sábado, 19 de maio de 2012

O Contencioso do Ambiente: falta de meios de tutela processual?



            No nosso ordenamento jurídico, o único meio jurisdicional específico existente para tutela de direitos subjectivos em sede de Direito do Ambiente são os “embargos de terceiro”. Está consagrado no artigo 42º da Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87, de 7 de Abril), embora de forma insuficiente, de acordo com a opinião do Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, que afirma que: “a consideração destes embargos de ambiente como um verdadeiro meio processual é, em grande medida, uma construção de juristas, já que a regulação da Lei de Bases (…) é incompleta e insatisfatória” (Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, 2002, Coimbra, Editora Almedina).

            O artigo 42º da Lei de Bases do Ambiente (LBA, doravante) dispõe que: “Aqueles que se julguem ofendidos nos seus direitos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado poderão requerer que seja mandada suspender imediatamente a actividade causadora do dano, seguindo-se, para tal efeito, o processo de embargo administrativo.”.

Até às alterações realizadas à LBA em 2002, vários problemas de interpretação da natureza jurídica deste mecanismo eram colocados pela Doutrina. O artigo 45º, nº 1 da mesma lei, estabelecia a competência dos tribunais comuns para aplicarem este mecanismo. Tendo em conta que “embargos administrativos” são da competência da Administração Pública e não dos tribunais, como referia o Professor Doutor Freitas do Amaral existia uma clara divergência entre o que estabelecia o artigo 42º e o que estabelecia o artigo 45º. Embargos judiciais, esses sim, são da competência dos tribunais, pelo que o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, defendia que nos encontrávamos perante embargos judiciais pela clara intenção do legislador de que estes fossem da competência dos tribunais. A expressão “embargos administrativos” estava, portanto, incorrecta e não devia ser entendida de forma literal. O Professor defendia que devia fazer-se uma correspondência entre este mecanismo e um meio contencioso pré-existente que permitisse a tutela efectiva dos direitos em causa.

            Outro problema colocado era o de saber se este meio processual pertencia ao Contencioso Administrativo ou ao Processo Civil. O Professor Vasco Pereira da Silva entendia que era o segundo, pois um meio processual do Contencioso nunca poderia ser da competência dos tribunais comuns.

            O último problema que se colocava era o de se o meio seria uma acção principal ou um procedimento cautelar. Aqui nesta questão, o Professor Pereira da Silva considerava que era um procedimento cautelar, uma vez que a disposição legal vinha referir que o pedido do partícula fazia suspender imediatamente a actividade causadora do dano, o que demonstrava o seu carácter provisório.

            Felizmente, a redacção actual do artigo 45º, criada pelas alterações realizadas pela Lei 13/2002, veio retirar todas estas dúvidas, deixando claras as respostas a todas elas. A redacção do artigo 45º, nº 1 e 2 é, hoje, a seguinte:

“Artigo 45.º

Tutela judicial

1 - Sem prejuízo da legitimidade de quem se sinta ameaçado ou tenha sido lesado nos seus direitos, à actuação perante a jurisdição competente do correspondente direito à cessação da conduta ameaçadora ou lesiva e à indemnização pelos danos que dela possam ter resultado, ao abrigo do disposto no capítulo anterior, também ao Ministério Público compete a defesa dos valores protegidos pela presente lei, nomeadamente através da utilização dos mecanismos nela previstos.

2 - É igualmente reconhecido a qualquer pessoa, independentemente de ter interesse pessoal na demanda, bem como às associações e fundações defensoras dos interesses em causa e às autarquias locais, o direito de propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa dos valores protegidos pela presente lei.”


            Da leitura do preceito, retira-se a conclusão de que os esforços interpretativos da Doutrina estão, face ao passado, facilitados. Quanto à primeira questão, torna-se claro que estamos perante um meio jurisdicional e não uma forma de actuação da Administração, por conferir a possibilidade de o particular recorrer à “jurisdição competente”. Em relação à segunda questão, se o meio processual seria de Contencioso Administrativo ou Processo Civil, conclui-se pela leitura do nº 1 que é um meio contencioso, pois é o contencioso que permite ao particular tutelar os seus direitos em matéria de Ambiente. Relativamente à terceira e última questão, ficou claro no nº 2 que este meio processual tanto pode ser uma acção principal como um procedimento cautelar.


            Em conclusão, embora continue a faltar regulação acerca dos “embargos administrativos” de ambiente, pois os preceitos continuam a ter escassa informação, os problemas mais graves de interpretação puderam ser ultrapassados com a última alteração à LBA. Existe, portanto, ainda, algum défice de tutela processual em matéria de Ambiente, sendo, muitas vezes, necessário recorrer a formas de processo mais gerais de Direito Administrativo, como as acções de impugnação de acto administrativo ou as intimações para protecção de Direitos, Liberdades e Garantias.

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