quinta-feira, 17 de maio de 2012

"PGR admite falta de meios para fiscalizar crimes ambientais"


PGR admite falta de meios para fiscalizar crimes ambientais

por Rui Pedro Antunes 23 Fevereiro 2012


“A falta de especialização dos procuradores é um dos obstáculos a uma luta mais eficaz contra a corrupção nesta área. Magistrados do Ministério Público propõem procuradoria especializada em ambiente e urbanismo.

O Ministério Público (MP) tem falta de meios para fiscalizar os crimes nas áreas do urbanismo, ambiente e ordenamento do território. O alerta tem vindo a ser dado nos últimos anos em relatórios da Procuradoria-Geral da República (PGR), e o próprio procurador-geral, Pinto Monteiro, garantiu ao DN que "é necessária uma maior especialização e maior cooperação de especialistas na área". O facto torna-se mais evidente tendo em conta que os casos mais mediáticos em matéria de corrupção têm tido uma área comum: o ambiente e/ou urbanismo.

Já no último relatório anual tornado público (2010), a PGR solicitava a "disponibilização de apoio técnico especializado que permita uma melhor compreensão de matérias para as quais o MP não tem formação técnica adequada (na área do urbanismo, ambiente e ordenamento do território)". O mesmo documento alertava para a necessidade de "formação dos magistrados do MP, em matéria de ambiente, ordenamento do território e urbanismo", dando um prazo limite: dois anos. Mas nada aconteceu.

Pinto Monteiro disse ao DN que "neste âmbito verificam-se sempre especiais dificuldades na deteção e na investigação das práticas ilícitas, decorrentes da especificidade das matérias e da insuficiência de articulação, cooperação e apoio técnico ao MP e aos órgãos de polícia criminal". Lembrou ainda que "a Procuradoria-Geral da República lutou pela criminalização do crime urbanístico" e que "a Lei n.º 32/10 de 2 de setembro consagrou o crime de violação das regras urbanísticas, cujo bem jurídico protegido diz respeito à proteção do solo e do ambiente enquanto valores essenciais e escassos numa sociedade moderna". "A prevenção e investigação do crime continuam uma prioridade."

O secretário-geral do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público vai mais longe e defende que seja seguido o modelo espanhol: "Deve ser criada uma procuradoria especializada nesta matéria, que olhe para a área do ambiente e do urbanismo do ponto de vista penal e administrativo."

Rui Cardoso reconhece que "não há especialização nesta área", mas aponta o dedo à Procuradoria, "que nada fez para que houvesse". O dirigente sindical defende que esta é uma prioridade a ter em conta "quando houver uma revisão do Estatuto do MP."

Luís de Sousa, sociólogo com diversos estudos na área da corrupção e presidente da Transparência e Integridade - Associação Cívica (TIAC) recorda que a área do urbanismo e ambiente é "muito propensa à corrupção, porque há alguma facilidade em contornar as leis e os controlos são ineficazes".

O antigo vice-primeiro-ministro e ex-presidente da Associação Portuguesa para o Direito do Ambiente, Rui Machete, partilha da dificuldade de averiguar os crimes ligados ao ambiente e urbanismo. "Em primeiro lugar, a natureza desta matéria leva a que haja conceitos com elevado grau de indeterminação, o que torna mais subjetiva a interpretação da lei", explica. O antigo diretor da revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do Território refere ainda a "trapalhada" no ordenamento do território "criada pelo fundamentalismo de alguns agentes e a pressão dos que têm interesses". No capítulo penal, Machete destaca que "o tempo que os tribunais demoram levam muitas vezes as pessoas a violar - erradamente - a lei. E, depois, como não é uma área muito clara, nada se descobre."

O bastonário da Ordem dos Advogados, António Marinho e Pinto, considera que, caso haja insuficiências, "é preciso especializar os magistrados do Ministério Público", pois "a falta de especialização ou a alegada falta de meios não deve servir de desculpa para que o MP não faça o seu trabalho". Marinho e Pinto deixa um aviso: "Os magistrados devem empenhar-se o mais possível, independentemente dos meios que têm."

Alguns dos processos judiciais mais mediáticos envolvem, precisamente, crimes ambientais. Entre inocentes e corruptos, quem não escapou foi o ambiente. No caso "Freeport", as aves do estuário do Tejo perderam espaço; no caso "Portucale", Benavente perdeu mais de dois mil sobreiros, e no caso "Face Oculta" o Estado perdeu dinheiro.”


Fonte: http://www.dn.pt/especiais/interior.aspx?content_id=2321472&especial=Os pontos negros do ambiente - Grande Investiga%E7%E3o&seccao=SOCIEDADE&page=-1



Comentário à notícia:


            Vivemos numa sociedade em que cada vez mais se fala nos problemas ambientais e nas consequências que estes têm para as pessoas, animais e ecossistemas em geral, nos quais estão incluídos os recursos naturais.

