domingo, 20 de maio de 2012


Os contratos de adaptação ambiental – a questão da sua (in) admissibilidade constitucional


Os primeiros contratos de adaptação ambiental foram celebrados em 1995 e referiram-se ao cumprimento do DL nº 74/90, do DL nº 352/90, e mais tarde ao cumprimento do DL nº 236/98, de 1 de Agosto, relativamente às normas da qualidade da água. Este último diploma reveste-se de especial importância por dois motivos: em primeiro lugar porque consubstancia a primeira previsão expressa da figura dos contratos de adaptação ambiental, que durante anos se apoiou em bases jurídicas não especificamente dirigidas a regular este tipo de contratos e, em segundo lugar, porque configura, actualmente, a única previsão normativa especifica destes contratos ambientais.

O DL nº 236/98, de 1 de Agosto vem estabelecer “normas, critérios e objectivos de qualidade com a finalidade de proteger o meio aquático e melhorar a qualidade das águas em função dos seus principais usos” (art.1º), revogando o DL nº 74/90.
A figura dos contratos de adaptação ambiental vem prevista no art. 78º e surge integrado no capítulo VIII do referido diploma, referente às disposições finais e transitórias. Desta norma é possível retirar qual o fim e o objecto destes contratos. Assim, os contratos de adaptação ambiental destinam-se “à adaptação da legislação ambiental em vigor (…) e à redução da poluição causada pela descarga de águas residuais no meio aquático e no solo” (nº1), tendo como objecto “ a concessão de um prazo e a fixação de um calendário, a cumprir pela empresas aderentes”, precisamente para a adaptação à legislação ambiental vigente, podendo ainda conter “ eventualmente a definição das normas de descarga que (…) deverão ser tomadas em conta pela entidade licenciadora, aquando da atribuição ou renovação das licenças de descarga (…) ” (nº2).

A principal diferença, no que diz respeito ao objecto, entre o DL nº74/90 e o DL nº 236/98 que o vem revogar, é que enquanto ao abrigo do primeiro diploma os contratos eram celebrados com vista à determinação da entrada em vigor das normas relativas à descarga de águas de modo deferido, por forma a conceder algum tempo aos contraentes particulares para realizarem os seus investimentos, com vista à laboração no respeito pelas normas em vigor findo esse prazo; os contratos celebrados ao abrigo do presente DL têm em vista a concessão de um prazo e a fixação de um calendário para adaptação à legislação em vigor, as quais não se aplicarão até que o prazo finde. Ou seja, no âmbito do 1º diploma apenas se prevê a possibilidade de determinação do início de vigência das normas, no 2º diploma trata-se do afastamento de normas vigentes, cuja eficácia fica suspensa até ao fim do prazo fixado entre a Administração e associações representativas do sector.

Assim, dos nºs 1 e 3 do art.78º parece decorrer que, por via negocial, se possam, isentar as empresas poluidoras aderentes, durante o período de adaptação, do cumprimento de quaisquer normas ambientais imperativas que estejam em vigor. No entanto, tal seria inaceitável do ponto de vista constitucional, na medida em que acarretaria uma violação flagrante do princípio da tipicidade das formas de lei, previsto no art. 112º/ 5 da CRP. No fundo, o presente diploma pretenderia, sem revogar quaisquer normas ambientais, habilitar a Administração, por contrato, a suspender a todo o tempo os seus efeitos. Ora, do referido preceito constitucional decorre que nenhuma lei pode conferir a actos de outra natureza (neste caso, acto da função administrativa), o poder de suspender os seus preceitos, o que levaria a uma subversão da hierarquia entre os actos do poder legislativo e os actos do poder administrativo. Daqui, poderia retirar-se a conclusão de que a possibilidade conferida pelo art. 78º, de contratualizar um prazo e um calendário de adaptação à nova legislação em vigor, seria inconstitucional.
Será, então, que todos os contratos de adaptação ambiental são inadmissiveis, por serem inconstitucionais?
MARK KIRKBY entende que o papel dos contratos de adaptação ambiental no quadro do nosso ordenamento jurídico constitucional terá sempre de ser perspectivado como marginal ou residual, relativamente a outros instrumentos de actuação administrativa ambiental. Este autor aponta ainda três situações em que a utilização de contratos administrativos no domínio ambiental é lícita:
-        Contratos de adaptação a normas legais que estabeleçam limites imperativos de poluição, mas cuja estatuição comporte uma determinada margem de discricionariedade;
-        Contratos através dos quais os particulares se vinculam a um plano de adaptação a normas de natureza regulamentar;
-        Contratos de promoção ambiental, através dos quais as unidades poluentes de comprometem a melhorar as suas prestações ambientais para além dos standards mínimos definidos por lei imperativa ( mas aqui já estamos a falar de um outro tipo de contratos ambientais, os de "promoção2 que não se confundem com os de "adaptação").

Por sua vez, VASCO PEREIRA DA SILVA, embora entenda que não é admissível a existência de contratos administrativos violadores dos princípios constitucionais (constitucionalidade e tipicidade dos actos normativos) considera que tal não significa, sem mais, a impossibilidade de celebração de contratos de adaptação ambiental, pois há ainda que ponderar os valores que os próprios contratos prosseguem (a eficácia da actuação administrativa e a participação e tutela de confiança dos particulares).
Para este autor ainda seria possível celebrar contratos de adaptação ambiental que se afastassem dos limites legais, a título excepcional, desde que tal não corresponda a uma situação de “fraude à Constituição” ou à “lei”, nem ponha em causa os princípios fundamentais da actuação administrativa, prevista no art. 266º da CRP (a igualdade, proporcionalidade, imparcialidade). Considera também que o art. 112º/5 da CRP tem como finalidade evitar “fugas à hierarquia dos actos normativos”, pelo que, desde que o contrato de adaptação ambiental não configurasse uma situação de fraude à constituição, mas antes se tratasse de num mecanismo concertado e gradual, então, não existiria violação da disposição constitucional.
Desde modo, pode concluir-se que, delimitado o seu âmbito de aplicação e verificados determinados limites, é possível contornar a levantada problemática da constitucionalidade e considerar admissíveis os contratos de adaptação ambiental.



Carina Carvalho
subturma 8

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