PGR admite falta de meios para
fiscalizar crimes ambientais
por Rui Pedro Antunes 23 Fevereiro 2012
“A falta
de especialização dos procuradores é um dos obstáculos a uma luta mais eficaz
contra a corrupção nesta área. Magistrados do Ministério Público propõem
procuradoria especializada em ambiente e urbanismo.
O Ministério Público (MP) tem falta
de meios para fiscalizar os crimes nas áreas do urbanismo, ambiente e
ordenamento do território. O alerta tem vindo a ser dado nos últimos anos em
relatórios da Procuradoria-Geral da República (PGR), e o próprio
procurador-geral, Pinto Monteiro, garantiu ao DN que "é necessária uma
maior especialização e maior cooperação de especialistas na área". O facto
torna-se mais evidente tendo em conta que os casos mais mediáticos em matéria
de corrupção têm tido uma área comum: o ambiente e/ou urbanismo.
Já no último relatório anual tornado
público (2010), a PGR solicitava a "disponibilização de apoio técnico
especializado que permita uma melhor compreensão de matérias para as quais o MP
não tem formação técnica adequada (na área do urbanismo, ambiente e ordenamento
do território)". O mesmo documento alertava para a necessidade de
"formação dos magistrados do MP, em matéria de ambiente, ordenamento do
território e urbanismo", dando um prazo limite: dois anos. Mas nada
aconteceu.
Pinto Monteiro disse ao DN que
"neste âmbito verificam-se sempre especiais dificuldades na deteção e na
investigação das práticas ilícitas, decorrentes da especificidade das matérias
e da insuficiência de articulação, cooperação e apoio técnico ao MP e aos
órgãos de polícia criminal". Lembrou ainda que "a Procuradoria-Geral
da República lutou pela criminalização do crime urbanístico" e que "a
Lei n.º 32/10 de 2 de setembro consagrou o crime de violação das regras
urbanísticas, cujo bem jurídico protegido diz respeito à proteção do solo e do
ambiente enquanto valores essenciais e escassos numa sociedade moderna".
"A prevenção e investigação do crime continuam uma prioridade."
O secretário-geral do Sindicato dos
Magistrados do Ministério Público vai mais longe e defende que seja seguido o
modelo espanhol: "Deve ser criada uma procuradoria especializada nesta
matéria, que olhe para a área do ambiente e do urbanismo do ponto de vista
penal e administrativo."
Rui Cardoso reconhece que "não
há especialização nesta área", mas aponta o dedo à Procuradoria, "que
nada fez para que houvesse". O dirigente sindical defende que esta é uma
prioridade a ter em conta "quando houver uma revisão do Estatuto do
MP."
Luís de Sousa, sociólogo com
diversos estudos na área da corrupção e presidente da Transparência e
Integridade - Associação Cívica (TIAC) recorda que a área do urbanismo e
ambiente é "muito propensa à corrupção, porque há alguma facilidade em
contornar as leis e os controlos são ineficazes".
O antigo vice-primeiro-ministro e
ex-presidente da Associação Portuguesa para o Direito do Ambiente, Rui Machete,
partilha da dificuldade de averiguar os crimes ligados ao ambiente e urbanismo.
"Em primeiro lugar, a natureza desta matéria leva a que haja conceitos com
elevado grau de indeterminação, o que torna mais subjetiva a interpretação da
lei", explica. O antigo diretor da revista de Direito do Ambiente e
Ordenamento do Território refere ainda a "trapalhada" no ordenamento
do território "criada pelo fundamentalismo de alguns agentes e a pressão
dos que têm interesses". No capítulo penal, Machete destaca que "o
tempo que os tribunais demoram levam muitas vezes as pessoas a violar -
erradamente - a lei. E, depois, como não é uma área muito clara, nada se
descobre."
O bastonário da Ordem dos Advogados,
António Marinho e Pinto, considera que, caso haja insuficiências, "é
preciso especializar os magistrados do Ministério Público", pois "a
falta de especialização ou a alegada falta de meios não deve servir de desculpa
para que o MP não faça o seu trabalho". Marinho e Pinto deixa um aviso:
"Os magistrados devem empenhar-se o mais possível, independentemente dos
meios que têm."
Alguns dos processos judiciais mais
mediáticos envolvem, precisamente, crimes ambientais. Entre inocentes e
corruptos, quem não escapou foi o ambiente. No caso "Freeport", as
aves do estuário do Tejo perderam espaço; no caso "Portucale",
Benavente perdeu mais de dois mil sobreiros, e no caso "Face Oculta"
o Estado perdeu dinheiro.”
Fonte: http://www.dn.pt/especiais/interior.aspx?content_id=2321472&especial=Os
pontos negros do ambiente - Grande
Investiga%E7%E3o&seccao=SOCIEDADE&page=-1
Comentário
à notícia:
Vivemos numa
sociedade em que cada vez mais se fala nos problemas ambientais e nas
consequências que estes têm para as pessoas, animais e ecossistemas em geral,
nos quais estão incluídos os recursos naturais.
