Os contratos de
adaptação ambiental – a questão da sua (in) admissibilidade constitucional
Os
primeiros contratos de adaptação ambiental foram celebrados em 1995 e referiram-se
ao cumprimento do DL nº 74/90, do DL nº 352/90, e mais tarde ao cumprimento do
DL nº 236/98, de 1 de Agosto, relativamente às normas da qualidade da água. Este
último diploma reveste-se de especial importância por dois motivos: em primeiro
lugar porque consubstancia a primeira previsão expressa da figura dos contratos
de adaptação ambiental, que durante anos se apoiou em bases jurídicas não especificamente
dirigidas a regular este tipo de contratos e, em segundo lugar, porque
configura, actualmente, a única previsão normativa especifica destes contratos
ambientais.
O DL
nº 236/98, de 1 de Agosto vem estabelecer “normas, critérios e objectivos de
qualidade com a finalidade de proteger o meio aquático e melhorar a qualidade
das águas em função dos seus principais usos” (art.1º), revogando o DL nº
74/90.
A
figura dos contratos de adaptação ambiental vem prevista no art. 78º e surge
integrado no capítulo VIII do referido diploma, referente às disposições finais
e transitórias. Desta norma é possível retirar qual o fim e o objecto destes
contratos. Assim, os contratos de adaptação ambiental destinam-se “à adaptação
da legislação ambiental em vigor (…) e à redução da poluição causada pela
descarga de águas residuais no meio aquático e no solo” (nº1), tendo como
objecto “ a concessão de um prazo e a fixação de um calendário, a cumprir pela
empresas aderentes”, precisamente para a adaptação à legislação ambiental
vigente, podendo ainda conter “ eventualmente a definição das normas de
descarga que (…) deverão ser tomadas em conta pela entidade licenciadora,
aquando da atribuição ou renovação das licenças de descarga (…) ” (nº2).
A
principal diferença, no que diz respeito ao objecto, entre o DL nº74/90 e o DL nº
236/98 que o vem revogar, é que enquanto ao abrigo do primeiro diploma os
contratos eram celebrados com vista à determinação da entrada em vigor das
normas relativas à descarga de águas de modo deferido, por forma a conceder
algum tempo aos contraentes particulares para realizarem os seus investimentos,
com vista à laboração no respeito pelas normas em vigor findo esse prazo; os
contratos celebrados ao abrigo do presente DL têm em vista a concessão de um
prazo e a fixação de um calendário para adaptação à legislação já em vigor,
as quais não se aplicarão até que o prazo finde. Ou seja, no âmbito do 1º
diploma apenas se prevê a possibilidade de determinação do início de vigência das
normas, no 2º diploma trata-se do afastamento de normas vigentes, cuja eficácia
fica suspensa até ao fim do prazo fixado entre a Administração e associações representativas
do sector.
Assim,
dos nºs 1 e 3 do art.78º parece decorrer que, por via negocial, se possam, isentar
as empresas poluidoras aderentes, durante o período de adaptação, do
cumprimento de quaisquer normas ambientais imperativas que estejam em vigor. No
entanto, tal seria inaceitável do ponto de vista constitucional, na medida em
que acarretaria uma violação flagrante do princípio da tipicidade das formas de
lei, previsto no art. 112º/ 5 da CRP. No fundo, o presente diploma pretenderia,
sem revogar quaisquer normas ambientais, habilitar a Administração, por
contrato, a suspender a todo o tempo os seus efeitos. Ora, do referido preceito
constitucional decorre que nenhuma lei pode conferir a actos de outra natureza
(neste caso, acto da função administrativa), o poder de suspender os seus
preceitos, o que levaria a uma subversão da hierarquia entre os actos do poder
legislativo e os actos do poder administrativo. Daqui, poderia retirar-se a conclusão
de que a possibilidade conferida pelo art. 78º, de contratualizar um prazo e um
calendário de adaptação à nova legislação em vigor, seria inconstitucional.
Será,
então, que todos os contratos de adaptação ambiental são inadmissiveis, por serem inconstitucionais?
MARK
KIRKBY entende que o papel dos contratos de adaptação ambiental no quadro do
nosso ordenamento jurídico constitucional terá sempre de ser perspectivado como
marginal ou residual, relativamente a outros instrumentos de actuação
administrativa ambiental. Este autor aponta ainda três situações em que a
utilização de contratos administrativos no domínio ambiental é lícita:
-
Contratos de adaptação a normas legais que
estabeleçam limites imperativos de poluição, mas cuja estatuição comporte uma
determinada margem de discricionariedade;
-
Contratos através dos quais os particulares
se vinculam a um plano de adaptação a normas de natureza regulamentar;
-
Contratos de promoção ambiental, através dos
quais as unidades poluentes de comprometem a melhorar as suas prestações
ambientais para além dos standards mínimos definidos por lei imperativa ( mas
aqui já estamos a falar de um outro tipo de contratos ambientais, os de "promoção2
que não se confundem com os de "adaptação").
Por
sua vez, VASCO PEREIRA DA SILVA, embora entenda que não é admissível a existência
de contratos administrativos violadores dos princípios constitucionais (constitucionalidade
e tipicidade dos actos normativos) considera que tal não significa, sem mais, a
impossibilidade de celebração de contratos de adaptação ambiental, pois há
ainda que ponderar os valores que os próprios contratos prosseguem (a eficácia
da actuação administrativa e a participação e tutela de confiança dos
particulares).
Para
este autor ainda seria possível celebrar contratos de adaptação ambiental que
se afastassem dos limites legais, a título excepcional, desde que tal não corresponda
a uma situação de “fraude à Constituição” ou à “lei”, nem ponha em causa os princípios
fundamentais da actuação administrativa, prevista no art. 266º da CRP (a
igualdade, proporcionalidade, imparcialidade). Considera também que o art. 112º/5 da
CRP tem como finalidade evitar “fugas à hierarquia dos actos normativos”, pelo
que, desde que o contrato de adaptação ambiental não configurasse uma situação de
fraude à constituição, mas antes se tratasse de num mecanismo concertado e gradual, então, não existiria
violação da disposição constitucional.
Desde
modo, pode concluir-se que, delimitado o seu âmbito de aplicação e verificados
determinados limites, é possível contornar a levantada problemática da
constitucionalidade e considerar admissíveis os contratos de adaptação ambiental.
Carina Carvalho
subturma 8
Sem comentários:
Enviar um comentário