domingo, 20 de maio de 2012

A legislação como instrumento de defesa do ambiente


A legislação como instrumento de defesa do ambiente
O Ambiente, na sua diversidade de componentes, acaba por ter reflexo numa legislação muito dispersa, que cobre, entre numerosos domínios, a poluição atmosférica, a água, o solo, a fauna, a flora, o ruído, o ordenamento e os resíduos.
É uma legislação que provém em grande parte da transposição de Directivas Comunitárias, e por isso generosa no que concerne à protecção do Ambiente. Contudo, as transposições operam-se muitas vezes fora de prazo, e nem sempre Portugal adopta, atempadamente, as medidas que permitam prosseguir os objectivos estabelecidos pelas Directivas. Esta situação tem trazido vários problemas e atrasos na protecção do Ambiente, e, inclusivamente, tem dado origem a processos contra Portugal no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeia, como é, exemplo disso, o Acórdão de 13 de Julho de 2000, no qual Portugal foi condenado, por não ter adoptado os programas destinados a reduzir a poluição das águas.
Face à extensão e dispersão dos diplomas, torna-se muito difícil, mesmo para quem trabalha nestas áreas, dominar todas as matérias, mas o ponto de partida a considerar, será sempre a Lei de Bases do Ambiente (LBA) que, como lei de bases que é, estabelece as opções político-legislativas fundamentais. É usualmente considerada uma lei inovadora para a altura (1987), questionando-se hoje se não se impunha já uma revisão.
A política estabelecida na LBA, gira um pouco à volta do artigo 2.º, que por sua vez se assemelha ao artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa, estabelecendo que “Todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, incumbindo ao Estado, por meio de organismos próprios e por apelo a iniciativas populares e comunitárias, promover a melhoria da qualidade de vida, quer individual, quer colectiva”, e que “A política de ambiente tem por fim optimizar e garantir a continuidade de utilização dos recursos naturais, qualitativa e quantitativa, como pressuposto básico de um desenvolvimento auto-sustentado”.
A LBA estabelece, ainda, como princípios específicos: o princípio da prevenção; do equilíbrio (com a finalidade do desenvolvimento integrado, harmónico e sustentável); da participação dos diferentes grupos sociais na formulação e execução da política do ambiente; da unidade de gestão e acção a nível das entidades públicas com responsabilidade em matérias ambientais; da cooperação internacional; da procura do nível mais adequado de acção, seja de âmbito internacional, nacional, regional, local ou sectorial; da recuperação, através da tomada de medidas urgentes, para limitar processos degradativos; e da responsabilização dos agentes atendendo à afectação sobre os recursos naturais.
A LBA estabelece, também, quais sãos os componentes ambientais naturais (ar, luz, água, solo vivo e subsolo, flora e fauna), e os humanos (a paisagem, o património natural e construído e a poluição); quais os instrumentos da política de ambiente e do ordenamento do território; a necessidade de licenciamentos referentes a actividades efectivamente poluidoras; quais os organismos responsáveis em matéria ambiental; quais os direitos e deveres dos cidadãos; estabelecendo por fim algumas regras quanto a penalizações em matéria ambiental.
Como lei de bases que é, implica uma legislação/regulamentação das suas políticas ambientais. Não obstante a LBA ter imposto um ano, para a publicação de todos os diplomas necessários à sua regulamentação, só recentemente é que foi regulado o regime jurídico referente ao contrato de seguro de responsabilidade civil ambiental . Este regime, por sua vez, seguiu-se à recente integração, das diversas actividades de carácter industrial, num único regime de licenciamento - o qual visou a prevenção dos impactos resultantes da actividade industrial, designadamente, no Ambiente - e à classificação dos estabelecimentos industriais que envolvem maior risco potencial . Com efeito, a regulamentação da responsabilidade objectiva ou pelo risco, é indispensável à protecção do Ambiente, por constituir os agentes poluidores na obrigação de indemnizar, independentemente da culpa, sempre que se verifiquem danos significativos no Ambiente, causados por uma acção especialmente perigosa, mesmo que esteja dentro dos limites da lei.
