Há que reflectir qual o papel que
a invocação de superior interesse público pode ter, no sentido dos efeitos de
aplicação, de normas de Direito Privado do Ambiente. Esta discussão há muito
que é tida em conta na jurisprudência portuguesa e objecto de diversos Acórdãos
decorrentes dos tribunais portugueses. Cabe-nos, deste modo, fazer referência a
algumas destas decisões que consideramos pertinentes.
O Acórdão do Tribunal da Relação
de Coimbra, de 23 de Junho de 1998, chamou inicialmente a nossa atenção para
esta problemática, a propósito da afirmação da evitabilidade da poluição por
força do “estado civilizacional em que
vivemos”, na fase do confronto entre o direito à saúde e a construção de
uma auto-estrada junto à casa de morada dos Autores. Da leitura do Acórdão
ressalva “ o interesse público evidente
da existência destas vias de comunicação” sublinhado pelo tribunal.
Contudo, note-se, que o tribunal nunca cita a relevância do interesse público
para a decisão final, ou o papel que o mesmo tende a desempenhar. Ainda assim,
e apesar de tal não se encontrar expresso no texto do Acórdão, ressalta da
leitura do mesmo a prudência do tribunal no preenchimento dos pressupostos de
que pendia a procedência do pedido. Por isso entendemos, que a relevância
pública da decisão em causa, representou um papel muito mais relevante do que
resulta da leitura do conteúdo da decisão. O que leva a questionar se tal
prudência não pode ser fundada na ponderação do interesse público, superior aos
interesses em causa. Outro caso, que apresenta manifesta importância na questão
que nos cabe analisar, resulta do Acórdão de 11 de Maio de 2006 do Supremo
Tribunal de Justiça. Ao concluir que “estando
em confronto (sem que possam coexistir) - como direitos constitucionais e
legais- o direito à vida e à integridade física de todos os que utilizam o
edifício de um tribunal e o direito/dever de protecção de natureza, e mais
concretamente (espécies de aves em estado selvagem), o direito de protecção das
andorinhas que, desde há muito, nidificam neste último deve ceder e ser
sacrificado perante aquele primeiro direito”, a decisão em causa foi mais
assertiva na medida em que assumiu que havia um conflito. Na nossa prespectiva,
configurou deliberadamente o interesse público em causa como um direito à protecção das andorinhas para
potenciar a aplicação do artigo 335º do Código Civil, fazendo assim uma
ponderação a título de colisão de direitos nos termos normais. Contudo, e uma
vez mais, apesar do substrato material do Acórdão ser a limitação ou eliminação
dos efeitos da aplicação de uma norma de Direito Privado do Ambiente, por força
do prejuízo para o interesse público ambiental que a sua plena aplicação
acarretaria, o tribunal volta a tentar a aplicação de outros institutos comuns
de Direito Privado. Também o Acórdão de 1 de Março de 1994 do Tribunal da
Relação do Porto, discorre longamente acerca dos problemas ambientais e sua
compatibilização com o desenvolvimento económico, a propósito da relevância de
uma estação de tratamento de resíduos. Este caso tem uma particularidade
interessante: trata do conflito entre direitos de personalidade ambientais das
pessoas que residiam perto do qual para qual estava ptojectada a estação e o
interesse público ambiental de tratamento adequado de resíduos. Apesar do
tribunal dedicar quase a totalidade do Acórdão à reflexão acerca de problemas
ambientais, não retira depois dessa invocação qualquer consequência, uma vez
que se limita a afirmar que não tinha sido feita prova suficiente para a
procedência do pedido. A menos que se a aceite que não existe qualquer ligação
entre o texto do Acórdão e a decisão final, cabe questionar então, qual a
relevância que o interesse público desempenhou na decisão final.
As limitações de efeitos das
decisões e efeitos suspensivos de actos por considerações de interesse público
são frequentes e expressamente admitidas pela lei de processo nos tribunais
administrativos (veja-se a este propósito as disposições contidas nos artigos
163º; 128º e 45ºdo CPTA), no entanto, não se quer com isto sugerir que o mesmo
tratamento deva ser dado ao interesse público nos tribunais comuns. É natural
que os tribunais e o contencioso administrativo tenham uma especial
sensibilidade em relação às invocações de interesse público. Contudo a
ponderação do interesse público pode ser enquadrado numa corrente de filosofia
do direito que os nossos tribunais não parecem fazer uso adequado: a sinépica
Concluindo, “O Direito realiza-se em decisões concretas”, e a evolução do
Direito e da teoria jurídica têm de ter sempre em vista a concretização e
materialização. Por isso, considera-se como especialmente relevante a análise
de decisões jurisprudenciais tendo em conta o caso concreto, e o conflito dos
interesses envolventes na causa.
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