Com este pequeno estudo,
pretendemos posicionar-nos quanto à já antiga discussão doutrinária sobre se
devemos seguir uma visão antropocêntrica ou uma visão ecocêntrica do Direito do
Ambiente. Tendo em conta que esta discussão está intimamente ligada à posição
que se toma quanto ao conceito de Ambiente (em sentido amplo ou em sentido
estrito), tomaremos posição nesta discussão também.
Começaremos,
então, por definir cada conceito e, depois, explicitar a nossa opinião.
Quanto
ao conceito de Ambiente que deve ser tido em conta, encontramos duas visões
opostas: uma concepção ampla do conceito, por um lado, e uma concepção estrita
do mesmo, por outro.
A
concepção ampla de Ambiente considera-o como sendo uma fonte de utilidade para
os humanos. Os bens naturais são, nesta visão, meros meios de satisfação de
necessidades vitais e de bem-estar das pessoas. O Ambiente é visto como um
instrumento dos humanos, os quais deve servir como sendo eles o centro da vida
na Terra. No Ambiente encontram-se integrados os bens naturais e os bens
culturais, no mesmo plano. A Natureza e o património cultural constituem o
Direito do Ambiente, lado a lado, como parece resultar do artigo 5º, nº2,
alínea a) da Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87, de 7 de Abril). Esta acepção
é defendida por vários autores, entre eles, o Professor Doutor Vasco Pereira da
Silva, regente desta nossa cadeira.
A
concepção restrita de Ambiente, por sua vez, considera que a Natureza, per se, deve ser tutelada. Tem uma
dignidade própria, independentemente de satisfazer ou não as necessidades
humanas. A comunidade humana deve proteger e respeitar o Ambiente apenas pelo
facto de os bens naturais constituírem valores em si mesmos, por fazerem parte
da biosfera. Nesta acepção, a pessoa humana é vista como parte integrante da
Natureza, seguindo um princípio biocêntrico. Esta consideração, não coloca a
Natureza acima da pessoa humana, mas reconhece a existência de uma “comunidade
biótica em cujo vértice nos encontramos” (Cunhal Sendim). O Ambiente reporta-se,
nesta visão, ao “conjunto de recursos naturais, renováveis e não renováveis, e
às suas interdependências” (Carla Amado Gomes, “O Ambiente como Objecto e os
Objectos do Direito do Ambiente”, pág. 49). O artigo 2º, nº2 da Lei de Bases do
Ambiente parece seguir esta visão, pois estabelece a necessidade de um
“desenvolvimento auto-sustentado”. A mesma percepção podemos retirar dos
artigos 278º, 279º e 281º do Código Penal, que criminalizam danos causados à
integridade da fauna, flora, água e solo. Defende-se aqui, que o Ambiente vale
por si mesmo e, por isso, deve ter uma tutela directa, que deve autonomizar-se
dos danos causados na esfera jurídica das pessoas e da exigência de
aproveitamento útil dos recursos naturais por parte destas. Esta visão é
defendida por autores como os Professores Doutores Freitas do Amaral e Carla
Amado Gomes.
Estas
duas opiniões têm consequências diferentes quanto à consideração daquilo que
engloba o objecto do Direito do Ambiente. Além de que a primeira se reconduz ao
antropocentrismo e a segunda ao ecocentrismo.
A
lei portuguesa, na sua diversidade de diplomas reguladores desta matéria, não é
clara quanto à opção que toma. Como já demonstrámos, há algumas disposições de
pendor mais antropocêntrico e outras de pendor mais ecocêntrico.
Cabe
agora, então, tomar posição quanto a esta discussão.
O
ser humano faz, indiscutivelmente, parte da Natureza. Sempre fez. O problema é
que ao longo dos tempos foi-se afastando desta, criando uma enorme barreira
entre aquilo que é natural e aquilo que é obra humana. Hoje, assistimos a um
crescente movimento que pretende que a pessoa humana volte a integrar-se na
Natureza, não através do regresso aos seus primórdios, o que seria irreal e
incomportável, mas sim através de uma reinserção harmoniosa, que deve ser
levada a cabo de forma equilibrada entre o nível de desenvolvimento tecnológico
humano e o actual estado do Ambiente (com todos os problemas que se verificam
ao nível dos diversos componentes ambientais naturais).
Foi
exactamente a visão antropocêntrica do Mundo que levou a que chegássemos ao
ponto em que nos encontramos a nível ambiental. Os humanos consideraram, desde
os seus tempos mais recuados, que, pelas suas características intelectuais e
capacidade de organização interpessoal, eram os “senhores” do Mundo e podiam
fazer com o Planeta e todos os seus recursos naturais, aquilo que bem lhes aprouvesse.
O resultado é aquele com que nos deparamos hoje. O Planeta encontra-se
“saturado” de tantos “maus tratos” e começa a insurgir-se contra os seus
habitantes, humanos e não-humanos.