O diploma referente ao contrato de seguro de responsabilidade ambiental, assegura efectivamente a cobertura de danos ambientais, na medida em que estes se reflictam na esfera jurídica de determinado sujeito. Contudo, a protecção do Ambiente, enquanto bem jurídico a ser protegido per si, parece ter ficado muito aquém do esperado, já que o contrato de seguro exclui os danos causados à biodiversidade, entendida como espécies naturais, de fauna e flora, e habitats protegidos pelo Direito Comunitário, ou pela criação de áreas de protecção ou conservação.
Uma outra lei de bases a salientar, será a Lei de Bases do Ordenamento do Território, que a este respeito estabeleceu as acções a serem promovidas pela Administração Pública, com o objectivo de assegurar uma adequada organização e utilização do território nacional, na perspectiva da sua valorização.
A nível de contencioso, atendendo ao facto de um dos princípios fundamentais do Direito do Ambiente ser o da prevenção/precaução, o mesmo veio a beneficiar muito da reforma do contencioso administrativo, designadamente no que respeita às intimações para a prática ou omissão de um comportamento, que se podem dirigir não só a particulares como à própria Administração Pública, e às providências cautelares, que deixaram de estar limitadas aos casos expressamente previstos, sendo possível adoptar qualquer tipo de providência, que possa assegurar a utilidade da acção principal.
Atendendo à juventude do “Direito do Ambiente”, numa primeira análise da nossa jurisprudência ambiental, na ânsia de obter um saldo dos últimos anos, poderíamos cair na tentação de procurar determinar, em primeiro lugar, se a maioria das decisões judiciais, no final, é favorável à defesa do Ambiente, ou não.
Contudo, para uma análise justa, quanto à orientação da nossa jurisprudência, não podemos ceder a simples cálculos de aritmética. É preciso ter em conta que, o “Ambiente” pode perder uma acção judicial, devido a questões de direito processual, o que aliás acontece em qualquer ramo de direito. Por outro lado, por vezes, a protecção do Ambiente concretiza-se graças à existência de uma legislação com um normativo legal bem definido e concretizado, que possibilita ao Juiz decidir, a favor do Ambiente, com base na mera aplicação da lei, sem grandes preocupações de argumentação jurídica, e de “criação do direito”.
No entanto, é necessário não esquecer que as normas da legislação ambiental nunca poderão cobrir toda a diversidade de situações que a realidade tem para oferecer, especialmente tendo em conta a juventude deste “ramo de direito”, pelo que os Tribunais, em muitos casos, não se podem ficar apenas por um rigorismo técnico-jurídico, que se contente com a mera aplicação literal de normas que prevêem situações concretas.
Por vezes, a protecção do Ambiente exige a procura de “soluções criativas”, por parte do Tribunal, atendendo a campos de vazio legal e à necessidade de concretização de cláusulas gerais e conceitos indeterminados, a que a legislação muitas vezes recorre. Nestes casos, considerando a necessidade de defesa do Ambiente e, por outro lado, a existência frequente de outros interesses e direitos (designadamente de cariz económico) em conflito com aquele, os quais também têm de ser atendidos, o Juiz tem de julgar sem se esquecer que o “Direito do Ambiente” não é neutro, e que como tal impõe o recurso à “interpretação mais amiga do ambiente”, e que face à necessidade de preservação da Natureza se deve decidir com base no princípio do “in dubio pro ambiente”.
Para averiguarmos acerca da sensibilidade dos nossos Tribunais na defesa do “direito do ambiente”, interessa analisar as decisões que se confrontam com a necessidade de fazer esta ponderação, e que como tal acusarão uma maior ou menor sensibilidade do Juiz relativamente às “causas ambientais”.
Na maioria dos litígios “ambientais” que vão a Tribunal, o direito ao ambiente aparece numa perspectiva acessória a outros direitos subjectivos individuais, designadamente o direito de propriedade e os direitos de personalidade (direito à qualidade de vida, saúde, sossego, bem estar, etc). Nestes casos, a jurisprudência apresenta inequivocamente uma forte tendência para proteger o “direito ao ambiente”, em detrimento dos outros direitos.
Existem inúmeros exemplos em que o Tribunal condenou quem lesou o direito ao ambiente de outrém, atribuindo uma indemnização ao lesado, ou condenando à adopção de medidas que eliminassem os efeitos prejudiciais, como por exemplo, a execução de obras em estabelecimentos de modo a diminuir a emissão de cheiros, fumos ou ruídos, ou mesmo a cessão da actividade que provocava os danos. Para estes efeitos, a propósito das actividades económicas, por vezes, os Tribunais chamaram mesmo a atenção para o facto de ser irrelevante que a actividade tivesse sido autorizada pela competente autoridade administrativa, e que respeitasse determinados requisitos legais.
