poluição é vista como uma conduta censurável. No domínio da ciência económica enquanto externalidade. Mas o que interessa no nosso caso é perceber qual o tratamento da poluição pela ciência jurídica.

No âmbito da ciência jurídica vamos observar um tratamento muito fragmentário e bastante diversificado, consequência das finalidades de cada ramo do Direito, do surgimento de conceitos jurídicos específicos, como o do poluidor pagador, e, ainda, da falta de um conceito unitário de poluição.

Podemos portanto concluir que o acto de poluir não tem um estatuto único nem obedece a um regime uniforme.



Tomando como referencia o ramo da ciência jurídica do Direito do Ambiente deveremos ter em conta a LBA e quanto a esta há dois aspectos a ter em conta: por um lado, a poluição é descrita como um componente ambiental humano (artigos 17º e 21º); e por outro lado, é formulado uma proibição genérica de poluir (artigo 26º).



Colocam-se então duas questões que devem ser analisadas.

Em primeiro lugar: A poluição faz parte do ambiente?

Causa alguma estranheza que a poluição interaja com o ambiente deteriorando-o e ao mesmo tempo possa integrar o próprio conceito de ambiente. É um entendimento contraintuitivo.

Poderíamos dizer que as substâncias poluentes realmente integram o ambiente, se este for entendido como o conjunto físico de toda a matéria existente no planeta terra, mas não é esse o entendimento que o legislador pretendeu para a LBA.

Esta qualificação legal da poluição tem sido bastante criticada pela doutrina, nomeadamente por Diogo Freitas do Amaral, e leva Tiago Antunes a afirmar que “as substâncias poluentes não devem ser vistas como um elemento ou uma parte integrante do ambiente, mas sim como estando fora e actuando em prejuízo do ambiente”.

Em segundo lugar: o facto da LBA consagrar uma proibição expressa de poluir (artigo 26º/1), o que causa alguma perplexidade.

A poluição é um elemento presente na nossa vivência quotidiana, é um facto normal e comum das sociedades modernas desenvolvidas. Pode-se mesmo dizer que é uma consequência inevitável e necessária de inúmeras actividades humanas cruciais para a colectividade. Logo uma proibição genérica de poluir configura-se como sendo pouco correcta.

Apesar de proibir genericamente no 26º/1, prevê também, no 26º/3, a existência de limites de tolerância admissíveis para a presença de elementos poluentes no meio ambiente. Seria impensável banir a poluição por completo. Há portanto uma contradição entre o nº1 e nº3 do artigo 26º, pois se é proibida, não deveria ter de ser tolerada.

Em suma, parece existir um problema na forma como a LBA regula a poluição e acima de tudo parece ser incorrecta a proibição cega da emissão de substâncias poluentes.

A poluição deve ser combatida, é uma realidade indesejável e que deve ser comprimida ao mínimo indispensável. O problema que se deve então colocar será o de saber qual a intensidade de poluição que deve ser tolerada.

Para conseguirmos perceber qual o tratamento jurídico da poluição temos de saber o que se entende por poluição.





Conceito de “Poluição”



Tal como referido anteriormente o conceito poluição é utilizado diariamente e de uma forma banal. Podemos mesmo afirmar que todos temos uma noção aproximada do que é a poluição, mas o conceito não é assim tão óbvio e quando estamos perante casos dúbios ou de fronteiras as dúvidas começam a surgir.

Por exemplo, situações tipicamente lesivas do meio ambiente mas que em concreto não causam dano ecológico. Temos o caso de um derrame acidental de produtos químicos, que ocorrendo numa superfície impermeabilizadora, não atinge os lençóis freáticos e, portanto, não provoca consequências de maior. Será ou não um derrame poluente?

E nas situações em que existe uma descarga legal e devidamente autorizada? Deixará esta de ser considerada, por esse facto, poluente?

Então e se alguém se esquece das luzes acesas durante a noite? Deverá considerar-se que está a poluir o ambiente e aplicar o regime jurídico da LBA com todas as consequências que daí advêm?

Esta questão levanta outro problema ainda mais vasto, relacionamento com uma questão bastante debatida na actualidade, a do aquecimento do planeta e o chamado efeito de estufa. Há quem defenda que o efeito de estufa não deve ser considerado como poluição uma vez que se trata de um processo natural e que a oscilação da temperatura é cíclica e recorrente. Há mesmo quem defenda que o CO não constitui uma substancia poluente pois é uma consequência normal da respiração e da fotossíntese.

