É
sabido que uma das atividades mais poluentes à escala mundial é a que resulta
da produção de energia.
Num Mundo cada vez mais exigente do ponto de vista demográfico (e consequentemente) energético, e ainda tão dependente das energias fósseis, sendo as suas economias extremamente vulneráveis às constantes oscilações de preço, tem sido propugnada a solução das energias renováveis. Entende-se que o futuro passa pela substituição crescente dos combustíveis fósseis por este novo modo de energia limpa. A implementação destas no mercado levaria (e tem levado, ainda que num grau menor que o desejável), a economias menos dependentes e a um ambiente com mais qualidade, ou pelo menos a uma inflexão da degradação a que tem vindo a ser sujeito.
Para
que haja uma crescente diversificação energética e um maior investimento neste
âmbito, parece que o setor deve ser entregue ao livre jogo do mercado. Ou seja, deve ser liberalizado.
Quanto
a uma eventual ação do Estado, apenas deverá consistir na concessão de benefícios
fiscais (ou num simples desagravamento fiscal), ou em subsidiar aqueles que
invistam neste tipo de energias (que assumem diversas formas, entre elas, a energia
eólica e a energia solar), isto sem esquecer a importante função de regular o
setor.
Nos seus primórdios, o setor energético era considerado uma atribuição do Estado por razões que se prendiam com o seu caráter de essencialidade para a comunidade. Isto à partida levaria a uma necessidade de controlar os preços, sem esquecer que estamos perante um setor estratégico quer do ponto de vista económico quer, por exemplo, do ponto de vista da defesa nacional.
As
primeiras experiências liberalizadoras no setor da energia datam dos finais da
década de 1980 em Inglaterra e nos Estados Unidos. Como consequências,
estimularam a concorrência, o investimento e a melhoria dos serviços. Tais
alterações, em grande parte impulsionadas pela crescente globalização, levaram
a uma alteração do paradigma e a um repensar do monopólio estadual neste setor.
Em face desta liberalização (Estados Unidos, Inglaterra, América Latina), e em face das novas realidades estratégicas e ambientais, a União Europeia[1] teve de repensar a sua posição.
Como
refere o Professor Menezes Cordeiro[2],
a União Europeia tinha de investir em novas infra-estruturas e repensar o
paradigma em face da sua grande dependência energética e do elevar dos preços
levado a cabo pelo aumento da procura a nível mundial. Ao mesmo tempo, esta
mudança de paradigma deveria ser acompanhada de uma grande atenção à proteção ambiental.
Faziam-se já sentir efeitos nefastos da poluição em excesso que começara já a
povoar o planeta, como as alterações climáticas e a destruição da camada do
ozono. Deveria também ser pensada a proteção dos consumidores.
Em 2006 no, Livro Verde: estratégia europeia para uma energia sustentável, competitiva e segura[3], a Comissão Europeia veio defender a necessidade de um mercado aberto e competitivo para que se pudesse caminhar na senda de um desenvolvimento sustentável.
Neste Livro Verde, a
Comissão demonstra-se preocupada com a dependência energética do exterior,
prevendo-se que aumentem as importações. É também referido que alguns desses países
exportadores vivem situações de insegurança, que a qualquer momento podem
comprometer o abastecimento energético dos países europeus, fortemente
dependentes.
Há também uma demonstração de preocupações ambientais. Podemos salientar a seguinte afirmação: O nosso clima está a aquecer. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), as emissões de gases com efeito de estufa já fizeram aumentar de 0,6°C a temperatura do globo. Se nada se fizer, haverá um aumento de 1,4 a 5,8°C até ao final do século. Todas as regiões do mundo – incluindo a UE – terão de enfrentar graves consequências para as suas economias e ecossistemas.
Conclui-se ali pela importância crucial da criação de um mercado interno competitivo no domínio da energia, que ponha termo à grande dependência energética do exterior, causadora de constante insegurança e subidas de preço. Para isso é referido que a UE ocupa uma posição de primeiro plano mundial na gestão da procura, na promoção de formas novas e renováveis de energia e no desenvolvimento de tecnologias com baixa produção de carbono. Se a UE apoiar uma nova política comum com uma posição consensual nas questões energéticas, a Europa poderá liderar a procura de soluções energéticas a nível mundial.
Para fazer face a este quadro, a Comissão sugere, no Livro Verde, que se crie um verdadeiro mercado único energético, havendo lugar a uma ação consertada dos Estados. É também referida a necessidade de diversificar as energias, falando-se em diversificação do aprovisionamento energético respeitadora do clima.
A Comissão salienta também a solidariedade, o caminho do desenvolvimento sustentável, a existência de um só voz da União, no sentido de haver uma política externa comum da UE e a inovação tecnológica, como pontos cruciais para o estabelecimento deste mercado.
Olhando para Portugal, podemos dizer que
desde a introdução da eletricidade (1855) que existiu um forte intervencionismo estatal[4], que
começou a ser mitigado com a sua entrada na UE[5].
Tal movimento foi fortemente impulsionado em 1955, com a criação das Bases do sistema elétrico nacional e a entidade reguladora do setor elétrico, entre outras medidas.
As alterações legislativas na nossa ordem jurídica nesta matéria têm sido maioritariamente impulsionadas pela UE, na medida em que se trata (como se percebe em toda a argumentação presente no Livro Verde supra citado) perante um setor estratégico. O próprio surgimento da UE está intimamente ligado a esse setor[6].
Também o Tratado de Maastricht se revelou de
capital importância na medida em que procedeu à criação de uma rede
transeuropeia de energia.
