terça-feira, 1 de maio de 2012

Antropocentrismo versus Ecocentrismo: que rumo tomar?


Com este pequeno estudo, pretendemos posicionar-nos quanto à já antiga discussão doutrinária sobre se devemos seguir uma visão antropocêntrica ou uma visão ecocêntrica do Direito do Ambiente. Tendo em conta que esta discussão está intimamente ligada à posição que se toma quanto ao conceito de Ambiente (em sentido amplo ou em sentido estrito), tomaremos posição nesta discussão também.

                Começaremos, então, por definir cada conceito e, depois, explicitar a nossa opinião.
 

                Quanto ao conceito de Ambiente que deve ser tido em conta, encontramos duas visões opostas: uma concepção ampla do conceito, por um lado, e uma concepção estrita do mesmo, por outro.

                A concepção ampla de Ambiente considera-o como sendo uma fonte de utilidade para os humanos. Os bens naturais são, nesta visão, meros meios de satisfação de necessidades vitais e de bem-estar das pessoas. O Ambiente é visto como um instrumento dos humanos, os quais deve servir como sendo eles o centro da vida na Terra. No Ambiente encontram-se integrados os bens naturais e os bens culturais, no mesmo plano. A Natureza e o património cultural constituem o Direito do Ambiente, lado a lado, como parece resultar do artigo 5º, nº2, alínea a) da Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87, de 7 de Abril). Esta acepção é defendida por vários autores, entre eles, o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, regente desta nossa cadeira.

                A concepção restrita de Ambiente, por sua vez, considera que a Natureza, per se, deve ser tutelada. Tem uma dignidade própria, independentemente de satisfazer ou não as necessidades humanas. A comunidade humana deve proteger e respeitar o Ambiente apenas pelo facto de os bens naturais constituírem valores em si mesmos, por fazerem parte da biosfera. Nesta acepção, a pessoa humana é vista como parte integrante da Natureza, seguindo um princípio biocêntrico. Esta consideração, não coloca a Natureza acima da pessoa humana, mas reconhece a existência de uma “comunidade biótica em cujo vértice nos encontramos” (Cunhal Sendim). O Ambiente reporta-se, nesta visão, ao “conjunto de recursos naturais, renováveis e não renováveis, e às suas interdependências” (Carla Amado Gomes, “O Ambiente como Objecto e os Objectos do Direito do Ambiente”, pág. 49). O artigo 2º, nº2 da Lei de Bases do Ambiente parece seguir esta visão, pois estabelece a necessidade de um “desenvolvimento auto-sustentado”. A mesma percepção podemos retirar dos artigos 278º, 279º e 281º do Código Penal, que criminalizam danos causados à integridade da fauna, flora, água e solo. Defende-se aqui, que o Ambiente vale por si mesmo e, por isso, deve ter uma tutela directa, que deve autonomizar-se dos danos causados na esfera jurídica das pessoas e da exigência de aproveitamento útil dos recursos naturais por parte destas. Esta visão é defendida por autores como os Professores Doutores Freitas do Amaral e Carla Amado Gomes.

                Estas duas opiniões têm consequências diferentes quanto à consideração daquilo que engloba o objecto do Direito do Ambiente. Além de que a primeira se reconduz ao antropocentrismo e a segunda ao ecocentrismo.
 

                A lei portuguesa, na sua diversidade de diplomas reguladores desta matéria, não é clara quanto à opção que toma. Como já demonstrámos, há algumas disposições de pendor mais antropocêntrico e outras de pendor mais ecocêntrico.
 

                Cabe agora, então, tomar posição quanto a esta discussão.

                O ser humano faz, indiscutivelmente, parte da Natureza. Sempre fez. O problema é que ao longo dos tempos foi-se afastando desta, criando uma enorme barreira entre aquilo que é natural e aquilo que é obra humana. Hoje, assistimos a um crescente movimento que pretende que a pessoa humana volte a integrar-se na Natureza, não através do regresso aos seus primórdios, o que seria irreal e incomportável, mas sim através de uma reinserção harmoniosa, que deve ser levada a cabo de forma equilibrada entre o nível de desenvolvimento tecnológico humano e o actual estado do Ambiente (com todos os problemas que se verificam ao nível dos diversos componentes ambientais naturais).
 

                Foi exactamente a visão antropocêntrica do Mundo que levou a que chegássemos ao ponto em que nos encontramos a nível ambiental. Os humanos consideraram, desde os seus tempos mais recuados, que, pelas suas características intelectuais e capacidade de organização interpessoal, eram os “senhores” do Mundo e podiam fazer com o Planeta e todos os seus recursos naturais, aquilo que bem lhes aprouvesse. O resultado é aquele com que nos deparamos hoje. O Planeta encontra-se “saturado” de tantos “maus tratos” e começa a insurgir-se contra os seus habitantes, humanos e não-humanos.