A certeza que temos é que a concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera, consequência da industrialização, tem provocado a subida da temperatura média na superfície terrestre, interferindo com o funcionamento de muitos ecossistemas.



Todos estes exemplos ilustram a grande dificuldade em definir poluição. E isto tanto acontece no plano empírico como no plano técnico cientifico.

Podemos encontrar na lei diferentes definições ou aproximações ao conceito “poluição”.

Começando pelo artigo 21º/1 da LBA, onde nos é dado um macro conceito de poluição, bastante amplo e aberto. Mas, por sua vez, temos o 21º/2 da LBA, que vem restringir esse macro conceito presente no nº1 do mesmo artigo, permitindo concluir que “a poluição que o legislador tem em mente versa apenas sobre determinados meios (ar, água, solo e subsolo) – que não esgotam o elenco de componentes ambientais naturais – e consiste num mecanismo de degradação do estado ou da qualidade desses mesmos meios naturais”.

Podemos ainda observar a definição prevista no artigo 2º, alínea o) do regime de licenciamento ambiental (DL nº 173/2008, de 26 de Agosto), que é simultaneamente mais pormenorizada e menos completa.

Tendo em conta o número elevado de definições, mais ou menos correctas, de poluição, considera-se que a “estratégia mais adequada” será a de proceder um levantamento metódico das várias dúvidas e questões suscitadas por este conceito, tentando alcançar o seu real significado.



Levantam-se então cinco questões essenciais, necessárias à compreensão deste conceito:

1. A poluição será necessariamente antropogénica? Ou seja, toda a poluição tem origem humana ou poderá também decorrer de causas naturais?

2. A poluição deve ser aferida pela lesão da saúde humana ou pela degradação dos bens ambientais? Ou seja, deve ser vista numa perspectiva antropogénica ou ecocêntrica?

3. Qual o substracto da poluição? Ou seja, quando falamos em poluição ao quê que nos estamos a referir? Qual a sua natureza jurídica?

4. A poluição deve recair sobre todo e qualquer meio? Ou, pelo contrário, versa apenas sobre determinados componentes ambientais?

5. A poluição é um conceito de facto ou de direito?



De uma forma sucinta cabe responder às questões.

Quanto à primeira questão, o artigo 21º da LBA responde a esta questão colocando-a entre as componentes ambientais humanas, tendo, portanto, carácter antropogénico. O regime jurídico do licenciamento ambiental refere a poluição como resultado da acção humana.

Podemos afirmar que a maioria da doutrina defende este mesmo entendimento – a poluição como um resultado (directo ou indirecto) de uma conduta humana. Esta conclusão é bastante relevante pois permite afastar do conceito factores naturais que podem ser danosos para o ambiente.

Quanto à segunda questão, a conclusão a retirar é a de que ambas as perspectivas são relevantes e devem ser tidas em conta.

Quanto à terceira questão, os elementos normativos existentes são bastantes díspares e devem, por isso, considerar-se várias hipóteses. Podemos então configurar a poluição como: um objecto ou uma coisa; um comportamento, uma conduta ou uma acção; uma ameaça; um resultado, um efeito ou um impacto; ou como um estado ou uma qualidade.

O último entendimento – um estado ou uma qualidade – parece ser o mais adequado e permite definir poluição como consistindo “ na contaminação ou deterioração de um meio que se encontrava em estado puro ou, pelo menos, menos impuro. E actividade poluente como sendo “uma actuação humana que opera, directa ou indirectamente, uma transformação qualitativa negativa do sistema ecológico”.

Quanto à quarta questão, tudo indica que a poluição não abarca toda e qualquer ofensa ecológica e, em concreto, não abrange a destruição de espécies da flora ou da fauna. A poluição é sim uma forma de contaminação.

Quanto à quinta e última questão, cabe levantar duas perguntas distintas: saber se as emissões licitas integram ou não o conceito de poluição; e saber se o qualificativo de poluente depende ou não da ultrapassagem de algum limiar de intensidade ou lesividade.

Relativamente à primeira pergunta a legislação aponta-nos várias direcções, mas atendendo ao regime de licenciamento ambiental podemos concluir que mesmo as emissões lícitas – dentro dos limites autorizados pela Administração – são qualificadas pela lei como poluentes. Quanto à segunda pergunta, o facto de a Administração fixar valores-limite de poluição significa também que, abaixo desse limite, continua a haver poluição, é uma poluição tolerada ou residual, decorrência inevitável das mais básicas actividades humanas.