Ou seja, a UE tem desenvolvido políticas energéticas intimamente relacionadas com a necessidade de aumentar a produção interna e diversificar as fontes de energia, prosseguindo objetivo de diminuir cada vez mais a degradação ambiental provocada.
Podemos salientar a Diretiva da Eletricidade
(2003/54/CE) que, quanto ao mercado da eletricidade, demonstra preocupações em
que exista um mercado comum, podendo a ele aceder cada uma das empresas
europeias, em igualdade de condições, levando a um crescendo concorrencial pela
importantíssima existência de liberdade de escolha por parte do consumidor. Surge
a necessidade de evitar situações de abuso de posição dominante e de práticas
predatórias, pelo que se afigura como essencial o papel regulatório dos
Estados.
É inegável, e tem sido referida, a
importância ambiental da concretização deste mercado. Além das referências já
feitas ao aumento de concorrência, ao aumento de investimento e à
diversificação das fontes de energia, o que nos remete para um investimento em
energias renováveis, há uma crescente chamada de atenção para a questão
ambiental. Um dos pontos do considerando 2.º da Diretiva é a divulgação de
informações relativas às fontes de energia e consequente impacto ambiental, o
que, associado a uma educação para a ecologia, pode influir nas escolhas dos
consumidores.
Ainda assim, há também motivos de
preocupação. Isto é, a liberalização de uma atividade tão importante pode dar
lugar à exclusão de consumidores que habitem zonas pouco populadas em que não
seja rentável atuar. Dai o número 2 do artigo 3.º da Diretiva, que refere que os Estados-Membros podem impor às empresas
do sector da electricidade, no interesse económico geral, obrigações de serviço
público em matéria de segurança, incluindo a segurança do fornecimento, de
regularidade, qualidade e preço dos fornecimentos, assim como de protecção do
ambiente, incluindo a eficiência energética e a protecção do clima. Essas
obrigações devem ser claramente definidas, transparentes, não discriminatórias,
verificáveis e garantir a igualdade de acesso das empresas do sector da energia
eléctrica da União Europeia aos consumidores nacionais.
Importa também ter em conta o referido no n.º 6 do artigo 3. Os Estados-Membros devem assegurar que, nas facturas ou na documentação que as acompanhe e no material promocional posto à disposição dos clientes finais, os fornecedores de electricidade especifiquem:
a) A contribuição de cada fonte de energia para a estrutura global de combustíveis do fornecedor no ano anterior;
b) Pelo menos a referência das fontes de consulta existentes, como, por exemplo, páginas Web, em que são facultadas ao público informações sobre o impacto ambiental, no mínimo em termos de emissões de CO2 e de resíduos radioactivos resultantes da electricidade produzida pela estrutura global das diversas fontes de energia utilizadas pelo fornecedor no decurso do ano anterior.
O que vem na senda dos deveres de informação já mencionados.
Para concluir, refira-se o Relatório sobre os progressos realizados na criação do mercado interno do gás e da electricidade[7], de 2009, em que a Comissão comunica ao Parlamento e ao Conselho o estádio de evolução desses dois mercados. Propõe alterações no sentido do aperfeiçoamento e exploração total dos benefícios do mercado liberalizado, mas é dito que a liberalização dos mercados da electricidade e do gás da UE, iniciada já há vários anos, tem contribuído para o rejuvenescimento do sector da energia. Tem ajudado a desenvolver o espírito empresarial neste sector com efeitos benéficos numa série de actividades ligadas à energia, desde a produção de diversas formas de energias renováveis até à criação dos mercados financeiros para derivados de energia. Os participantes no mercado estão agora melhor preparados para se adaptar a rápidas mudanças económicas e ambientais – e especialmente para enfrentar os desafios específicos que as alterações climáticas colocam no sector da energia. (…) Todavia, embora estes progressos sejam encorajadores e salientem os benefícios do processo de liberalização, ainda não se explorou devidamente todo o potencial da liberalização. Há ainda algumas áreas e Estados-Membros em que legislação existente (segundo pacote do mercado interno) ainda não foi correctamente aplicada ou em que a necessidade de nova legislação se tornou evidente. A Comissão está a tomar medidas para assegurar a aplicação correcta da legislação da UE a nível nacional (…)
Concluímos assim que é de toda a importância a liberalização do Mercado da Energia, e parece que parte da resposta para a proteção ambiental se encontra ai. Esperemos que a União Europeia adote práticas cada vez mais unificadas diminuindo a sua dependência energética do exterior e contribuindo para um meio ambiente mais sádio e sustententável.
Bibliografia:
CORDEIRO,
António Menezes, “Parâmetros evolutivos
do Direitos da Energia”, in Revista O Direito, IV, Almedina, 2009PEREIRA, Tiago Fraga Cristóvão, “As dificuldades de Portugal face à escassez de recursos energéticos primários. As energias renováveis e a tributação energético-ambiental”, Lisboa, 2008
[1] Doravante,
UE.
[2] CORDEIRO, António Menezes, “Parâmetros evolutivos do Direitos da Energia”, in Revista O Direito, IV, Almedina, 2009, p.977
[4] CORDEIRO, António Menezes, “Parâmetros evolutivos do Direitos da Energia”,
in Revista O Direito, IV, Almedina, 2009,
p .982
[5] A
liberalização teve início com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 449/88 de
10 de Dezembro, que imprimiu alterações na Lei n.º46/77 no sentido de passar a
permitir que privados passassem a aceder à exploração do setor da energia
elétrica.
[6] A
entidade que esteve na origem da integração como hoje a conhecemos foi a CECA –
Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (1951).
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