O
Direito surgiu pelo reconhecimento de que a sociedade humana necessitava de
regras para sobreviver e se desenvolver da forma mais harmoniosa e equilibrada
possível. Foi uma reflexão moral e ética que levou a que se chegasse a esta
conclusão. A procura da Paz e da Justiça sempre estiveram na “fila da frente”
no que respeita à criação do Direito. Até há muito pouco tempo na nossa
História, o Direito servia apenas para regular as relações entre seres humanos,
no entanto, isso mudou, recentemente. Concordamos com o Professor Doutor
Freitas do Amaral quando diz que “(…) o Direito do Ambiente (…) é, em minha
opinião, o primeiro ramo de Direito que nasce, não para regular as relações dos
homens entre si, mas para tentar disciplinar as relações do Homem com a
Natureza – os direitos do Homem sobre a Natureza, os deveres do Homem para com
a Natureza e, eventualmente, os direitos da Natureza perante o Homem. É uma
nova era em que a humanidade está a entrar ante os nossos olhos; é mesmo,
porventura, uma nova civilização.” (in
Direito do Ambiente, pág. 17, 1994). Não podemos continuar a ver a Natureza
como uma fonte de recursos para os humanos. Não estamos sozinhos neste vasto
Planeta e não podemos ser egoístas nem egocêntricos ao ponto de ignorarmos este
facto. Como seres que se desenvolveram da forma como nos desenvolvemos, temos um
dever para com o Ambiente e para com as espécies que o habitam connosco. Por
sermos aqueles que têm capacidade para alterar, em maior escala
(indubitavelmente), o meio que nos rodeia, devemos reflectir sobre se isso nos
legitima a explorar de forma abusiva a Natureza que nos alberga, ou se, pelo
contrário, isso nos coloca na posição de “guardiães” da Natureza, que devem
respeitá-la e protegê-la.
Tal
como a Professora Doutora Carla Amado Gomes refere: “A espécie humana tem um
natural ascendente sobre as outras espécies naturais e vegetais. Porém, isso
não significa que seja “dona do mundo”, mas apenas investe o Homem num estatuto
de habitante privilegiado do planeta. Isso não o desresponsabiliza, antes o
investe num especial dever de preservação do meio ambiente – que não implica,
obviamente, prescindir da utilização dos recursos naturais em nome da sua
intangibilidade, o que seria totalmente irrealista.” (in O Ambiente como Objecto e os Objectos do Direito do Ambiente,
pág. 65).
Pegando
nesta última parte do parágrafo acabado de transcrever, voltamos a referir que
o que se pretende seguindo esta visão ecocêntrica, acabada de defender, não é
uma “santificação” ou intangibilidade da Natureza. Esta continua a ser a nossa
“casa” e fonte de subsistência. O que se pretende é que a recolecção de
recursos do Planeta para a nossa sobrevivência seja feita de forma o menos
invasiva possível e que respeite o Ambiente por si só, pelo valor intrínseco
que tem. Se o meio Ambiente não existisse, nenhum de nós aqui estaria neste
momento.
Tal
como a maior parte das discussões doutrinárias em matéria jurídica,
consideramos que esta querela é, antes de mais, uma questão ética e moral.
Afinal de contas, o Direito tem sempre na sua origem a consciencialização
ético-moral e a procura da Paz e da Justiça, como já se referiu neste texto.
Por
tudo o que se disse, dizemos, em jeito de conclusão que seguimos a designada
tese ecocêntrica, porque é necessário respeitar a Natureza pelo seu valor
intrínseco para que a utilização dos recursos seja a mais equilibrada possível.
Não podemos continuar a ter uma visão utilitarista do Ambiente, que é a visão
do antropocentrismo. Mesmo no antropocentrismo ecológico esta visão
utilitarista continua premente. Apenas o ecocentrismo levará à defesa da
Natureza de uma forma adequada, por a ver como um bem a ser protegido pela sua
própria importância e valor. Ao aproveitarmos a Natureza de forma moderada não
estaremos a devastá-la, uma vez que ela é a base para a nossa sobrevivência. No
entanto, o que fazemos hoje ainda está muito longe de ser um aproveitamento
moderado e equilibrado do meio Ambiente. Daí, a necessidade de avançarmos,
claramente, para a consagração de um ecocentrismo nas nossas leis ambientais,
para não deixar dúvidas sobre a sua relevância intrínseca.
Deixamos
apenas uma última palavra de comentário a uma outra frase da Professora Doutora
Carla Amado Gomes: “O direito de cada cidadão a um ambiente “ecologicamente
equilibrado” não é (…) uma posição jurídica subjectiva que se traduz na
susceptibilidade de aproveitamento individual de um determinado bem, mas antes
na possibilidade de utilização desse bem, estreitamente aliada a um dever
fundamental de utilização racional, numa
perspectiva de solidariedade, quer com os restantes membros da comunidade
actualmente considerada, quer com as gerações futuras (cfr. O respeito do
princípio da solidariedade entre gerações previsto na alínea d) do nº2 do
artigo 66º da Constituição).” (in O
Ambiente como Objecto e os Objectos do Direito do Ambiente, pág. 56).
Queremos apenas referir sobre esta frase que concordamos com ela. O meio
Ambiente não é de ninguém e é de todos. É de todas as espécies que nele coabitam.
Temos de o considerar como bem de todos que é e não como bem susceptível de
apropriação individual por cada um de nós, como bem refere a Professora Doutora
Carla Amado Gomes. É por isso que a utilização dos seus
recursos tem de ser racional, por respeito a tudo e a todos, sendo todos, todas
as espécies existentes na Terra.
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