Em suma, podemos dizer que dúvidas subsistem, pois nem todas as respostas são únicas ou consensuais. Mas uma conclusão pode retirar-se: “poluição” não é sinónimo de “dano ambiental”, são duas realidades distintas.

Existem três características de que, em princípio, a poluição se reveste que não estão necessariamente presentes na noção de dano ambiental:

- A poluição equivale a uma forma de contaminação, logo não abrange toda e qualquer lesão ecológica, mas apenas as que consistem na modificação das propriedades ou atributos de um determinado meio natural conduzindo à deterioração da sua qualidade ou à degradação do seu estado.

- A poluição versa apenas sobre determinados componentes ambientais (ar, água, solo e subsolo), ao passo que os danos ambientais podem recair sobre outros elementos da natureza como a flora ou a fauna.

- Por último, a poluição para o ser não precisa de ultrapassar um limiar de intensidade. Já os danos ambientais apenas adquirem relevância se atingirem um determinado patamar mínimo de gravidade, tal como expressa o regime jurídico da responsabilidade por danos ambientais.



Concluindo, pode haver dano ambienta sem que se verifique poluição e, inversamente, pode haver poluição sem que ocorra dano ambiental.

Para o primeiro caso temos como exemplo temos o embate de um petroleiro num recife de coral, destruindo-o parcialmente, mas sem dar origem a um derrame. Não há derrame, ou seja, não há contaminação, logo não há poluição, mas há um claro dano ambiental. Para o segundo caso temos o exemplo de um suinicultura que efectua descargas de efluentes não tratados para o rio, fazendo-o ao abrigo de uma autorização e em quantidades insuficientes para matar os peixes ou tornar a água insalubre. Neste cenário, existe contaminação logo há poluição, mas de uma forma tao insignificante que não chega a provocar dano ambiental.





Regime jurídico da Poluição



                Depois da análise ao conceito de poluição devemos passar ao tratamento jurídico que lhe deve ser dado.

                Cabe, portanto, saber em que termos deve a poluição ser configurada por um diploma de âmbito generalista e fundacional com a Lei de Bases do Ambiente.



                Como visto anteriormente, a LBA fornece a este propósito informações contraditórias. Por um lado, qualifica a poluição como um componente ambiental humano, dando a entender que a mesma faz parte do meio ambiente. Por outro lado, proíbe toda a poluição.

                Importa pois esclarecer qua o estatuto jurídico que a poluição deve ter e para tal há três hipóteses a considerar:

                1. Um regime de proibição genérica acompanhado da previsão de limites toleráveis da poluição.

                2. Um regime de proibição sob reserva de permissão.

                3. Um regime de prevenção e controlo.



                Os dois primeiros regimes não se consideram ser os mais adequados. O primeiro, apesar de consagrado no artigo 26º/1/3 LBA, é demasiado radical e contraditório, por motivos supra indicados. O segundo, apesar de poder obter algumas vantagens, nomeadamente, a de evitar a contradição existente na actual LBA, e de ser adequada para lidar com alguns focos poluentes, não é a melhor como regime geral da poluição.

                Concluímos, então, pela terceira e última hipótese, a de um regime de prevenção e controlo como sendo a mais correcta e adequada.

                Trata-se de um regime que passa “por evitar, limitar, condicionar, minimizar e mitigar as emissões poluentes, mais do que proibi-las cegamente ou eliminá-las in totum”. É, portanto, um regime mais realista e pragmático.

                É esta a lógica implícita no regime de licenciamento ambiental e da própria Constituição da República Portuguesa, cujo artigo 66º não proíbe, mas manda “prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos”.

                Em suma, esta última perspectiva é a que melhor se compatibiliza com o parâmetro constitucional português e está isentas das críticas formuladas supra. Assume que a poluição para além de existir é necessária e inevitável, decorrentes das actividades das sociedades modernas. Não podemos proibir cegamente a poluição, mas perceber quais são os limites toleráveis, aceitáveis, o mínimo indispensável. Não devemos dar carta-branca aos poluidores, mas também não podemos proibi-la por completo. Devemos sim procurar combatê-la e atenuá-la, tentando evoluir nas técnicas utilizadas.

                Em suma, este parece ser o regime mais adequado e o único que procede a um enquadramento tanto rigoroso como realista do fenómeno poluente.

               






Fonte: Informação recolhida de texto que corresponde à versão escrita da comunicação, com o mesmo título, no “Colóquio sobre a revisão da lei de bases do ambiente”, que teve lugar na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, de Tiago Antunes.


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