            Os recursos demonstram-se cada vez mais escassos e o Planeta cada vez mais “exausto” de tantos abusos por parte da espécie humana.

            É indiscutível, actualmente, a importância que o Meio Ambiente tem para a qualidade de vida e saúde das pessoas. Esta consciência é hoje tal, que a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 66º, nº 1, consagra o direito fundamental ao ambiente “sadio e ecologicamente equilibrado” e o dever de proteger o Ambiente, por parte de todos os cidadãos.

            A acrescer a esta disposição da Lei Fundamental, podemos referir a Lei de Bases do Ambiente (doravante, LBA, publicada pela Lei 11/87, de 7 de Abril, com as alterações realizadas pelo Decreto-lei 224-A/96, de 26 de Novembro e Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro), que estabelece os mesmos direito e dever fundamentais, fazendo uma sua concretização na legislação ordinária.

            Tal como acontece com qualquer outro direito ou dever fundamental, estes não podem cingir-se à teoria. É necessário que o Ambiente, enquanto direito fundamental que é, seja efectivamente protegido e que sejam aplicadas sanções adequadas às entidades (públicas ou privadas) que o lesem.

            Esta notícia demonstra que isto, claramente, não acontece no nosso país.

            Embora exista uma preocupação crescente com as questões ambientais, ainda existe muita inércia e falta de (in)formação, que leva o Estado a não agir da forma adequada a prevenir e sancionar actuações lesivas do Meio Ambiente. A acrescer a estas inércia e falta de (in)formação, temos outro problema sublinhado pela notícia: a corrupção. Este problema tem de ser sancionado de acordo com os danos que acarreta para que a situação de desrespeito pelo Ambiente seja radicalmente atenuada, como é imperioso que seja. A Terra não tem capacidade (já) para conseguir lidar com tantas agressões.

            Tendo em conta que, para vivermos nesta comunidade contemporânea, infelizmente, há danos que não podem ser evitados (é um facto…), devemos cingir-nos a esses danos necessários e incontornáveis e não permitir que danos dispensáveis sejam perpetrados.

            O princípio da proporcionalidade na sua dimensão de princípio da necessidade aplica-se a esta questão, na medida em que todas as lesões ao Ambiente que não sejam estritamente necessárias, devem ser evitadas (e com devem pretendemos significar que têm mesmo de o ser, devido à situação ambiental global em que nos encontramos).

            Visto que o princípio da prevenção (artigo 3º, alínea a) da LBA) nem sempre actua do modo que seria ideal, por via dos problemas acima explicitados (inércia, falta de informação/formação e corrupção), devemos focar-nos em encontrar soluções para acabar com os referidos problemas, de forma a respeitar o princípio em apreço.

            Podemos considerar que se criará um género de ciclo vicioso, que será benéfico para esta questão, com o que diremos a seguir.

            Se se apostar na formação e informação dos magistrados do Ministério Público em matéria de Ambiente, Urbanismo e Ordenamento do Território, a fiscalização e detecção de ilícitos ambientais tornar-se-á mais fácil, como refere o Procurador-Geral Pinto Monteiro, na notícia. Depois de detectados esses ilícitos, poderá colocar-se em prática o princípio da responsabilização, do artigo 3º, alínea h) da LBA, dos agentes dos ilícitos ambientais. Chegados a este ponto, voltaremos ao princípio da prevenção, de uma certa forma, uma vez que a responsabilização destas práticas ilícitas pode ser desmotivada pelo sancionamento efectivo das mesmas.

            É importante, ainda, referir o princípio presente no artigo 3º, alínea g) da LBA – princípio da recuperação – segundo o qual as áreas afectadas por actuações que provoquem danos ao Ambiente, devem ser, dentro do possível, recuperadas, reestabelecendo o equilíbrio que existia antes do dano ter sido causado. Nesta sede, os agentes causadores do dano, no caso da notícia os agentes corruptos, têm a obrigação de remover as causas do mesmo e a “repor a situação anterior (…) ou equivalente” (artigo 48º, nº 1 da LBA). No caso de não se afigurar possível a reposição da situação anterior, o agente tem o dever de pagar uma indemnização que será utilizada para minimizar os danos causados (artigo 48º, nº 3 da LBA). Na nossa opinião, estes dois preceitos estabelecem obrigações adequadas, a nível contra-ordenacional, pois visam garantir a reparação das consequências nefastas causadas ao Ambiente. Porém, como a notícia refere, a fiscalização e sancionamento efectivos (até a nível penal), nesta área, demonstram-se tarefas difíceis.

            Em jeito de conclusão, referimos que o que é realmente necessário, neste momento, para atenuar este problema, é apostar na formação dos magistrados do Ministério Público e órgãos de polícia criminal no domínio ambiental, para que estes possam fiscalizar e sancionar estas situações adequadamente.






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