                O Direito surgiu pelo reconhecimento de que a sociedade humana necessitava de regras para sobreviver e se desenvolver da forma mais harmoniosa e equilibrada possível. Foi uma reflexão moral e ética que levou a que se chegasse a esta conclusão. A procura da Paz e da Justiça sempre estiveram na “fila da frente” no que respeita à criação do Direito. Até há muito pouco tempo na nossa História, o Direito servia apenas para regular as relações entre seres humanos, no entanto, isso mudou, recentemente. Concordamos com o Professor Doutor Freitas do Amaral quando diz que “(…) o Direito do Ambiente (…) é, em minha opinião, o primeiro ramo de Direito que nasce, não para regular as relações dos homens entre si, mas para tentar disciplinar as relações do Homem com a Natureza – os direitos do Homem sobre a Natureza, os deveres do Homem para com a Natureza e, eventualmente, os direitos da Natureza perante o Homem. É uma nova era em que a humanidade está a entrar ante os nossos olhos; é mesmo, porventura, uma nova civilização.” (in Direito do Ambiente, pág. 17, 1994). Não podemos continuar a ver a Natureza como uma fonte de recursos para os humanos. Não estamos sozinhos neste vasto Planeta e não podemos ser egoístas nem egocêntricos ao ponto de ignorarmos este facto. Como seres que se desenvolveram da forma como nos desenvolvemos, temos um dever para com o Ambiente e para com as espécies que o habitam connosco. Por sermos aqueles que têm capacidade para alterar, em maior escala (indubitavelmente), o meio que nos rodeia, devemos reflectir sobre se isso nos legitima a explorar de forma abusiva a Natureza que nos alberga, ou se, pelo contrário, isso nos coloca na posição de “guardiães” da Natureza, que devem respeitá-la e protegê-la.

                Tal como a Professora Doutora Carla Amado Gomes refere: “A espécie humana tem um natural ascendente sobre as outras espécies naturais e vegetais. Porém, isso não significa que seja “dona do mundo”, mas apenas investe o Homem num estatuto de habitante privilegiado do planeta. Isso não o desresponsabiliza, antes o investe num especial dever de preservação do meio ambiente – que não implica, obviamente, prescindir da utilização dos recursos naturais em nome da sua intangibilidade, o que seria totalmente irrealista.” (in O Ambiente como Objecto e os Objectos do Direito do Ambiente, pág. 65).

                Pegando nesta última parte do parágrafo acabado de transcrever, voltamos a referir que o que se pretende seguindo esta visão ecocêntrica, acabada de defender, não é uma “santificação” ou intangibilidade da Natureza. Esta continua a ser a nossa “casa” e fonte de subsistência. O que se pretende é que a recolecção de recursos do Planeta para a nossa sobrevivência seja feita de forma o menos invasiva possível e que respeite o Ambiente por si só, pelo valor intrínseco que tem. Se o meio Ambiente não existisse, nenhum de nós aqui estaria neste momento.

                Tal como a maior parte das discussões doutrinárias em matéria jurídica, consideramos que esta querela é, antes de mais, uma questão ética e moral. Afinal de contas, o Direito tem sempre na sua origem a consciencialização ético-moral e a procura da Paz e da Justiça, como já se referiu neste texto.
 

                Por tudo o que se disse, dizemos, em jeito de conclusão que seguimos a designada tese ecocêntrica, porque é necessário respeitar a Natureza pelo seu valor intrínseco para que a utilização dos recursos seja a mais equilibrada possível. Não podemos continuar a ter uma visão utilitarista do Ambiente, que é a visão do antropocentrismo. Mesmo no antropocentrismo ecológico esta visão utilitarista continua premente. Apenas o ecocentrismo levará à defesa da Natureza de uma forma adequada, por a ver como um bem a ser protegido pela sua própria importância e valor. Ao aproveitarmos a Natureza de forma moderada não estaremos a devastá-la, uma vez que ela é a base para a nossa sobrevivência. No entanto, o que fazemos hoje ainda está muito longe de ser um aproveitamento moderado e equilibrado do meio Ambiente. Daí, a necessidade de avançarmos, claramente, para a consagração de um ecocentrismo nas nossas leis ambientais, para não deixar dúvidas sobre a sua relevância intrínseca.

                Deixamos apenas uma última palavra de comentário a uma outra frase da Professora Doutora Carla Amado Gomes: “O direito de cada cidadão a um ambiente “ecologicamente equilibrado” não é (…) uma posição jurídica subjectiva que se traduz na susceptibilidade de aproveitamento individual de um determinado bem, mas antes na possibilidade de utilização desse bem, estreitamente aliada a um dever fundamental de utilização racional, numa perspectiva de solidariedade, quer com os restantes membros da comunidade actualmente considerada, quer com as gerações futuras (cfr. O respeito do princípio da solidariedade entre gerações previsto na alínea d) do nº2 do artigo 66º da Constituição).” (in O Ambiente como Objecto e os Objectos do Direito do Ambiente, pág. 56). Queremos apenas referir sobre esta frase que concordamos com ela. O meio Ambiente não é de ninguém e é de todos. É de todas as espécies que nele coabitam. Temos de o considerar como bem de todos que é e não como bem susceptível de apropriação individual por cada um de nós, como bem refere a Professora Doutora Carla Amado Gomes. É por isso que a utilização dos seus recursos tem de ser racional, por respeito a tudo e a todos, sendo todos, todas as espécies existentes na Terra.         

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