Por vezes, não obstante estarem em causa apenas direitos subjectivos, individuais, estes casos permitem aos Tribunais transmitir mensagens de educação ambiental, como por exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25 de Outubro de 1983, que a propósito do funcionamento de um estábulo, que incomodava os vizinhos, aproveitou a oportunidade para referir a existência de “um sério e respeitado movimento ecologista à escala mundial”.
Por vezes, ainda que muito raramente, as lesões implicam inclusivamente a incriminação. Veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 23 de Junho de 1999, que a propósito do barulho provocado pelas cerimónias de culto de uma congregação religiosa, que incomodavam os vizinhos, condenou o respectivo director pela prática do crime de poluição.
A defesa do direito do Ambiente, enquanto bem jurídico que importa proteger per si, mesmo que a lesão em causa não afecte a esfera jurídica individual de ninguém em particular, é a que vai menos vezes a Tribunal. Na realidade, quando estão em causa interesses difusos, que pertencem a todos, sem pertencer a ninguém em especial, ou bem que avançam as ONGAS para Tribunal, ou então, não será o cidadão comum, que vai exercer o seu direito de acção popular.
A este respeito, refira-se ainda a importância do papel do Ministério Público (MP), que aparece tendencialmente como defensor do Ambiente, à excepção dos casos em que o conflito do Ambiente se regista contra poderes públicos (v.g. Processos de Estarreja, e da nova ponte sobre o Tejo), ainda que, mesmo nestas situações, se tenha vindo a verificar nos últimos tempos que o MP já enfrenta com mais coragem o Estado, e exemplo disso são os pareceres favoráveis aos decretamentos das providências no caso do “Túnel do Marquês” e do “Abate de sobreiros em Benavente”. Contudo, é preciso não esquecer que o papel processual do MP não se fica por dar pareceres, em processos intentados por outros sujeitos processuais, o MP tem legalmente reconhecida legitimidade activa para propor acções em defesa do Ambiente, legitimidade essa que não tem sabido exercer como era desejável.
Não obstante o número reduzido de acções de defesa do Ambiente per si, existem casos que vale a pena assinalar.
O Supremo Tribunal Administrativo, num acórdão de 20 de Junho de 1989, não obstante ter anulado um despacho que ordenava a suspensão imediata da laboração de uma fábrica que lançava resíduos líquidos como efluentes num rio, fê-lo porque a verificação de um vício de forma o impôs. Contudo, o referido acórdão aproveitou para afastar o argumento alegado pela empresa de que “não era a única a poluir”. Com efeito, este Tribunal considerou que, sendo a empresa a responsável, em maioria, para a poluição do rio, o facto da actividade de outros agentes poluidores não ser suspensa, e a sua actividade sim, não violaria o princípio constitucional da igualdade.
Num outro acórdão de 29 de Outubro de 1991, em que este Tribunal se viu confrontado com a avaliação de um conflito de interesses, que implicava por um lado a possibilidade do desemprego de 38 pessoas, bem como perturbações da economia piscatória local, e por outro lado, a protecção do Ambiente, atendendo nomeadamente ao facto de que estava a ser afectada uma zona habitacional, entendeu suspender a actividade de uma empresa produtora de óleos e farinhas de peixe, considerando que, neste caso, o valor de protecção do Ambiente se sobrepunha a valores laborais e económicos.
Em 13 Novembro de 1995, o Tribunal de Arraiolos condenou o gerente da Zona de Caça Turística da “Herdade da Sempre Noiva” ao pagamento de uma coima e a uma pena de prisão suspensa, a propósito do envenenamento de duas águias e de cinco cães.
Destaque-se, ainda, o Acórdão da Relação do Porto de 19 de Novembro de 1997 que não se sensibilizou com o argumento de uma unidade industrial, que alegou que, não obstante não possuir licença para a descarga de águas residuais ou efluentes, tinha de o fazer sob pena de ter de encerrar e com isso pôr 500 trabalhadores no desemprego, alegando assim ter agido em estado de necessidade.
