domingo, 20 de maio de 2012

Praia de Faro: conflito entre o interesse público ambiental e o direito de propriedade


"O Plano de Pormenor da Praia de Faro prevê a demolição de 185 casas na zona concessionada à autarquia. De pé ficam apenas 80.                  

O Observatório do Algarve apurou que o Plano de Pormenor elaborado para a zona da Praia de Faro desafetada do Domínio Público Marítimo, área gerida pela Câmara Municipal de Faro, prevê que apenas fiquem de pé 80 construções.

Na área a nascente da ilha e do lado do mar, está prevista a demolição de 131 casas, ficando exclusivamente de pé os três maiores edifícios.

Na área a poente, vão abaixo 54 construções, ficando de pé apenas cinco, três das quais são prédios de quatro pisos. Entre os edifícios a demolir estão sinalizados os restaurantes Camané e Paquete.

A estas demolições acrescem as que já estavam previstas na zona de Domínio Público Marítimo, que são consideradas construções clandestinas.

Estes números, apurados pelo Observatório do Algarve, não foram confirmados pela Sociedade Polis Litoral da Ria Formosa.

Valentina Calixto, presidente da Sociedade Polis Litoral da Ria Formosa apenas confirmou que o número de casas a demolir já está apurado, todavia recusou-se a adiantar quantas são.

“Claramente que temos o número identificado, mas o detalhe do projeto é que vai ajustar esse número”. A responsável refere-se à construção de uma duna 'gigante' que visa proteger as zonas lagunar e continental, como o aeroporto e a baixa da cidade de Faro, de um possível galgamento do mar, em consequência de temporais.

“Não estamos a falar de uma renaturalização total. Estamos a falar sim de uma zona de intervenção que conflitua não só com a edificação, mas também com a estrada existente, ou seja, vamos ter de relocalizar nalguns pontos a estrada”, sublinhou.

A presidente da Sociedade Polis Litoral da Ria Formosa falou com o Observatório do Algarve à margem do encontro “Conversas na Ria”, que decorreu no dia 3 de março, em Tavira.

Valentina Calixto explicou que o risco existente naquela zona era conhecido, todavia os estudos efetuados no âmbito da elaboração do Plano de Pormenor vieram a revelar que atinge "um nível preocupante”.

“Os estudos, que estão concluídos neste momento, adiantam que a Praia de Faro é uma área de grande risco de galgamento, que em qualquer altura de grande tempestade poderá provocar danos não só na ilha, mas no espaço lagunar e espaço continental envolvente”, alertou.

A presidente da Sociedade Polis acrescentou que a solução técnica proposta para reduzir o risco de galgamento passa pela construção de uma duna em toda a extensão da Península do Ancão, o que implica a demolição de construções existentes também na zona de desafetada do Domínio Público Marítimo.

A duna terá “uma altura e uma extensão para o lado do mar, por forma a criar robustez ao cordão dunar, que permita que o mar encontre ali uma força que impeça que ele consiga destruir toda a zona de ilha”.

Realojamento fora da zona desafetada

A presidente da Sociedade Polis declarou também que, ao contrário do que estava previsto, o realojamento das famílias com primeiras habitações na Praia não será feito na zona desafetada do Domínio Público Marítimo.

“Preferencialmente pensava-se que o realojamento das primeiras e únicas habitações da zona do domínio público deveria fazer-se também na zona desafetada, mas por situações de risco o Plano de Pormenor desaconselha isso”, disse e sublinhou que não será possível retirar totalmente o risco daquela área, apenas minimizá-lo.

De acordo com Valentina Calixto, as soluções serão encontradas em articulação com a Câmara Municipal de Faro, entidade responsável pela gestão daquele território em particular.

Novos trabalhos ultrapassam orçamento

Os novos trabalhos programados para a Praia de Faro vão ultrapassar o orçamento inicial numa verba que Valentina Calixto estima que ultrapasse os 15 milhões de euros, quando o inicialmente previsto rondava os 6 milhões de euros.

“Estamos a falar em relocalização de infraestruturas, uma duna reconstruída, edificações algumas em que os lotes foram vendidos e as casas construídas legalmente, há que indemnizar essas habitações”, exemplificou.

Para já a responsável não acredita que seja ultrapassado o prazo definido para a execução do Polis Litoral da Ria Formosa, que deverá estar concluído até ao final de 2012, com possibilidade de prolongar por mais 6 meses.

Contudo, Valentina Calixto salienta que estão perante novas exigências e essa avaliação temporal só pode ser efetuada com o avançar do projeto.

“O risco existia e era conhecido, mas nunca pensámos que fosse necessária esta solução e tanta intervenção para minimizar o risco”, concluiu".

Comentário

Não se pode deixar de ressalvar que em certos casos, verifica-se a existência de  um  conflito, entre um direito fundamental e outro interesse constitucionalmente protegido, isto porque, a consagração do ambiente como um bem jurídico-constitucional semeia o problema da sua harmonização com outros valores e direitos reconhecidos também no corpo da Constituição, como por exemplo, o desenvolvimento económico, a iniciativa económica e a propriedade privada. Assim, há uma restrição do direito de propriedade quando a Administração elabora um plano de demolições de casas construídas há vários anos numa praia, tendo como motivação a protecção ambiental da mesma.

O caso da praia de Faro traduz o conflito entre a prossecução do interesse público na vertente ambiental e o direito de propriedade dos vários moradores da praia. O processo de demolições nasce do risco, cada vez maior, de galgamento das águas, sendo que, cada Inverno que passa a praia de Faro é assolada por temporais com um cordão dunar a rebentar.

A grande questão que surge é saber quais os critérios que irão assistir às demolições sendo que segundo o Ministério, "a motivação do Ministério do Ambiente é fazer o devidamente planeamento baseado em estudos científicos que apontam o melhor caminho e disso não nos podemos desviar".

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