Os recursos demonstram-se cada vez mais escassos e o
Planeta cada vez mais “exausto” de tantos abusos por parte da espécie humana.
É indiscutível, actualmente, a importância que o Meio
Ambiente tem para a qualidade de vida e saúde das pessoas. Esta consciência é
hoje tal, que a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 66º, nº 1,
consagra o direito fundamental ao ambiente “sadio e ecologicamente equilibrado”
e o dever de proteger o Ambiente, por parte de todos os cidadãos.
A acrescer a esta disposição da Lei Fundamental, podemos
referir a Lei de Bases do Ambiente (doravante, LBA, publicada pela Lei 11/87,
de 7 de Abril, com as alterações realizadas pelo Decreto-lei 224-A/96, de 26 de
Novembro e Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro), que estabelece os mesmos direito e
dever fundamentais, fazendo uma sua concretização na legislação ordinária.
Tal como acontece com qualquer outro direito ou dever
fundamental, estes não podem cingir-se à teoria. É necessário que o Ambiente,
enquanto direito fundamental que é, seja efectivamente protegido e que sejam
aplicadas sanções adequadas às entidades (públicas ou privadas) que o lesem.
Esta notícia demonstra que isto, claramente, não acontece
no nosso país.
Embora exista uma preocupação crescente com as questões
ambientais, ainda existe muita inércia e falta de (in)formação, que leva o
Estado a não agir da forma adequada a prevenir e sancionar actuações lesivas do
Meio Ambiente. A acrescer a estas inércia e falta de (in)formação, temos outro
problema sublinhado pela notícia: a corrupção. Este problema tem de ser sancionado
de acordo com os danos que acarreta para que a situação de desrespeito pelo
Ambiente seja radicalmente atenuada, como é imperioso que seja. A Terra não tem
capacidade (já) para conseguir lidar com tantas agressões.
Tendo em conta que, para vivermos nesta comunidade
contemporânea, infelizmente, há danos que não podem ser evitados (é um facto…),
devemos cingir-nos a esses danos necessários e incontornáveis e não permitir
que danos dispensáveis sejam perpetrados.
O princípio da proporcionalidade na sua dimensão de
princípio da necessidade aplica-se a esta questão, na medida em que todas as
lesões ao Ambiente que não sejam estritamente necessárias, devem ser evitadas
(e com devem pretendemos significar que têm mesmo de o ser, devido à situação
ambiental global em que nos encontramos).
Visto que o princípio da prevenção (artigo 3º, alínea a)
da LBA) nem sempre actua do modo que seria ideal, por via dos problemas acima
explicitados (inércia, falta de informação/formação e corrupção), devemos
focar-nos em encontrar soluções para acabar com os referidos problemas, de
forma a respeitar o princípio em apreço.
Podemos considerar que se criará um género de ciclo
vicioso, que será benéfico para esta questão, com o que diremos a seguir.
Se se apostar na formação e informação dos magistrados do
Ministério Público em matéria de Ambiente, Urbanismo e Ordenamento do Território,
a fiscalização e detecção de ilícitos ambientais tornar-se-á mais fácil, como
refere o Procurador-Geral Pinto Monteiro, na notícia. Depois de detectados
esses ilícitos, poderá colocar-se em prática o princípio da responsabilização,
do artigo 3º, alínea h) da LBA, dos agentes dos ilícitos ambientais. Chegados a
este ponto, voltaremos ao princípio da prevenção, de uma certa forma, uma vez
que a responsabilização destas práticas ilícitas pode ser desmotivada pelo sancionamento
efectivo das mesmas.
É importante, ainda, referir o princípio presente no
artigo 3º, alínea g) da LBA – princípio da recuperação – segundo o qual as
áreas afectadas por actuações que provoquem danos ao Ambiente, devem ser,
dentro do possível, recuperadas, reestabelecendo o equilíbrio que existia antes
do dano ter sido causado. Nesta sede, os agentes causadores do dano, no caso da
notícia os agentes corruptos, têm a obrigação de remover as causas do mesmo e a
“repor a situação anterior (…) ou equivalente” (artigo 48º, nº 1 da LBA). No
caso de não se afigurar possível a reposição da situação anterior, o agente tem
o dever de pagar uma indemnização que será utilizada para minimizar os danos
causados (artigo 48º, nº 3 da LBA). Na nossa opinião, estes dois preceitos
estabelecem obrigações adequadas, a nível contra-ordenacional, pois visam
garantir a reparação das consequências nefastas causadas ao Ambiente. Porém,
como a notícia refere, a fiscalização e sancionamento efectivos (até a nível
penal), nesta área, demonstram-se tarefas difíceis.
Em jeito de conclusão, referimos que o que é realmente
necessário, neste momento, para atenuar este problema, é apostar na formação
dos magistrados do Ministério Público e órgãos de polícia criminal no domínio
ambiental, para que estes possam fiscalizar e sancionar estas situações
adequadamente.
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