A 23 de Setembro de 1998, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que não era idóneo o local de “Vale do Chão” e de ”Cobertos” para a instalação de um aterro sanitário, ordenando que a empresa de tratamento de resíduos sólidos, que celebrara um contrato de concessão com o Estado português, se abstivesse de executar as obras de edificação do aterro, os necessários abates de árvores e a deposição de resíduos no local, por considerar que isso daria origem a uma lesão grave e dificilmente reparável do direito a um ambiente humano e equilibrado ecologicamente.
O Tribunal Constitucional, num acórdão de 13 de Fevereiro de 2001, referente à aplicação de uma coima face à exploração de uma pedreira no perímetro do Monumento Natural das Pegadas de Dinossauros de Ourém, considerou que a norma que impunha a interdição de diversas actividades susceptíveis da alteração da morfologia do solo e do coberto vegetal não era inconstitucional. A criação do Monumento Natural, dado o seu “invulgar valor científico”, legitimava a imposição de condicionamentos e interdições aos proprietários, sem que isso pudesse ser considerado inconstitucional à luz do art.º 62.º da Constituição da República Portuguesa.
Quanto à legalização de obras clandestinas, em área de paisagem protegida, e à vulgar justificação de que “existem outras obras clandestinas, para além da minha”, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Setembro de 2002, que a propósito de uma construção numa área protegida, considerou que não se pode justificar a legalização com o facto de haver outras obras semelhantes na área, sob pena de se violarem os princípio da igualdade, justiça, proporcionalidade, segurança ou confiança, porque não há «direito à igualdade na ilegalidade» ou à «repetição dos erros».
O recente e mediático caso “Tunel do Marquês”, já contribuiu até à data, para as “colectâneas” de jurisprudência ambiental, com três decisões judiciais cautelares. É sabido que, por vezes, em matérias e áreas do direito mais recentes, à medida que se sobe na hierarquia dos Tribunais, podemos contar com decisões um pouco mais conservadoras. Coincidência ou não, neste caso, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, em 22 de Abril de 2004, julgou procedente o pedido de suspensão dos trabalhos relativos à estrutura do Túnel, o Tribunal Central Administrativo do Sul, em 14 de Setembro de 2004, revogou parcialmente a decisão daquele e, por sua vez, o Supremo Tribunal Administrativo, em 24 de Novembro de 2004, viria a indeferir todas as providências cautelares.
Neste processo, à parte de outras ilegalidades do projecto apontadas pelo autor, sem dúvida que a mais importante foi a falta de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). A 1.ª Instância foi bastante generosa na interpretação que fez do Regime da AIA, por ter considerado que o princípio da prevenção e precaução em matéria ambiental conduziriam a uma “inversão do ónus da prova”, ficando então a cargo do “poluidor”, e não de quem defende o Ambiente, provar que a actividade em causa não envolve riscos sérios para o Ambiente. O Tribunal Central Administrativo do Sul, embora não acolhendo esta posição, classificando inclusivamente a tese da “norma geral e aberta”, no que respeita à necessidade de AIA, uma «interpretação ecofundamentalista», acabou no final por resolver o problema considerando que a AIA seria imposta neste caso, com base na mesma norma legal que impõe o respectivo estudo no caso da construção de linhas de metro. No final, o Supremo Tribunal de Justiça, agarrado à “letra da lei” e sem atender a qualquer princípio do Direito Ambiental, acabaria por rejeitar definitivamente a necessidade de AIA, não só por considerar que o respectivo regime era “fechado”, não aceitando a tese da 1.ª Instância, como também por não aceitar a interpretação extensiva feita pela 2.ª Instância, da norma que previa a necessidade de AIA, no caso da construção de linhas metropolitanas.

Referências legislativas
1 Cfr. Portaria n.º 1235/2003 de 27 de Outubro, alterada pela Portaria n.º 1058/2004 de 21 de Agosto
2 Cfr. Decreto Lei. n.º 69/2003 de 10 de Abril, Decreto Regulamentar n.º 8/2003 de 11 de Abril, e Portarias n.º 464/2003 de 6 de Junho
3 Cfr. art.º 9, b) da Portaria n.º 1235/2003 de 27 de Outubro
4 Cfr. art. 9.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)



Maria Ana Capelo, subturma 3 Nº: 18252

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